EDITORIAIS
Sigilo de dados no governo Bolsonaro atinge
nível absurdo
O Globo
O exemplo mais recente aconteceu nesta
semana. O GLOBO solicitou, por meio da Lei de Acesso à Informação, a relação
das entradas e saídas no Palácio do Planalto dos dois pastores lobistas
investigados pela Polícia Federal por suspeita de corrupção no Ministério da
Educação. Em resposta, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado
pelo ministro Augusto Heleno, disse que não atenderia à solicitação, sob o
pretexto descabido de que poderia pôr em risco a vida do presidente da
República e de seus familiares. Questionado numa rede social se tinha algo a
esconder, Bolsonaro respondeu: “Em 100 anos [você] saberá”. Só depois da reação
contrária, o GSI forneceu os dados das visitas ao GLOBO. Infelizmente, é pouco.
Essa foi apenas a última ocorrência de um comportamento contumaz no governo Bolsonaro. No último ano do governo Temer, 2018, o GSI pôs 11 documentos sob sigilo. Pois logo no ano seguinte, o primeiro de Bolsonaro na Presidência e de Heleno à frente do GSI, 255 foram classificados como secretos ou reservados, média de um a cada dia útil. Em 2020, a média foi de 13 por mês (os dados de 2021 ainda estão incompletos).
O recurso ao sigilo não tem sido usado apenas
em casos de suspeita de irregularidades. É subterfúgio frequente para favorecer
o presidente em temas caros a sua agenda política, como a gestão da pandemia ou
as articulações de seus filhos. Aparentemente na falta de algo mais estratégico
para fazer, o GSI concedeu, no ano passado, sigilo de cem anos até à carteira
de vacinação e aos testes de Covid-19 de Bolsonaro.
Diversos outros órgãos do governo federal
têm usado do mesmo expediente. O Exército negou acesso do GLOBO ao processo
administrativo que absolveu o general Eduardo Pazuello, então ministro da
Saúde, pela participação em ato político ao lado de Bolsonaro no Rio em maio do
ano passado. Pazuello acompanhou Bolsonaro sem antes pedir o aval do
Alto-Comando, como estabelece o regulamento interno da Força. Com a desculpa de
que o documento continha informações pessoais, o Exército impôs sigilo de cem
anos. O mesmo prazo foi concedido pela Secretaria-Geral da Presidência a
informações sobre os crachás dos filhos de Bolsonaro que dão acesso ao Palácio
do Planalto.
A Advocacia-Geral da União (AGU) chegou a
recriar um absurdo “sigilo eterno” para negar acesso a documentos das Forças
Armadas da época do impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. E o
Planalto faz o que pode para manter em segredo seus gastos com cartão
corporativo.
A Constituição garante acesso a informações
e estabelece a publicidade como norma-padrão. Desde 2011, a Lei de Acesso à
Informação permite maior transparência e fiscalização por meio de regras que
valem para todo órgão público e cidadão. No mínimo, as tentativas de burlar a
legislação traduzem o espírito antidemocrático deste governo. O caso dos
pastores do MEC levanta a suspeita de que haja também outros motivos para tanto
segredo.
É preciso interromper a tragédia humanitária
na terra ianomâmi
O Globo
São contundentes as conclusões do relatório
da Hutukara Associação Yanomami sobre os efeitos nocivos do garimpo ilegal na
maior reserva do país, que reúne cerca de 30 mil indígenas numa área de 9
milhões de hectares entre Amazonas e Roraima. Como mostrou O GLOBO, em apenas
um ano (de 2020 a 2021), a devastação cresceu 46%, maior taxa desde a
demarcação das terras ianomâmis em 1992. A destruição, evidenciada pelas
crateras no meio da floresta e pelos rios contaminados com mercúrio, pode ser a
ponta mais visível, mas não é a única tragédia. Com o desmatamento, forasteiros
levam doenças, violência, drogas e terror.
