sexta-feira, 1 de abril de 2022

Bernardo Mello Franco: A palavra de Moro

O Globo

Sergio Moro não é exatamente um homem de palavra. No auge da Lava-Jato, ele repetiu seguidas vezes que jamais entraria na política. “Não há nenhuma possibilidade”, sentenciou, antes da eleição de 2018. Assim que as urnas se fecharam, o doutor rasgou a promessa. Abandonou a toga e virou ministro de Jair Bolsonaro.

Após se desentender com o capitão, o ex-juiz passou a articular sua própria candidatura. Filiou-se a um partido nanico e saiu em busca de eleitores. A campanha nunca decolou, mas ele insistiu no discurso de que iria “até o fim”. “Zero chance de desistência”, assegurou, há apenas três semanas.

Com o anúncio de ontem, Moro saiu oficialmente da corrida ao Planalto. Deve trocar o sonho presidencial por uma modesta cadeira de deputado. Aliados atribuem a decisão à necessidade de garantir foro privilegiado — na terça-feira, ele descreveu a prerrogativa como uma “blindagem pra bandidos”.

O ex-juiz é o sexto passageiro a saltar do bonde da dita “terceira via”. A lista foi inaugurada pelo apresentador Luciano Huck, pelo banqueiro João Amoêdo e pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. No início deste mês, os senadores Rodrigo Pacheco e Alessandro Vieira também abandonaram o páreo.

As deserções escancaram o real dilema da centro-direita: até aqui, faltam votos para viabilizar uma alternativa a Bolsonaro no campo conservador. Apesar da boa vontade do establishment, todas as tentativas de fabricar um candidato em laboratório têm fracassado. Agora as esperanças se voltam para Eduardo Leite e Simone Tebet, ambos com 1% no Datafolha.

Moro apareceu com 8% no levantamento da semana passada, mas não conseguiu empolgar nem a pequena bancada do Podemos. Ele selou a mudança para o União Brasil, onde terá que conciliar a retórica moralista com as companhias de Anthony Garotinho e da filha de Eduardo Cunha.

Ontem outro ex-bolsonarista esteve próximo de sair de cena. João Doria ameaçou retirar a candidatura em protesto contra as rasteiras no PSDB. Numa manobra à la Jânio Quadros, desistiu da desistência, mas continuou isolado na sigla. Doria venceu as prévias, mas arrisca ter o tapete puxado por Leite. A pendenga confirma que o maior inimigo de um presidenciável tucano é sempre outro presidenciável tucano.

 

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