O Estado de S. Paulo
O momento exige que os democratas entrem
claramente na disputa política. Unidos, se possível for, ou ao menos
pacificados entre si.
O processo eleitoral de 2022 ainda não foi
formalmente aberto, mas não se fala em outra coisa nas ruas e na opinião
pública. Conversa-se, claro, sobre custo de vida, inflação, desemprego e perda
do poder de compra dos salários, mas tudo isso fica suspenso no ar, à espera
das urnas do final do ano. Ou, pelo menos, do surgimento de uma candidatura
democrática que nos tire do marasmo.
Há uma disputa encarniçada entre os
candidatos a presidente, tanto entre os já definidos (Lula, Bolsonaro) quanto
entre os que estão em fase de postulação. É o caso, antes de tudo, dos
articuladores do chamado centro democrático, que ora ensaiam um passo adiante,
ora giram em círculos. Temos um mês pela frente antes que saibamos se haverá,
mesmo, um nome unitário desse campo e quem será ele, ou ela. É um tempo
apertado, pois as demais campanhas estão a todo vapor, ainda que por debaixo
dos panos.
Tudo está a indicar que esta será uma eleição entre pessoas, não entre ideias. Faltam sinalizações claras do que pretendem fazer os candidatos se acaso chegarem à vitória. Não há programas nem propostas estruturantes. Pode-se dar um desconto e reconhecer que ainda há longos meses pela frente, suficientes para que planos venham à luz, saiam dos bastidores em que trabalham colaboradores técnicos e políticos, sejam traduzidos em linguagem popular e mobilizem os cidadãos. Não há como ficar à espera disso passivamente.
O que se tem até agora é uma batalha em
torno da democracia, o que significa em torno da derrota de Bolsonaro.
Mesmo aí, porém, o céu não está
desanuviado. Há rusgas que permanecem entre o PT (e Lula) e o centro
democrático, em parte derivadas do ressentimento petista com o impeachment de
Dilma e pelo desejo de protagonismo típico do partido. Uma ponte poderia passar
por Ciro Gomes, mas ele também não está isento de pecados. Nos últimos dias,
Ciro voltou a falar que deseja conversar com o centro democrático, o que é um
sinal alvissareiro. Será o caso de ver em que medida isso será feito e qual
será o resultado.
Há quem pense que a tese da polarização não
é boa. Alega-se que a disputa entre Lula e Bolsonaro não é polarizada, porque a
verdadeira polarização ocorre tendo em vista a democracia. Não é bem assim:
somente haverá despolarização entre a esquerda petista e o bolsonarismo se
houver uma inflexão da esquerda para o centro. Ocorre que nem Lula nem
Bolsonaro querem um candidato centrista competitivo. A polarização é um modo de
fazer o jogo seguir sem alternativas, ou seja, polarizado.
Se a perspectiva for uma inflexão da
esquerda para o centro, ela terá de ir muito além da incorporação de Geraldo
Alckmin, que até hoje não mostrou a que veio e tem permanecido em posição
constrangedoramente subalterna na campanha de Lula. Não houve abertura ou
ampliação com a adesão do ex-tucano. A inflexão de que se necessita teria de
passar por programas e ideias-força, por uma visão do Brasil do futuro próximo
e pelo abandono do desejo de protagonismo e hegemonismo deste ou daquele
partido.
Parece difícil que essa inflexão ocorra, o
que turbina a polarização.
O problema é o seguinte: uma política
polarizada tende a transbordar para a vida social, polarizando os cidadãos,
problematizando a formação de consensos e a governabilidade do País. Ganhe Lula
ou ganhe Bolsonaro, será difícil de governar. As oposições se formarão assim
que se fecharem as urnas, e serão oposições aguerridas, impiedosas, movidas a
vingança. Se, além do mais, a composição do futuro Congresso não for favorável
ao presidente eleito, o risco de paralisia decisória será enorme.
O que fará o próximo ocupante do Planalto?
Não podemos permanecer sem definições programáticas, articulações sustentáveis
e nomes que tragam sangue novo para a política brasileira. Precisamos de
lideranças renovadas, capacitadas para pensar as complexas pautas da nova
sociedade em gestação. Bolsonaro pouco se preocupa com a governação do País.
Lula segue outro roteiro, é generoso e aberto ao diálogo. Mas não está, até
agora, mostrando disposição para pacificar o País e despolarizar nossa
política.
As eleições de 2022 decidirão o que
acontecerá com o Brasil nos próximos anos. Nada será fácil ou está definido. A
extrema-direita tem a caneta nas mãos e Bolsonaro segue mostrando que está
disposto a permanecer no ataque, agredindo as instituições e a Constituição,
como faz agora com o “perdão” concedido ao deputado Silveira, um gesto que
deforma o princípio da liberdade de expressão e espalha tensão por todos os
lados.
O fato é que o País deslizou para baixo. Os
estragos produzidos nos últimos três anos deixam um legado terrível para o
futuro. Quem assumir o governo em 2023 precisará de muita energia cívica, muita
coesão democrática e muita habilidade. Coisas que precisariam começar a ser
plantadas agora.
O momento exige que os democratas entrem
claramente na disputa política. Unidos, se possível for, ou ao menos
pacificados entre si. Somente assim será possível superar a descrença e o
ceticismo que começam a despontar na sociedade.
*Professor titular de teoria
política da Unesp
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