Segundo o relatório, as aldeias enfrentam
uma explosão de casos de malária — em algumas regiões, o aumento foi de mais de
1.000% em dois anos. Comida é outro problema crônico. Estudos mostram que 60%
das crianças estão desnutridas. No fim do ano passado, imagens de crianças
ianomâmis com as costelas à mostra chocaram o mundo. A situação é agravada pela
estrutura precária de saúde e pelas grandes distâncias que separam as aldeias
dos postos de atendimento médico.
Estima-se que existam 20 mil garimpeiros
ilegais nas terras ianomâmis, sob vista grossa dos órgãos ambientais. Nesse
cenário sem lei, os indígenas se tornam presas fáceis de esquemas criminosos.
Há relatos de aliciamento de menores, abuso sexual de mulheres e crianças e
oferecimento de drogas e bebidas alcoólicas aos indígenas. De acordo com a
Hutukara, ao menos três crianças já foram mortas depois de ser abusadas por
garimpeiros ilegais.
Não surpreende que a violência impere nesse
ambiente de anomia. Na segunda-feira, um conflito entre indígenas numa área de
garimpo dentro da terra ianomâmi deixou dois mortos (um indígena e um
garimpeiro) e cinco feridos. Segundo relatos, índios tireis, apoiados por
garimpeiros, invadiram a aldeia pixanehabi, contrária à exploração mineral na
reserva.
Seria incorreto dizer que o Ibama e a
Polícia Federal não agem. Na terça-feira, foi deflagrada a Operação Escudo de
Palha, para combater o desmatamento ilegal numa comunidade indígena de Mato
Grosso. Mas essas ações esporádicas são insuficientes. Além disso, são notórios
o desmonte da fiscalização ambiental e a falta de empenho do governo para
enfrentar madeireiros, grileiros e garimpeiros ilegais. Infelizmente, a sinalização
que emana do Palácio do Planalto é outra.
Durante uma pajelança no Ministério da Justiça no mês passado, o presidente Jair Bolsonaro foi condecorado com a Medalha do Mérito Indigenista, concedida pela Funai “pelos serviços relevantes relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas”. Bolsonaro foi um dos 26 agraciados, entre os quais estavam dez integrantes do primeiro escalão do governo. Para fazer jus à homenagem, presidente e ministros poderiam se esforçar para interromper a tragédia humanitária que se abate sobre os ianomâmis e envergonha o país.
Nas sombras
Folha de S. Paulo
Sob pressão, governo divulga a contragosto
idas de pastores do MEC ao Planalto
Constrangido pela revelação do escandaloso
balcão de negócios instalado por seus aliados no Ministério da Educação, o
presidente Jair Bolsonaro (PL) reagiu com a tentativa de apagar rastros.
A primeira atitude do Gabinete de Segurança
Institucional foi recusar-se
a fornecer informações sobre encontros mantidos pelo mandatário no
Palácio do Planalto com os pastores investigados sob suspeita de traficar
verbas da pasta.
Ao jornal O Globo, que apresentara
requerimento amparado pela Lei de Acesso à Informação, o órgão responsável pela
segurança do presidente alegou que a divulgação dos dados poderia colocar
Bolsonaro e seus familiares em risco.
A desculpa esfarrapada durou pouco. Nesta
quinta-feira (14), o GSI recuou da negativa e divulgou que o pastor Arilton
Moura esteve
35 vezes no Planalto desde o início do governo, em 10 delas
acompanhado do pastor Gilmar Santos.
O último registro é de 16 de fevereiro,
antes de vir à tona o escândalo no MEC. Em março, a Folha revelou gravação em
que o então ministro Milton Ribeiro afirmava dar prioridade à liberação de
verbas negociadas pelos religiosos —e isso por recomendação de Bolsonaro.
No mínimo embaraçosas para o presidente, as
informações foram prestadas a contragosto, após a má repercussão da recusa
inicial. Pelos exemplos recentes, não se deve esperar colaboração no
esclarecimento dos fatos.
