Yolanda Díaz, hoje a política mais popular do seu país, diz que a ortodoxia econômica se esgotou e que, apesar da polarização política, a maioria da população quer acordos e calma
Henrique Gomes Batista / O Globo
BRASÍLIA — “Apesar da polarização, a
maioria das pessoas quer acordos, calma e previsibilidade”, disse ao GLOBO
Yolanda Díaz, segunda vice-primeira-ministra e ministra do Trabalho da Espanha,
responsável por articular a reforma trabalhista aprovada em seu país no final
do ano passado, que reverteu em
parte a liberalização do mercado de trabalho implementada em 2012 pelo então
governo conservador. Segundo Díaz, a reforma resultou em um aumento
de 139% nos empregos formais, na comparação entre fevereiro deste ano e o mesmo
mês do ano passado.
Díaz deu a entrevista exclusiva às vésperas
de sua chegada ao Rio, onde fala amanhã em um encontro promovido pela Uerj e o
Grupo de Puebla, formado por lideranças de esquerda, e que terá a presença do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois, irá a São Paulo, onde se
reunirá com empresários. A ministra contou como se alcançou o acordo que pôs a
Espanha na agenda política brasileira, ao ser
mencionado pelas campanhas da oposição ao presidente Jair Bolsonaro.
“Estou convencida de que podemos chegar a acordos entre entidades e pessoas que
pensam diferente”, disse.
Aos 50 anos, Díaz é a política mais popular da Espanha, segundo uma pesquisa deste mês do CIS (Centro de Investigações Sociológicas), e tem sido apontada como possível sucessora do primeiro-ministro Pedro Sánchez. O premier, do Partido Socialista Operário Espanhol (Psoe), de centro-esquerda, governa em coalizão com a frente de esquerda Unidas Podemos, à qual a ministra, integrante do Partido Comunista da Espanha (PCE), pertence. Díaz também atuou na legislação que regulamenta plataformas como o Uber e de entrega de comida, que provocaram um boom do trabalho informal. “Em todos os casos, o futuro do trabalho será o que queiramos que ele seja, porque o trabalho e a democracia estão intimamente unidos”, afirmou.
Quais são os principais resultados das
mudanças trabalhistas na Espanha?
A reforma supõe uma profunda mudança em
nosso sistema de relações trabalhistas. Não só porque revogamos as partes mais
duras da reforma do Partido Popular, como a morte súbita dos acordos coletivos
ou a prevalência salarial dos acordos por empresas, mas também porque combate
diretamente o trabalho temporário e a precariedade associada a ele, que é a
principal anomalia do trabalho na Espanha. Desde a aprovação da regra, os dados
sobre contratos permanentes [semelhantes aos empregos CLT no Brasil] são
espetaculares: em fevereiro, foram gerados 139% mais desses empregos do que em
fevereiro de 2021. O resultado é claro: a reforma está contribuindo para
melhorar a qualidade do trabalho na Espanha.
Como foi a negociação?
Foi longa e complexa, tendo ocorrido,
primeiro, no que gosto de chamar de grande mesa de diálogo social — com sindicatos
e associações patronais mais representativos — e depois com as forças
parlamentares. Foi complexa porque, quando conseguimos a parte mais difícil, o
acordo entre os trabalhadores e os empregadores, a proposta esteve prestes a
cair no Congresso por uma mistura de oposição política legítima, interesses
privados e ignorância técnica. Estou convencida de que é possível chegar a
acordos entre formações e pessoas que pensam de forma diferente. Apesar
da polarização
política que vemos nos parlamentos e na mídia, a maioria das
pessoas quer acordos e um mínimo de calma e previsibilidade. Encontramos
dificuldades, claro, porque empregadores e trabalhadores têm interesses
diferentes e às vezes até conflitantes. Mas quero valorizar a amplitude de
visão e a capacidade de diálogo que eles põem na mesa nas negociações. Sem
isso, o acordo teria sido impossível. Todos nós entendemos que estávamos diante
de um momento decisivo para o futuro do nosso país e por isso em nenhum momento
nenhuma força saiu da mesa.
Que exemplo o caso espanhol dá ao mundo?
Isso deveria ser decidido pelo mundo e não
por mim. Recebemos muito interesse e alguns elogios de forças políticas muito
diferentes em outros países. Particularmente, pelo fim da crise da pandemia e a
reforma trabalhista, mas também por outras regulamentações como a legislação
dos autônomos, dos trabalhadores das plataformas digitais [como o Uber], ou
pela regulamentação do trabalho remoto.
A pandemia acelerou essas transformações?
A pandemia deixou claro que as velhas
receitas de austeridade, desvalorização salarial e demissões foram um fracasso
e não funcionam mais. A pandemia nos ajudou a ver que a ortodoxia havia
expirado e que precisávamos nos fazer novas perguntas para buscar novas
respostas. Assim, conseguimos gerir a crise de forma diferente da de 2008, com
base na manutenção do emprego e na proteção da maioria da sociedade.
Como está a regulamentação dos
trabalhadores em plataformas na Espanha?
Com a chamada Lei Rider, avançamos no
reconhecimento dos trabalhadores de plataforma como assalariados e, portanto,
com suas condições de trabalho. Também introduzimos o direito de os
representantes dos trabalhadores conhecerem os algoritmos usados pelas
empresas. A inteligência artificial não pode ficar de fora do direito
democrático do trabalho.
A Organização Internacional do Trabalho
(OIT) vê aumento da insegurança no trabalho em todo o mundo. Como lidar com
isso?
Primeiro, entendendo o valor capital do
trabalho nas sociedades democráticas. Os trabalhadores que praticam a
democracia no local de trabalho são os que constroem a democracia na sociedade.
Sem sindicatos fortes, é impossível que o mercado de trabalho não se transforme
em uma selva e, portanto, que a lei do mais forte reine na sociedade.
Os países avançados veem pessoas deixando seus
empregos, devido às más condições...
Fenômenos como a chamada “Grande Renúncia”,
que levou 9 milhões de americanos e 1 milhão de britânicos a deixarem seus
empregos, mostram mudanças profundas. Temos a responsabilidade de entender isso
e traduzir em políticas que melhorem o dia a dia das pessoas. Há a exaustão
crônica e sua especial crueldade com os mais jovens, ligada a uma subjetividade
que vincula nossa identidade à necessidade de sermos sempre produtivos e a uma
ideia tóxica de ambição.
Como você vê o futuro do trabalho?
Com a inflação decorrente do aumento dos preços da energia, enfrentamos hoje uma nova crise. Nosso principal objetivo é proteger os empregos, os salários e o tecido produtivo, para sairmos dela de forma justa. Além disso, trabalhamos em uma regulamentação para organizar os usos do tempo, em consonância com a revolução do cuidado que o feminismo trouxe para a mesa. Também temos que avançar para uma economia mais equilibrada e verde, com um Estado capaz de direcioná-la para atividades mais sustentáveis. De qualquer forma, o futuro do trabalho será o que queiramos que seja, porque trabalho e democracia estão intimamente ligados.
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