sexta-feira, 1 de abril de 2022

César Felício: “Neste momento”

Valor Econômico

Moro, Doria e Leite travam terceira via até julho

De uma maneira atabalhoada, com um pouco de teatro do absurdo, o desenho e o destino dos candidatos da terceira via tornou-se mais nítido nesta quinta-feira. Está mais claro agora que os adversários de Bolsonaro e Lula no campo da centro-direita irão perder dois meses, talvez três, em negociações, propostas, contrapropostas, chantagens e bravatas até chegarmos ao momento das convenções.

Se em julho sair um candidato único do arco formado por PSDB, União Brasil, MDB, Cidadania e Podemos, gera-se um fato novo que pode dar à terceira via alguma chance de competir, com perspectivas muito modestas de êxito, mas talvez consistentes a ponto de influir no debate do segundo turno, dependendo de quem for o ungido. Sem isso, a eleição está resolvida. Para que fique claro: a chance maior é que a união não seja conseguida.

Sergio Moro retirou-se de campo. Em nota, ao confirmar a troca do Podemos pelo União Brasil, disse que abre mão, “neste momento”, da pré-candidatura presidencial.

No União Brasil, aliás bastante desunido entre os egressos do antigo DEM e os do PSL, o secretário-geral da sigla, ACM Neto, organizou uma nota assinada por toda velha guarda de sua legenda de origem, em que dizem que “neste momento” não há hipótese de concordarem com a pré-candidatura do ex-ministro da Justiça. Se “neste momento” a pré-candidatura está cancelada, significa que em outro momento, diferente do atual, quem sabe não seja ressuscitada.

O espólio de Moro é pequeno, mas relevante entre pretendentes na terceira via da centro-direita. Tem ali de 6% a 10%. Segundo o cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe, haverá dispersão deste patrimônio. Grande parte migra para Bolsonaro, que tende a ficar acima de 30% nas próximas pesquisas, outra parte marcará opção por brancos e nulos, pequena parte deve vitaminar Ciro Gomes (PDT). Migração para João Doria (PSDB), Eduardo Leite (PSDB) ou Simone Tebet (MDB) “neste momento” não haverá.

Doria reagiu de forma brutal à ofensiva de Eduardo Leite para que a convenção do PSDB repense o resultado das prévias de novembro, ocasião em que o paulista o derrotou. Sinalizou que iria desistir da candidatura e da desincompatibilização, provocando pânico e revolta no PSDB local e em seus aliados.

Desistiu da desistência quando recebeu por escrito uma garantia do presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, de que a legenda está assegurada para que ele concorra à Presidência.

Este movimento todo só na aparência deixou as coisas no mesmo lugar onde estavam até quarta-feira no começo da tarde. O gesto de Doria o fragiliza no mundo político, ao passar uma imagem de instabilidade e imprevisibilidade. Neste meio há casos de acordos tácitos feito com gestos, com o olhar, não sendo necessários papel passado e firma reconhecida. É um universo de palavras empenhadas, fio do bigode, cumprimento de acordos e, claro, punhaladas pelas costas.

Não é esse o sistema em que Doria opera. Para ele, o governador que o sucede, Rodrigo Garcia, é um “CEO”. Gosta de cronometrar os encontros, vive uma cultura empresarial.

Tanto Doria não se fortaleceu que Eduardo Leite não tirou o pé do acelerador. Segundo aliados seus, ouvidos pelo repórter Marcelo Ribeiro, pretende estabelecer um “QG” em São Paulo, para aguardar a sua hora. Ou seja, a carta timbrada e assinada pelo presidente do partido garantindo a candidatura a Doria não está sendo comprada pelo valor de face. Leite parece jogar com o tempo para desbancar o rival tucano e ficar com a candidatura. Moro parece adotar a mesma estratégia também. O paulista só dormirá sossegado depois de sagrado em convenção. Até lá, tende a ser arrastado pelo debate sobre sua viabilidade.

Bem contra o mal

Uma autoridade local no Rio Grande do Norte ficou perplexa com o que viu na quarta-feira, durante a solenidade de entrega de uma estação da CBTU em Parnamirim, com a presença do presidente Jair Bolsonaro. Ela relata que foi organizada uma fila exclusiva para credenciamento de pastores.

Pesquisas indicam que Bolsonaro só tem o apoio de um a cada seis potiguares. Lula fica com quatro. O tom místico da fala do presidente no evento e os cânticos de louvor entoados durante a cerimônia indicam que não é com a máquina de prefeitos que o ministro do Desenvolvimento Regional Rogério Marinho arregimentou para sua candidatura ao Senado que o presidente pretende minorar esta situação.

Um eleitor que faz uma escolha de voto por receber na sua região uma obra, ou um benefício em dinheiro, ou mesmo um emprego, bem ou mal faz uma escolha racional. Isto não é suficiente para o presidente. Ele precisa que a escolha seja emocional, baseada na pauta de costumes. Daí o discurso da luta entre o bem e o mal.

Bola com o Congresso

O Tribunal Superior Eleitoral deve emitir em breve uma sinalização ao Congresso Nacional de que não irá interferir caso deputados e senadores decidam fechar uma brecha que deixaram aberta para que a Justiça decida quanto cada candidato pode gastar nas eleições deste ano.

O caso já foi tema desta coluna há duas semanas. Trata-se do seguinte: o Legislativo no ano passado elevou de R$ 1,7 bilhão para R$ 4,9 bilhões o valor do fundo eleitoral, ou seja, a verba pública que será entregue aos partidos para financiar as candidaturas. Mas continuou nas mãos do TSE a incumbência de fixar, por meio de resolução, o teto do valor que cada candidato terá para gastar. É possível, portanto, que o TSE destine para as candidaturas apenas a correção da inflação nos últimos quatro anos, e não um valor proporcional à elevação do fundo eleitoral.

Deputados e senadores querem votar uma proposta legislativa para o próprio Congresso fixar os gastos de campanha. E vão consultar o TSE para saber se a aprovação de uma proposta desta natureza fere ou não o princípio da anualidade. Se o TSE estabelecer que a anualidade estará ferida, há risco de se abrir uma crise com o Legislativo. Por isso, a tendência, segundo fontes do tribunal, é responder que não estará quebrada a anualidade. Desarma-se a crise e caberá ao Congresso arcar como ônus de impopularidade que a iniciativa despertará.

 

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