A administração já se aproveitou antes do
dispositivo que permite manter em segredo por cem anos, em caráter excepcional,
dados referentes à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem de pessoas.
Alegações similares foram usadas para
impedir o acesso a informações sobre reuniões no Palácio da Alvorada, vacinas
tomadas por Bolsonaro e o processo disciplinar relativo à participação do
general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, num ato político.
Não tem sido diferente o comportamento dos
líderes do Congresso diante das cobranças por transparência na execução das
emendas orçamentárias controladas pelos aliados de Bolsonaro no centrão.
No fim do ano passado, a ministra Rosa
Weber, do Supremo Tribunal Federal, determinou a divulgação dos nomes dos
parlamentares responsáveis pela liberação dos recursos e outros
esclarecimentos, mas tudo que o Legislativo faz desde então é procrastinar.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), chegou a dizer que só conseguiria cumprir a ordem após consulta às
prefeituras beneficiadas —como se não houvesse outro registro dos acordos
feitos.
A desfaçatez mostra que o bloco no poder
está disposto até a desafiar o STF para evitar a exposição dos acertos
negociados com Bolsonaro na escuridão. Caberá ao tribunal fazer valer sua
autoridade para que se acenda a luz da sala.
PM mais segura
Folha de S. Paulo
Uso de câmeras nos uniformes pode reduzir
mortes de civis e também de policiais
Em 2021, as mortes causadas por policiais
militares paulistas em confrontos relatados caíram expressivos 36% na
comparação com o ano anterior. Em números absolutos, os 423 óbitos registrados
representam a menor letalidade desde 2013.
Decerto serão vários os fatores por trás do
fenômeno. Uma novidade, entretanto, merece avaliação mais apurada: o
uso das câmeras grava-tudo, que passaram a ser utilizadas nos uniformes de
agentes.
Nos primeiros sete meses de uso dos
aparelhos, os 18 batalhões que os empregam apresentaram uma impressionante
redução de 85% na letalidade policial. A queda foi ainda mais acentuada na
Rota, de 89%.
A maior transparência trazida pelas
câmeras, além de inibir o mau comportamento de agentes da lei, também os
beneficia. Em primeiro lugar, por proteger policiais de serem acusados
injustamente após agirem em legítima defesa.
Dados da PM de São Paulo mostram que os
equipamentos não só colaboram para a proteção física da tropa como também
aumentam a produtividade das ações.
Em uma comparação trienal, considerado o
período de junho a outubro, a quantidade de flagrantes e apreensões de armas
cresceu 41,4% e 12,9%, respectivamente, nas unidades que utilizam a tecnologia.
Já as ocorrências de resistência a
abordagens policiais caíram 32,7% nesses batalhões, ante 19,2% nos demais, e o
número de confrontos regrediu espantosos 87%. Não surpreende, pois, que nenhum
policial militar tenha, em 2021, morrido em serviço nessas 18 unidades.
Por tudo isso, causa perplexidade que um
pré-candidato ao governo paulista defenda acabar com o uso das câmeras nos
uniformes, como faz o bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em sua
argumentação, as câmeras limitam a ação dos policiais, podendo representar uma
ameaça a eles —alegações que, como se vê, não encontram amparo na realidade.
Com a promessa corporativista, Freitas tem
o propósito de cooptar as forças de segurança, prometendo, na prática,
impunidade para eventuais desmandos —algo que só beneficia os maus policiais.
Na contramão do que propõe o ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL), os êxitos alcançados até agora recomendam que o uso de câmeras se torne, mais do que uma medida de governo, uma política de Estado.
Ciro Nogueira, o intocável
O Estado de S. Paulo
Envolvido nas suspeitas de corrupção no MEC, ele já deveria ter sido exonerado. Se continua na Casa Civil, é sinal de que sua conduta tem a aprovação de Bolsonaro
É absolutamente constrangedor que, depois
de tudo o que veio à tona, Ciro Nogueira continue no governo. Deveria ter sido
imediatamente demitido. Não cabe permanecer numa função pública de tamanha
relevância – a chefia da Casa Civil – alguém envolto em suspeitas tão graves de
mau uso de recursos públicos na pasta da Educação. A permanência do ministro do
Progressistas expõe, de maneira contundente, a verdadeira natureza do governo
Bolsonaro.
