Folha de S. Paulo
O que torna democracias superiores a
ditaduras é que, nelas, direitos humanos têm valor intrínseco
Os últimos anos foram de recessão democrática no Ocidente. Vários países, inclusive os EUA, tiveram de lidar com lideranças populistas, que enfraqueceram quando não solaparam as instituições. Paralelamente, nações autocráticas pareciam fazer progressos em várias áreas. O caso mais notável é o da China, que tirou centenas de milhões da pobreza, vai se saindo muito melhor do que democracias no controle da pandemia e avança até no gerenciamento da crise climática. Muitos se perguntavam se era assim tão ruim viver num regime autoritário.
A Guerra da Ucrânia e os surtos de ômicron na China jogam um pouco de
água no moinho da democracia. Se a Rússia fosse uma democracia, reza o
argumento, não teria invadido o país vizinho. Concordo. Penso que, se Vladimir Putin não vivesse numa bolha informacional,
onde só ouve aquilo que quer ouvir, não teria entrado nessa furada. A guerra
está se provando muito mais difícil do que o Kremlin antecipava, e as
consequências econômicas, mais avassaladoras. Se Putin tivesse de prestar
contas à população, estaria sob risco de destituição.
O caso da epidemia na China me parece menos
convincente. É difícil entender por que Pequim ainda insiste na política de
Covid zero. Ao que tudo indica, o vírus veio para ficar e será impossível
manter-se livre do patógeno sem incorrer em custos exorbitantes. Mas, mesmo que
se considere que as autoridades chinesas estejam agora errando com a ômicron,
elas ainda poderiam errar muito mais sem nem chegar perto do péssimo desempenho
de nações ocidentais na gestão da doença.
Meu ponto, porém, é que não me parece que a
democracia deva ser defendida em termos apenas instrumentais. Há situações em
que as ditaduras serão mesmo mais eficientes. O que torna as democracias
superiores, penso, é que, nelas, direitos humanos têm valor intrínseco. Elas
também se saem melhor na autocorreção, o que as torna mais sustentáveis.
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