O Estado de S. Paulo.
Cerca de 40 mil ucranianos ficaram em Portugal pelo futuro que poderiam dar aos filhos
Os lisboetas comemoraram muito a vitória do
Benfica sobre o poderoso Ajax de Amsterdam, que levou o clube português à elite
da Champions League europeia. Entre os que vibraram com a epopeia dos
encarnados está o engenheiro Yevhen Doloshytskyy. Ele tem 28 anos, nasceu na
Ucrânia e está em Lisboa desde os nove. Chegou sem falar uma palavra de
português. “A linguagem que me integrou na escola foi a da bola, que jogava com
a turma”, diz Yevhen.
Ele faz parte da numerosa comunidade ucraniana de Portugal. É o terceiro maior contingente de imigrantes no país, atrás apenas dos brasileiros e caboverdianos, e à frente de nações que mantêm ligações históricas com Portugal, como a Inglaterra.
Os pais de Yevhen, como a maioria dos
ucranianos, vieram no período entre a exposição mundial de 1998 e o campeonato
europeu de 2004, época em que havia pleno emprego em Portugal. “Estavam
construindo vários estádios e um novo bairro em Lisboa, o Parque das Nações.
Havia, assim, muitas oportunidades”, diz Yevhen.
Muitos desses ucranianos deixaram Portugal
na crise do euro, entre 2010 e 2012. Outros – cerca de 40 mil – ficaram pelo
futuro que poderiam dar aos filhos, mesmo em empregos que não condiziam com sua
formação. É o caso dos pais de Yevhen. Diplomados em engenharia, trabalharam em
posições subalternas no setor de serviços. O sacrifício valeu a pena. Yevhen se
formou na profissão dos pais e hoje trabalha na Galp, a petrolífera portuguesa.
Ele é o entrevistado do minipodcast da semana.
A solidariedade lusitana emociona a
comunidade eslava. Portugueses e ucranianos deram-se as mãos numa corrente,
durante uma manifestação em Lisboa. As cores azul e amarela se espalharam pela
cidade, e enfeitam tascas, lojas e mercados. Chegaram a ser projetadas na
fachada da embaixada russa, em protesto que virou meme. Voluntários portugueses
foram de carro até a fronteira com a Polônia para dar carona a refugiados. Um
casal de jovens parentes de Yevhen veio nessa leva, com os dois filhos
pequenos.
“Minha geração sonha em ter as mesmas
oportunidades que eu tive por usar um passaporte europeu”, diz Yevhen, que tem
cidadania portuguesa. “Os jovens ucranianos veem os poloneses conseguindo
bolsas de estudo, desde que a Polônia entrou na União Europeia, e se perguntam:
por que não nós?”
O casal de parentes de Yevhen trocou tais
aspirações por preocupações mais imediatas. Acompanham o noticiário diariamente
para saber se a casa que acabaram de construir em Kiev ainda está de pé, e se
os amigos continuam vivos. A guerra de Putin estilhaça os sonhos e transforma a
vida real em escombros.
*Escritor, professor da Faap e doutorando
em Ciência Política na Universidade de Lisboa
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