Não foi por livre e espontânea vontade,
mas, quando as circunstâncias políticas o exigiram, Jair Bolsonaro exonerou,
sem pestanejar, ministros da chamada ala ideológica do governo. Foi o que
ocorreu com Abraham Weintraub (Educação), Ernesto Araújo (Relações Exteriores),
Ricardo Salles (Meio Ambiente) e, mais recentemente, Milton Ribeiro (Educação).
Todos esses nomes, que faziam parte do núcleo íntimo do bolsonarismo, caíram.
No entanto, Ciro Nogueira mantém-se intocável.
O presidente Bolsonaro não pode nem sequer
alegar que não são graves as suspeitas envolvendo seu ministro da Casa Civil.
Afinal, foram suspeitas semelhantes que derrubaram o último ministro da
Educação.
Evidencia-se, assim, uma relação especial
entre Jair Bolsonaro e Ciro Nogueira, relação esta que não se abala nem mesmo
após a revelação de todas as nebulosas transações no Ministério da Educação.
Vale lembrar que a Casa Civil é a essência de um governo, sendo sua chefia o
cargo de confiança por excelência. A permanência de Ciro Nogueira na pasta
indica que Jair Bolsonaro continua nutrindo inteira confiança no líder do
Progressistas. De forma prática – com obras, e não meras palavras –, o
presidente Bolsonaro põe a mão no fogo por Ciro Nogueira, vinculando-o ao seu
governo.
A atitude de Jair Bolsonaro, como se as
recentes revelações sobre Ciro Nogueira não afetassem sua confiança no líder do
Progressistas, transmite uma mensagem inequívoca à população: a de que nada disso
é novo para Bolsonaro. Caso contrário, se o mau uso de dinheiro público
envolvendo o Ministério da Educação fosse uma surpresa, o presidente teria todo
o direito de se sentir traído por Ciro Nogueira. Não é assim que Jair Bolsonaro
tem reagido. A ter em conta os atos do presidente, parece que tudo vinha
funcionando tal como o Palácio do Planalto esperava, não havendo nenhum motivo
para mudança na Casa Civil.
A incrível estabilidade de Ciro Nogueira no
governo – nada parece abalá-la – faz recordar as circunstâncias nas quais ele
assumiu a Casa Civil. Jair Bolsonaro não apenas entregou o posto mais sensível
da administração federal ao líder do Centrão – nem Dilma Rousseff, em seus
momentos de maior fragilidade, atuou assim –, como aumentou seus poderes. Com
todo o rigor, pode-se dizer que Ciro Nogueira é o superministro do governo
Bolsonaro.
Em janeiro deste ano, Jair Bolsonaro editou
um decreto determinando que atos relacionados à gestão do Orçamento público
precisariam ter aval da Casa Civil. Com isso, qualquer decisão sobre custeio,
investimento, transferência, orientação ou reorientação de recursos ficou
“condicionada à manifestação prévia favorável” de Ciro Nogueira. A concessão de
tal poder à Casa Civil representou uma mudança no sistema vigente há quase três
décadas, em que a equipe econômica era a responsável por dar a última palavra
em relação ao Orçamento. Na ocasião do decreto, o Ministério da Economia
reconheceu que a tal delegação à Casa Civil era inédita.
Bolsonaro entregou as chaves do Orçamento a
Ciro Nogueira e, a despeito de todas as revelações das últimas semanas sobre o
líder do Centrão, parece determinado a manter as coisas exatamente do jeito que
estão. Ou seja, Ciro Nogueira deve estar fazendo o que e como o seu chefe
gostaria que fizesse.
