O Globo / O Estado de S. Paulo
O Projeto de Lei 2.630, que ganhou o
apelido de Lei das Fake News, está para ser votado no Congresso. Ele tem um
parágrafo num dos artigos, um único parágrafo, que é um problema grande e que
periga atrapalhar muito mais que ajudar. É o parágrafo 7 do inciso 7: “A
imunidade parlamentar material estende-se às plataformas mantidas pelos
provedores de aplicação de redes sociais”. Por trás da linguagem empolada
natural às leis, em essência, o texto diz que a imunidade parlamentar se
estende às plataformas digitais.
E o problema é o seguinte: vereadores,
deputados estaduais, federais e senadores estão entre alguns dos principais
divulgadores de notícias falsas.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto na Câmara, é um dos parlamentares que melhor conhecem legislação para a internet. Ele já havia relatado a Lei Geral de Proteção de Dados, que, como o Marco Civil, serve de exemplo para inúmeros países. A quem lhe pergunta, ele afirma que o parágrafo não tem nada demais. Apenas reafirma o que já está na própria Constituição — que parlamentares têm imunidade.
Só que não é exatamente assim. Qualquer
juiz de primeira instância, ao avaliar se um post desinformativo publicado por
um vereador de várzea deve ser tirado ou não do ar, logo verá esse parágrafo.
Se fosse mera redundância, não haveria motivo para estar lá. Na maioria das
vezes, a conclusão será que, se parlamentar publicou, não pode mexer. As
próprias redes, na hora de agir na moderação como já fazem, passarão também a correr
risco jurídico maior ao derrubar o que um deputado escreve ou diz. Mesmo que
esteja contra as regras da plataforma.
O parágrafo existe por razões políticas.
Ele é condição para que a ala bolsonarista da Câmara vote a favor da lei contra
desinformação digital. Esse tipo de coisa é natural do jogo do Congresso
Nacional. Constrói-se o texto de qualquer legislação negociando com os diversos
conjuntos parlamentares até chegar a um resultado que satisfaça a gente
suficiente para conseguir aprovar.
O que faz tanto do Marco Civil da Internet
quanto da Lei Geral de Proteção de Dados boas leis, padrão internacional, é que
seus textos foram construídos a partir da experiência de outras leis,
principalmente nos EUA, na União Europeia ou no Reino Unido. Só que não existe
uma lei contra desinformação dando sopa. Os europeus têm um texto, um
anteprojeto, que circula pelos diversos países da UE. Dentre os países em que a
desinformação é um problema grave, o Brasil será o primeiro a legislar.
Orlando Silva argumenta que esperar não é
uma escolha. Temos eleição presidencial neste ano. O impacto da desinformação
no último pleito, em 2018, foi grande. As redes todas ganharam experiência de
lá para cá. Mas a indústria da desinformação também se sofisticou. Se há um
consenso entre todos os especialistas, é que, neste ano, a eleição será muito
feia. Será suja. E será violenta, pelo menos no ambiente digital.
A sujeira tem alvo: é o processo por meio
do qual registramos e contamos votos. É a urna eletrônica. E é a competência técnica
do Tribunal Superior Eleitoral. Dentro do bolsonarismo, todas as fichas estão
depositadas na disseminação de que haverá fraude para tirar do presidente sua
vitória. Uma vitória que, as pesquisas sugerem, é muito difícil de ocorrer. Os
bolsonaristas questionarão as eleições como os trumpistas fizeram, nos EUA, em
2020.
Como está o texto da lei, os parlamentares governistas terão salvo-conduto para mentir à vontade sobre as eleições livres brasileiras.
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