Revista Veja
As soluções mágicas que só aumentam o problema
Bolsonaro afirmou que a vinculação do preço
do combustível à cotação internacional é algo que “não pode continuar
acontecendo”. Lula, que botou a culpa na privatização da BR Distribuidora (como
se o motorista do caminhão que faz o frete determinasse o preço da mercadoria),
declarou que “o preço vai ser brasileiro, porque os investimentos são feitos em
real”. Já Ciro Gomes disse que “eu chegando ao governo (…) essa política vai
mudar: a Petrobras vai cobrar quanto custa para produzir”. Simples, não?
Todo problema complexo, dizia o jornalista H.L. Mencken, tem uma solução simples e errada. Bolsonaro, Lula e Ciro se esqueceram de combinar com os russos (e americanos, europeus, chineses). Se o preço for baixo aqui, ninguém venderá para o Brasil e, como não somos autossuficientes, vai haver desabastecimento. Nossos políticos dizem defender a Petrobras e o Brasil, mas obrigar a empresa a vender barato (em vez de vender caro no exterior) trará prejuízos à companhia e aos acionistas — costumeiramente apresentados como figuras satânicas que auferem lucros abusivos e indevidos, mas são na maioria empresas e cidadãos brasileiros, sendo o principal o próprio Brasil.
Dilma represou o preço do combustível e
todo mundo viu no que deu: impôs à Petrobras um rombo de 100 bilhões de reais
que praticamente quebrou a companhia e se traduziu em mais dívida, descontrole
fiscal, inflação etc. A política de paridade com o preço internacional foi
criada justamente para blindar a empresa contra governantes intervencionistas e
irresponsáveis como Dilma e outros.
O efeito será similar se o governo
determinar o congelamento do preço e escrever um cheque para compensar a perda
da Petrobras, ou se abrir mão de imposto, conforme acaba de ser aprovado no
Congresso. São outras soluções simples e erradas.
Qualquer providência que reduza o preço do
combustível de maneira uniforme implica transferência de renda de pobre para
rico: quem anda de trem vai subsidiar quem anda de carro. Se o subsídio se
restringir ao diesel, o pobre vai receber subsídio no transporte de comida, mas
vai pagar o subsídio do transporte do carro do rico. Só faz sentido falar em
subsídio, ainda mais para combustível fóssil, se for para gás de cozinha do
pobre, auxílio emergencial, transporte de alimentos, medicamentos, coisas
assim.
Esses argumentos, lamentavelmente, não
surtem efeito no Brasil, país que acredita em soluções mágicas e enxerga
combustível fóssil como fator estratégico. Mas estratégico é educação, não
petróleo: deveríamos privatizar a Petrobras, o que criaria muito mais valor
para a sociedade e levantaria recursos para fazer o que é realmente importante
(sem falar que a desconcentração reduziria o problema que estamos vivendo
hoje). Enquanto o mundo civilizado investe em energia limpa, se organiza para
abandonar um combustível ambientalmente insustentável e se prepara para entrar
de vez no século XXI, o Brasil segue discutindo pautas dos anos 1950, dando
subsídio (uniforme!) para combustível fóssil e destruindo o meio ambiente.
Pelo jeito, só vamos entender o que está
acontecendo quando não houver mais comprador para petróleo. Não falta muito
tempo.
Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781
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