Ao manter Ciro Nogueira na Casa Civil,
Bolsonaro debocha da moralidade pública e da população. Na alma do governo,
encontra-se alguém cuja atuação política está diretamente relacionada à
corrupção na pasta da Educação. Não apenas há corrupção no governo, como
Bolsonaro vê tudo com bons olhos, sem necessidade de mexer em nada.
Quem paga a greve no setor público
O Estado de S. Paulo
A reação de diversas categorias ao aumento que Bolsonaro havia prometido apenas a policiais já começa a prejudicar áreas importantes, de importações a serviços
Quando decidiu, no fim do ano passado, dar
aumento apenas para três categorias do funcionalismo público ligadas à
segurança, onde imagina ter maior prestígio, o presidente Jair Bolsonaro talvez
esperasse algumas críticas, pois aquilo parecia – e era – uma jogada de nítido
interesse político-eleitoral. Mas a decisão merecia críticas mais sérias, pois
as consequências da irresponsabilidade poderiam ser muito amplas, como estão
sendo.
Pressionado de todos os lados pelos
servidores federais, o governo anunciou que concederá aumento geral de 5% a
partir de julho. A medida desagradou a todos, pois a correção é inferior à
inflação, e não desmobilizará as principais categorias do serviço público. Sua
aplicação depende de aprovação pelo Congresso e, se aprovado, o aumento
implicará gastos adicionais de pelo menos R$ 5 bilhões, para os quais, já disse
o ministro da Economia, Paulo Guedes, não haveria recursos. Agora há?
Era previsível que várias categorias de
servidores não se conformariam com aumento limitado apenas a policiais
federais, policiais rodoviários e agentes penitenciários. Paralisações
parciais, operações-padrão e outras formas de protesto dessas categorias já
afetam a vida do cidadão comum, impondo-lhe custos.
O preço do pãozinho, já empurrado para cima
com a alta do trigo no mercado mundial por causa da guerra na Ucrânia, pode subir
mais porque a liberação do cereal importado nos portos está lenta em razão da
operação-padrão dos auditores da Receita Federal. Segmentos industriais que
utilizam insumos importados, e são muitos nessa situação, também começam a se
queixar da falta desses itens, o que reduz e até pode interromper sua produção.
A prestação de serviços públicos pode ser prejudicada, afetando a vida de
muitos cidadãos.
Numa economia que já enfrenta dificuldades
para retomar o crescimento, o surgimento de novas dificuldades torna ainda mais
incerta a recuperação. A projeção de crescimento inferior a 1% neste ano
sintetiza os problemas da economia brasileira. A inflação, de 11,30% nos 12
meses até março, já está muito alta e exigirá a manutenção de uma política
monetária restritiva. A combinação de baixo crescimento com alta expressiva de
preços poderá durar mais do que se previa e se desejava.
Reportagem do Estadão (13/4) mostrou que
o prazo médio para desembaraço de cargas importadas por aeroportos e portos
brasileiros aumentou de 5 para 20 dias por causa da operação-padrão dos
auditores da Receita. Empresas de diferentes setores industriais, de cosméticos
e produtos de higiene e limpeza ao químico e ao de alimentos, pedem que o
governo resolva a situação. Como reação ao aumento anunciado para policiais, os
auditores da Receita querem mais benefícios e aumentos de vencimentos.
Com a greve decidida pelos funcionários do
Banco Central, serviços como a divulgação de boletins sobre o setor externo, o
sistema de crédito, as contas públicas, a atividade econômica e sobre a
avaliação do quadro econômico pelas principais instituições financeiras não
estão sendo feitos. No mercado financeiro, já se fala em “apagão de dados”.
Funcionários da Controladoria-Geral da União também iniciaram uma
operação-padrão. Já os servidores da Previdência Social têm se manifestado de
diferentes formas, desde paralisações parciais a manifestações de rua.
Todos esses servidores estão reagindo, cada
categoria a seu modo, à decisão inicial do governo Bolsonaro de dar aumento a
apenas determinadas carreiras do funcionalismo federal. As reações mais fortes
e mais rápidas surgiram nas categorias mais organizadas do serviço público
federal e que são, igualmente, as que, em média, recebem os melhores salários.
