O Estado de S. Paulo.
As legendas fundadas após 1985 são volúveis e os dirigentes, em expressiva maioria, insaciáveis na busca de dinheiro e poder
Acredito que todos já ouviram falar do
camaleão. Trata-se de pequeno lagarto da família dos répteis, encontrado na
Europa, na Ásia, na África, no México, no Brasil. Está presente nos diversos
países dos cinco continentes.
A característica desta espécie do reino
animal consiste na capacidade de mudar de cor para se adaptar a diferentes
ambientes. Altera do amarelo ao verde, ao vermelho, segundo a necessidade ou
conveniência. Com língua longa, pegajosa e flexível, é capaz de capturar
vítimas a considerável distância.
Outro animal dotado de recursos de camuflagem é o polvo, sobre o qual escreveu o Padre Antônio Vieira: “O polvo, com o seu capelo, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, (...) o dito polvo é o maior traidor do mar” (Sermão de Santo António, 1654, Sermões, vol. VII, Ed. Lello & Irmão, Porto, 1959, página 275).
No plano político, o Brasil pode ser
considerado a República de camaleões. A leviandade que caracteriza o regime
pluripartidário, financiado pelo Fundo Partidário e enriquecido graças ao
dinheiro destinado ao financiamento de campanha, afastou homens e mulheres de
bem, temerosos do contágio, para abrir espaço a camaleões e polvos exploradores
da política como vulgar balcão de negócios.
A decadência a que estamos condenados traz
à memória a imagem de Portugal, tal como a desenharam Eça de Queiroz e Ramalho
Ortigão em Uma Campanha Alegre: “O País perdeu a inteligência e a consciência
moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres, corrompidos. A prática da
vida tem por única direção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido
nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe
nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos
homens públicos” (Obras Completas, Lello & Irmão, Porto, vol. III, página
959).
Arquétipo da política brasileira pós-1988 é
Gilberto Kassab. Lançado na vida pública por Paulo Maluf e Guilherme Afif
Domingos, elegeu-se vereador em São Paulo pelo Partido Libertador (PL), em
1992. Abandonou o PL em 1995, para se filiar ao Partido da Frente Liberal (PFL),
fundado em 1985 e sucedido pelo Democratas (DEM). Por esse partido, Kassab foi
secretário de Planejamento da Prefeitura na gestão do prefeito Celso Pitta.
Em 2004, aliou-se ao PSDB para colaborar
com José Serra na disputa da Prefeitura, como vice-prefeito. Em março de 2011,
arregimentou dissidentes do DEM, do PSDB e do PPS e fundou o Partido Social
Democrático (PSD), “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”, como
declarou na ocasião.
Na Wikipédia – Enciclopédia Livre, aberta à
consulta dos interessados, pode-se ler síntese não desmentida da biografia de
Gilberto Kassab. Sugiro que a consultem. Entre cargos de grande relevância, foi
ministro das Cidades de Dilma Rousseff. Renunciou em 18 de abril de 2016, pouco
antes da decretação do impeachment, “visto que ele já tinha acertado com Michel
Temer uma posição no futuro governo”, do qual se tornou ministro da Ciência e
Tecnologia.
Gilberto Kassab sofreu denúncias por
improbidade administrativa. Em 2010, viu-se acusado, com a vice-prefeita Alda
Marco Antônio, de financiamento ilegal de campanha e, em 2014, da contratação
irregular de empresa terceirizada para efetuar inspeção veicular. Em todos os
casos, foi absolvido por insuficiência de provas. O seu último cargo de
confiança foi o de secretário da Casa Civil do Estado de São Paulo. Afastou-se,
voluntariamente, para se defender de acusações de corrupção, nepotismo e
tráfico de influência.
Ser camaleão parece-me repulsivo, mas não é
crime. Há quem o considere justificável, diante das características singulares
da política brasileira. Trata-se, contudo, de reprovável costume estimulado
pela inexistência dos requisitos de integridade de caráter e reputação iliba
dano Código Eleitoral e na Lei Orgânica dos Partidos Políticos. O presidente
Jair Bolsonaro, habituado a frequentes mudanças de legendas, também é honorável
membro da família dos chamaeleonidiae, cuja expansão se deve à indiferença do
lumpen-eleitorado.
A prática, não usual antes de 1964, se
revelou frequente com o pluripartidarismo e a redemocratização. Criados no
governo Castelo Branco, Arena e MDB não tiverem o tempo necessário para
acumularem tradições. Recordo-me das defecções na bancada estadual do MDB, em
1979, provocadas pelo governador Paulo Maluf, da Arena. As legendas fundadas
após 1985 são volúveis e os dirigentes, em expressiva maioria, insaciáveis na
busca, a qualquer custo, de dinheiro e poder. Inquéritos policiais e denúncias
formuladas pelo Ministério Público são frequentes. De hábito, todavia,
prevalece a impunidade.
Gilberto Kassab almeja ser o fiel da
balança na Câmara dos Deputados e no Senado. Para alcançar os objetivos, quando
necessário, será polvo ou será camaleão.
*Advogado, autor de ‘A falsa República’, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
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