O Globo
Expectativa do século XXI: cidades
suspensas, carros voadores, todo mundo de roupa metalizada. Viagens no tempo,
memórias implantadas por chip, teletransporte. Odisseias no espaço, robôs
fazendo o serviço doméstico, androides adquirindo consciência da morte. A
realidade: isto que a gente vê quando olha pela janela, lê o jornal, liga a TV
ou acessa a internet.
Estamos há duas décadas no século XXI e,
pelo jeito, pegamos, sem querer, um retorno.
Já tivemos não só uma pandemia como a de 1918-1919, mas também uma revolta da vacina, como em 1904. Derrotada por Itamar e FH em 1994, a inflação ganhou direito a revanche sob Bolsonaro, em 2022. Golpe de Estado, um comportamento tão século passado? Sim, seu rosnado foi ouvido em 2021. Considerada extinta desde a Constituição de 1988, a censura pôde ser vista, lépida e fagueira, nesta semana, em Brasília.
A quem se perguntava o que seria da
civilização cristã depois da revolução sexual dos anos 1960, olhaí a pudicícia
comendo solta — mamilos femininos proibidos nas redes sociais (e nas praias!),
beijo gay causando comoção na Bienal do Livro. Deixamos de avançar e, nesta
toada, logo retrocederemos a tempos pré-Masters & Johnson, pré-Wilhelm
Reich, pré-Luz Del Fuego.
O comunismo morreu em 1989 (ainda pode ser
encontrado como zumbi em Cuba, como um vampiro na Coreia do Norte e como um
frankenstein na China), mas o medo dele renasceu das cinzas. Não será surpresa
se houver uma nova onda de avistamento de discos voadores, a volta dos filmes
de Godzilla e aparições de Nossa Senhora — sintomas clássicos de reação ao
bicho-papão gestado por Marx e Engels, cevado por Mao e Stálin e powered by Fidel Castro &
Cia.
O “É proibido proibir” de maio de 1968 deu
lugar à patrulha do pensamento, também conhecida como “politicamente correto” —
uma espécie de macarthismo mental que caça racismo e machismo na linguagem
cotidiana e procura fascistas embaixo da cama (o macarthismo reverso do século
XXI não deve muito ao original dos anos 1950).
Estaremos involuindo, então? Não, estamos é
precisando deixar de lado aquele conceito positivista de que a humanidade
avança numa marcha contínua, em progresso constante. Pegando carona nos
ensinamentos de Carlinhos Lyra, o mundo evolui ora como o samba, de um lado pro
outro; ora como o jazz, pra frente e pra trás.
Voltamos até a ter déspotas marcando
território e bombardeando alvos civis na Europa — coisa que não se via desde a
Guerra da Iugoslávia e que se pensava não tornar a ver jamais. Como em 1962, de
novo tememos uma guerra nuclear.
O mais perto que chegamos do século XXI,
por enquanto, foi a Alexa e a criptoarte, vendida em NFT — algo que nem Huxley,
Asimov ou Júlio Verne conseguiriam prever (eram autores dotados de muita
imaginação, mas também de bom senso).
Somos, no século XXI, menos modernos que em
meados do século passado. O que dá razão a Zé Rodrix: “Não tenha medo/Quando sua filha é tão maluca
quanto a sua mãe./Quem sabe seus netinhos não vão ser/Tão caretas quanto você.”
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