Auditores da Receita ganham entre R$ 20 mil
e R$ 30 mil por mês. O vencimento de um analista do Banco Central varia de R$
19 mil a R$ 27 mil. Um perito médico do INSS ganha, por jornada semanal de 40
horas, de R$ 14 mil a R$ 20 mil. O governo que estimulou suas reivindicações
está sendo obrigado a atender parte delas. O contribuinte que pague a conta.
Marcha lenta no primeiro bimestre
O Estado de S. Paulo
Consumidores continuaram contidos e atividade industrial permaneceu em crise nos primeiros dois meses
Depois de um Natal modesto, as famílias
aproveitaram as promoções do começo de ano e as
vendas no varejo cresceram por dois meses consecutivos, 2,1% em janeiro e 1,1%
em fevereiro. Apesar disso, o volume vendido no bimestre foi 0,1%
menor que o de um ano antes. Em 12 meses, a expansão ficou em 1,7%. Com o
consumidor empobrecido, as vendas físicas ficaram pouco acima da fase
pré-pandemia, superando por apenas 1,2% o resultado de fevereiro de 2020. No
caso do varejo ampliado – com acréscimo do comércio de veículos, seus
componentes e material de construção –, as vendas no bimestre foram apenas 1,4%
maiores que as de janeiro-fevereiro do ano passado.
Mesmo com dificuldades, o varejo foi o
setor com melhor desempenho nos dois primeiros meses de 2022, na economia
urbana. O
setor de serviços, fortemente afetado na onda inicial da pandemia, atingiu em
fevereiro um patamar 5,4% superior ao de fevereiro de 2020, mas com novos
sinais de fraqueza. Desde agosto têm predominado as taxas mensais
negativas. O resultado de janeiro foi 1,8% inferior ao de dezembro. Nova queda,
de 0,2%, ocorreu em fevereiro. Ainda assim, o balanço do bimestre foi 8,4%
maior que o de um ano antes, quando os danos da crise sanitária ainda eram
muito visíveis.
A recuperação dos serviços é especialmente
importante porque o setor é um grande gerador de empregos. Não são, no entanto,
empregos tão amplamente formalizados quanto os da indústria. Empregos formais
frequentemente oferecem, além de garantias definidas em lei, serviços médicos
proporcionados pela empresa e participação em planos de saúde, além de
treinamento e outros benefícios. Além de desemprego, o baixo dinamismo da
economia tem produzido, desde a recessão de 2015-2016, más condições de
trabalho, com muita informalidade e remuneração deprimida.
Pouco se poderá, no entanto, esperar da
indústria, como geradora de empregos decentes, enquanto o setor permanecer
estagnado ou mesmo em decadência, como tem estado nos últimos dez anos. A
produção industrial diminuiu 2,2% em janeiro e cresceu apenas 0,7% em fevereiro.
No bimestre, seu desempenho foi 5,8% inferior ao de igual período de 2021. Em
fevereiro, houve avanços em todas as grandes categorias setoriais – bens de
capital, bens intermediários, bens de consumo duráveis e bens de consumo
semiduráveis e não duráveis. Em 12 meses houve expansão de 2,8%, mas o volume
produzido ainda foi 2,6% menor que o de fevereiro de 2020 e 18,9% inferior ao
recorde alcançado em maio de 2011.
O recuo desde aquele pico foi quase
contínuo. Houve oscilações, mas a tendência de enfraquecimento do setor foi
claramente dominante. Nada se fez nos últimos três anos e quase quatro meses
para interromper esse retrocesso. Uma política de recuperação, de modernização
e de fortalecimento do setor industrial dependerá do resultado da eleição
presidencial deste ano, se houver possibilidade, é claro, de revalorização das
metas, dos planos e dos programas. Tanto melhor se houver também superação de
bandeiras populistas.
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