O Globo
As mais recentes declarações de Putin
sugerem que ele enfrenta problemas internos com seus aliados no governo e na
economia. O ditador russo ameaçou a “quinta-coluna” — expressão antiga que
designa a ação política de grupos locais em favor de outros países. No caso,
russos que estariam passando o que ele, Putin, chamou de falsas informações
sobre perdas de seu exército na Ucrânia.
A população russa só recebe informações da imprensa estatal. Jornalistas estrangeiros foram expulsos. Logo apenas pessoas privilegiadas e com boa posição dentro do sistema de governo podem ter acesso a outras informações — essas produzidas pela imprensa ocidental mostrando os fracassos das tropas terrestres russas e a forte resistência dos ucranianos. É claro que os comandantes russos e o próprio Putin têm essas informações — outro sinal de que há vazamentos internos.
A conclusão não é difícil: ao atacar a
quinta-coluna, os traidores locais, Putin está nos indicando que membros de seu
governo sabem e comentam sobre a real situação da guerra. Estariam presos?
Mortos?
Claro, não se sabe, mas, pela reação do
ditador, surgiu alguma oposição ou resistência a seu comando.
Além disso, Putin fez um ataque direto aos oligarcas, aqueles, afirmou, que não podem
viver sem suas casas em Miami ou Biarritz, sem ostras, sem foie gras — e por aí foi. Ora,
todos os oligarcas russos alcançaram esse gosto pela vida de ostentação graças
à amizade e aos favores de Putin. Se o ditador os ataca tão diretamente, eis aí
outro sinal: há oligarcas, os primeiros atingidos pelas sanções econômicas do
Ocidente, que estão pedindo o fim da invasão.
Detalhe: entre os que têm casa em Biarritz,
está uma das filhas de Putin, Katerina Tikhonova, que a herdou de seu ex-marido
Kirill Shamalov, filho de um banqueiro. A casa foi adquirida de Gennady
Timchenko, oligarca do setor de petróleo, um dos mais próximos de Putin.
A mansão, aliás, foi invadida por um
ativista francês, que pretende usá-la como refúgio para exilados ucranianos.
A população russa não sabe disso. E Putin
não está preocupado com as mentiras. Mas parece, sim, preocupado com rachaduras
no seu sistema ditatorial.
No Ocidente, essa situação causa, ao mesmo
tempo, alento e preocupação. Alento, porque sugere que Putin pode ser derrubado
pela sua própria turma, o que já aconteceu com outras ditaduras. E preocupação,
porque um líder autoritário acuado pode desencadear mais violência — tanto
interna quanto externa. Ele tem armas químicas e nucleares.
Como o Ocidente pode reagir? Entregar a
Ucrânia de mão beijada, por medo do que Putin possa fazer, seria simplesmente
consagrar a ditadura. A Otan entrar na guerra diretamente, com aviões, pode ser
o pretexto que Putin espera para fazer alguma loucura mais raivosa.
Resta o que se está fazendo: armar as
forças do presidente Zelensky, fornecer mantimentos e recursos financeiros.
Nesse último aspecto, é notável a ação de algumas empresas, como a do sistema
Airbnb. Pessoas de países ocidentais entram no site e alugam casas de
ucranianos, enviando o pagamento imediatamente. Dinheiro na mão de famílias
cujas residências estão sendo atacadas.
Estamos vendo exemplos práticos de algo que
se discute há muito tempo por aqui: a responsabilidade moral das empresas.
Perdem dinheiro para defender os valores da democracia, das liberdades
individuais, do respeito à lei internacional.
Pode parecer romântico, mas é disso que se
trata: Zelensky torna-se um herói mundial, aplaudido em parlamentos de diversos
países, pelo seu patriotismo e pela defesa de valores.
Foi o grande erro de Putin. Acreditar no
que ele mesmo dizia quando ainda podia participar de reuniões internacionais,
como as do G20: que a democracia ocidental estava morta, que o “progressismo”
era uma bobagem e que a União Europeia era um saco de gatos.
Agora, estão todas as democracias unidas
contra a ditadura. Resta uma dor imensa: é o povo da Ucrânia que está
carregando o fardo mais pesado.
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