Revista Veja
O centro teve tempo, mas não teve vontade
real de investir na luta pela Presidência
Falta menos de um mês para o anúncio, em 18
de maio, do nome que concorrerá à Presidência da República como representante
dos partidos de centro para tentar furar o bloqueio do antagonismo entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio da Silva. Até agora nada
se viu que indique o sucesso da empreitada.
Se a tentativa de fato fracassar, terá sido
por morte matada. E não por ação dos adversários líderes nas pesquisas, mas por
inação dos próprios arquitetos, que hoje já parecem mais demolidores
incidentais que construtores com empenho real de pôr em pé a obra.
Lula e Bolsonaro mal tomaram conhecimento
das movimentações da chamada terceira via, a não ser para de vez em quando
desdenhar. Portanto, se o malogro vier, não terá sido por responsabilidade
deles. Não fizeram um gesto que possa ser visto como destruidor, até por falta
de algo a ser demolido, pois nada de consistente foi construído.
Não por falta de tempo nem de condições
objetivas. O tema terceira via está na pauta da política há pelo menos uns dois
anos, se não mais. As conversações em torno dele chegaram a indicar uma
possibilidade de êxito, por dois motivos principais.
Primeiro, diferentemente de 2018, quando Lula estava fora do jogo e ninguém fazia fé na vitória de Bolsonaro, o centro começou a se mexer, conversar e se articular para competir. Em segundo lugar, a certa altura, as rejeições do presidente e do petista em tese criavam uma avenida alternativa de bom tamanho. O atrativo do caminho fez surgir uma grande quantidade de pretendentes. De Luciano Huck a Henrique Mandetta, passando por Cabo Daciolo, João Amoêdo, Rodrigo Pacheco e mais uma série na qual o mais vistoso era o onipresente e onisciente João Doria. Foram caindo por desistência um a um até que Sergio Moro, depois de ir e vir, acabou indo. Ou tentando ir. Ciro Gomes foi desde o começo e parece disposto a ficar até o fim.
Como surgiram, vários nomes sumiram. Do nada,
sem maiores justificativas, a não ser razões pessoais/profissionais e alegações
vagas sobre desempenho fraco nas pesquisas. É de se perguntar: desempenho
baseado no quê? Nesse tempo todo falou-se, e continua se falando, em buscar
“quem”, mas não se investiu em dizer à sociedade o que mesmo esse pessoal
pensava em fazer com o Brasil.
Impedir a reeleição de Bolsonaro e
interditar a volta de Lula ao poder pareceu pouco ao país, que, pelo visto até
agora, preferiu se acomodar no já conhecido, no menos repelido de acordo com o
gosto do freguês e, assim, deixar que a disputa pela Presidência do Brasil se
resuma a uma briga de torcidas.
Chegamos a menos de trinta dias de saber
quem, afinal, vai para o embate, sem unidade interna nos partidos integrantes
do grupo e com o seguinte cardápio: Doria, Eduardo Leite, Simone Tebet, Luciano
Bivar e uma tentativa de levar Ciro à mesa sob o argumento de que, sozinho, ele
não chegará a lugar algum. Resta saber aonde iria ou irá, caso adira a uma
parceria na qual não é bem-visto pela forma nem pelo conteúdo.
Candidaturas a chefes de governo não são
fruto de geração espontânea. Ainda quando parecem improvisadas, voluntariosas e
instintivas, resultam de trabalho árduo. Requerem ações meticulosas,
persistência, desprendimento, investimento pesado, faro fino para o movimento
dos ventos, união de forças, gigantesca vontade de vencer e, sobretudo, marca.
A existência de uma ou mais ideias-força é essencial para abrir caminho rumo à
emoção e à razão do eleitorado.
Alguém viu por aí algum desses atributos na
execução da engenharia alternativa? Muitíssimo ao contrário: se vê descuido,
inconstância, mesquinhez, falta de discernimento, incapacidade de captar e
capitalizar as demandas do público, desunião, hesitação, fragilidade nas ações,
descrença no propósito e, sobretudo, ausência de marca. Uma possibilidade de
ideia-força, da frente ampla, foi encampada por Lula e duas das promessas de
candidaturas com aderência popular, de Doria (pela vacinação e bom governo em
São Paulo) e de Moro (pelo combate à corrupção), afundaram-se nos equívocos da
soberba e da inabilidade política de seus autores.
A rondar a hipótese do infortúnio, toma
conta do ambiente a suspeita de que o centro não tenha sido incompetente, e sim
propositalmente adepto do corpo mole de resultados a ser negociados com quem
seja eleito ou reeleito.
Publicado em VEJA de 27 de abril de
2022, edição nº 2786
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