Valor Econômico
Campanha começa a testar slogan “o capitão
do povo”
Cena interna. Domingo de manhã. Imagens do
auditório repleto de apoiadores, quase todos de verde e amarelo. O espaço que
comporta até quatro mil pessoas, está cheio, mas não lotado. É possível
circular sem esbarrões, há cadeiras livres. Uma minoria usa máscaras.
Centenas foram levados pela equipe da
ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL), que deixará o cargo na
próxima semana. Esposa do ex-senador e ex-governador José Roberto Arruda,
Flávia disputará uma vaga ao Senado pelo Distrito Federal. Se for eleita,
voltará 22 anos depois ao palco onde o marido renunciou ao mandato, para evitar
a cassação. Em 2000, Arruda, então líder do governo, envolveu-se na violação do
painel do Senado durante a votação da cassação do então senador Luiz Estevão.
Os telões instalados no local promovem o Partido Liberal (PL), legenda do presidente Jair Bolsonaro: “Movimento Filia Brasil - É com ele que eu vou” e “PL, o maior partido do Congresso Nacional”.
Música instrumental típica de bailes de
formatura embala a entrada de Bolsonaro. No trajeto até o palco, o locutor de
rodeio interrompe a música: “quem tem orgulho de ser brasileiro, levanta a mão
e dá um grito aí! Aqui é Cuiabano Lima, seguraaaa!”, completou uma das vozes
mais famosas do Brasil.
Num tropeço da organização, o apresentador
oficial não compareceu. O jeito foi transformar Cuiabano Lima, que faria apenas
uma participação especial, em cerimonial.
“A emoção fala mais alto, o povo bate no
peito, aí vem ele, recebe o carinho do meu povo, o aplauso daqueles que dizem
esse é o capitão do povo”, exaltou Cuiabano, ao narrar o momento em que
Bolsonaro subiu ao palco.
“Capitão do povo” é um dos slogans que
começa a ser testado pela campanha bolsonarista. Um claro contraponto ao “Lula,
guerreiro do povo brasileiro”, uma das palavras de ordem recorrentes da
militância petista.
Cuiabano Lima é personagem relevante do
universo bolsonarista. Com quase 400 mil seguidores no Instagram, amigo próximo
de Bolsonaro, tornou-se um dos locutores de rodeio mais populares do país. O PL
informou à coluna que ele atuou no evento de domingo como “voluntário”.
Dono de um dos cachês mais altos do
segmento, ele é garoto-propaganda do governo federal. Em 2020, segundo
reportagem do Congresso em Foco, recebeu R$ 36 mil pela campanha da Mega Sena
da Virada. No ano passado, estrelou anúncios do Auxílio Emergencial.
Corta para o momento religioso. Cuiabano
convida: “somente quem acredita em Jesus Cristo levanta a mão”. Em seguida,
antecipa uma fala do presidente: “mais que batalha política, é uma batalha
espiritual”. Minutos depois, Bolsonaro afirmaria: “não é uma luta da esquerda
contra a direita, é uma luta do bem contra o mal”.
No discurso de meia hora, Bolsonaro mandou
vários recados para os adversários, antecipando o tom da campanha. Em meio às
vaias no festival Lollapalooza, o presidente fez um apelo: “pais e avós têm
obrigação de mostrar para eles [filhos e netos] para onde o Brasil estava indo,
bem como vivem os jovens em outros países como a Venezuela”.
Pesquisa Datafolha mais recente mostrou que
51% dos jovens entre 16 e 24 anos preferem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), enquanto 22% declararam voto em Bolsonaro.
Na véspera do pedido de demissão do
ministro da Educação, Milton Ribeiro, alvo de denúncias de corrupção, Bolsonaro
fez uma declaração velada sobre o tema. Acusou adversários de transformarem
“gota d’água em tsunami” e reafirmou que “acabou a farra com dinheiro público”.
Não citou o MEC em hora nenhuma.
O presidente ainda retomou as ameaças
veladas ao regime democrático. “Se para defender a nossa liberdade, nossa
democracia, eu tomarei decisão contra quem quer que seja (...) A certeza do
sucesso é que eu tenho um exército ao meu lado, composto de cada um de vocês”.
A declaração, que embute outros recados nas
entrelinhas, também se deu na véspera de uma reunião com a cúpula das Forças
Armadas, em que selou a nomeação do comandante do Exército, general Paulo
Sérgio Nogueira, para o Ministério da Defesa.
Ou seja, pela primeira vez um general da
ativa será ministro da Defesa, estando à frente da interlocução com as três
Forças. O movimento também permitirá a Bolsonaro nomear o terceiro comandante
do Exército em um mesmo mandato.
Corta para o final apoteótico. Cuiabano
Lima pede que todos esvaziem o palco e deixem apenas Bolsonaro e sua esposa,
Michelle. A primeira-dama é a principal aposta do PL na campanha para reduzir a
rejeição ao marido.
As luzes se apagam e os vultos de ambos, de
mãos dadas, assistem a um vídeo emocionante com imagens que vão da infância do
presidente, passando pela academia militar, a eleição para deputado federal,
até a posse como presidente.
O ato do PL no domingo foi uma amostra
inicial do que será a propaganda de Bolsonaro no horário eleitoral. Foi um
apanhado de tudo: a batalha espiritual no campo dos costumes, para onde Bolsonaro
quer arrastar o PT, defesa da gestão da pandemia, crítica aos governadores, a
bandeira da redução dos impostos e até ameaças veladas ao regime democrático.
Faltou a cena romântica no final. A plateia
gritou “beija, beija, beija” para Bolsonaro e Michelle e deixou todos no
suspense. Na hora do clímax, a câmera tirou o casal do foco e se voltou para a
plateia.
Palestra
Em meio à confirmação de que será substituído
no cargo, o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, dará uma palestra
hoje no Superior Tribunal Militar sobre “monopólio e mercado competitivo”. O
vice-presidente Hamilton Mourão, que defendeu sua permanência no cargo, falará
antes dele, abrindo o evento. “Ele vai poder defender a gestão dele na
empresa”, disse à coluna um aliado de Silva e Luna.
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