Revista Veja
A CPI do MEC não sai porque a bola está com
a velha guarda da velhíssima política
Um dos cacoetes mais frequentes na
avaliação sobre a competência de políticos é o de levar em conta resultados
obtidos ignorando os métodos adotados. Quando a pessoa alcança êxitos
repetidos, confere-se a ela condecoração máxima no quesito “habilidade política”
e por isso passa a ser celebrada.
Aceita-se, assim, que os fins justificam os
meios, costume condenado na teoria, mas muito festejado na prática. Tal
celebração da esperteza em prejuízo do critério da boa conduta entre nós é um
hábito, cujo prazo de validade expira quando algum escândalo dá um tombo no
esperto.
Os exemplos estão aí. Tanto dos que tiveram
a carreira encerrada quanto daqueles cuja reabilitação confirma o dito: alguns
fundos de poço na política têm molas. E há também os que, depois de uma vida
dedicada a expedientes escusos de menor porte, obtêm sucesso no repúdio a
grandes malandragens, mas se juntam aos seus autores quando a necessidade bate
à porta.
É o caso do presidente Jair Bolsonaro. Vai se dando muito bem
em sua aliança de resultados com o Centrão, grupo a que sempre pertenceu na
condição de soldado raso. Note-se, vai se dando bem segundo aqueles critérios
citados acima, da esperteza chamada de habilidade. Nada a ver com probidade,
transparência, legalidade e demais pré-requisitos exigidos pela Constituição ao
bom exercício da administração pública.
Por aquela óptica torta, há uma avaliação corrente no mundo político, até entre gente defensora da ética no palanque, de que Bolsonaro está “fazendo tudo certo”. Seu novo/velho partido, o PL, tornou-se a maior bancada da Câmara e suas outras legendas-satélite também ganharam força, somando cerca de 200 deputados. Contingente agora organizado e bem alimentado a poder do Orçamento da União, sob as batutas de Ciro Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil, e Arthur Lira, presidente da Câmara.
Cenário muito diferente daquele onde se fez
a CPI da Covid, em abril de 2021. As 27 assinaturas necessárias à instalação da
comissão foram obtidas com facilidade e ninguém as retirou. O presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco, tentou dar uma de mineiro joão sem braço, mas foi
chamado às falas pelo Supremo Tribunal Federal.
Deu-se a CPI, com muita ajuda do governo e sua tropa de trapalhões capitaneada pelos inacreditáveis Eduardo Pazuello, na Saúde, e Onyx Lorenzoni, no Palácio. Descobriram-se armações escabrosas que, por obra do aparelhamento e esvaziamento das instâncias de fiscalização, até o momento chegaram a lugar nenhum. Sorte do mandatário os trabalhos terem se encerrado um ano antes das eleições.
Já neste crucial 2022 a história é outra.
Tão diversa que é possível cravar o seguinte: a CPI do Senado para investigar
denúncias graves no Ministério da Educação não se instala e, caso se instale,
não funcionará. Por vários motivos, sendo o principal o fato de a bola estar
nos pés e nas mãos da velha guarda da velhíssima política. Num instante, esse
pessoal retirou quatro assinaturas do requerimento.
Enquanto isso, movimentava-se a bancada
evangélica preocupada com o efeito do envolvimento de pastores acusados de
pedir propina para intermediar liberação de verbas. Ao mesmo tempo,
orquestrava-se a grita no Congresso contra o “uso eleitoral” da CPI. Nesse
aspecto, não ajuda o autor do requerimento, senador Randolfe Rodrigues, ser um
dos coordenadores da campanha de Luiz Inácio da Silva.
Detalhe até irrelevante não fosse a atuação
da força-tarefa desta vez montada sob o parâmetro da “habilidade política”
lastreada no vale-tudo. Vale até — e talvez principalmente — mentir de modo
descarado quando se alude, por exemplo, à ausência de um “fato determinado”.
Não seja por isso. Na falta de um, há vários:
intermediação indevida, pedido de propina, ônibus superfaturados, “venda” de
escolas inexistentes, contratos de fornecimento de material em favor de
empresas comadres, favorecimento de aliados na distribuição de verbas e o que
mais haveria para descobrir sob os escombros do aparelhamento do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação.
Enquanto a CPI da Covid revelou ilicitudes, os escândalos precedem a CPI do MEC, que, ao que tudo indica, não ocorrerá por razão semelhante à da absolvição de Dilma Rousseff-Michel Temer na Justiça Eleitoral por “excesso de provas”. Aqui há excesso de fatos sobre os quais o governo trabalha, com “habilidade política”, para esconder as provas.
Publicado em VEJA de 20 de abril de 2022, edição nº 2785
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