sexta-feira, 1 de abril de 2022

Rogério Furquim Werneck: Surto populista

O Globo / O Estado de S. Paulo

Lula continua fascinado por políticas neoperonistas e se permite festejar ações desastrosas dos governos petistas

A fala de Lula, na inserção que vem sendo veiculada no rádio e na televisão como propaganda partidária do PT, é uma preciosidade. São 30 segundos de discurso populista em estado puro.

“Meus amigos e minhas amigas. Alguém aí na sua casa ganha em dólar? Seu salário sobe quando o dólar sobe? Então por que a Petrobras está reajustando o preço do combustível em dólar? O Brasil é autossuficiente em petróleo. E o custo do nosso petróleo é em real. Nos governos do PT, a gasolina, o gás e o diesel eram em real. Lutar para abrasileirar os preços dos combustíveis é um compromisso do PT. Se a gente quiser, a gente pode”.

A fala denota desconhecimento da lógica de formação de preços em uma economia aberta. O preço interno de um barril de petróleo deve sinalizar seu custo de oportunidade: o que custa para a economia tornar um barril a mais disponível. Como petróleo e seus derivados são bens transacionados internacionalmente, o custo de tornar um barril a mais disponível é dado por seu preço externo. Se o barril tiver que ser importado, por razões óbvias. Se for produzido internamente, porque poderia ou ser exportado ou permitir importar um barril a menos, caso não fosse consumido.

A ideia de que preços internos devem estar vinculados aos externos é aceita já há algum tempo no país, sem maiores problemas, para ampla gama de commodities transacionadas internacionalmente, como trigo, soja, milho, celulose e alumínio. Mas, no caso do petróleo, essa mesma lógica ainda enfrenta resistência. Já houve quem argumentasse que o petróleo era importante demais para ser tratado como “simples commodity”. Ao contrário. Exatamente por se tratar de produto tão importante é que é fundamental assegurar que seu preço não seja distorcido.

Com a exploração do pré-sal, o Brasil vem se tornando um exportador proeminente de petróleo. Ao propor “abrasileirar” preços de petróleo e seus derivados, Lula teria muito a aprender com os descaminhos do nosso grande vizinho platino. Ao longo de mais de 75 anos, a “argentinização” de preços das principais commodities exportadas pela Argentina foi uma obsessão de sucessivos governos peronistas: desatrelar preços internos de carne e trigo de seus preços externos, para “proteger” o eleitorado do encarecimento desses produtos nos mercados internacionais.

Sendo tão bem sabido como tais medidas entravaram o desenvolvimento da Argentina por décadas, é inacreditável que Lula continue aferrado a bandeiras populistas tão arcaicas e comprovadamente desastrosas.

De fato, “nos governos do PT, a gasolina, o gás e o diesel eram em real”. Por cerca de três anos, entre 2005 e 2008, Lula manteve preços internos de gasolina e diesel inalterados, não obstante ter a cotação internacional do barril de petróleo passado da faixa de US$ 65 à de US$ 120. E, quando, afinal, os preços foram alterados, o reajuste foi anunciado com um típico arreglo neoperonista.

Foram reajustados os preços recebidos pela Petrobras e, para “poupar os consumidores”, o governo abriu mão de parcela substancial da receita que vinha obtendo com a cobrança da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre combustíveis. E os consumidores, alegremente subsidiados, continuaram a tomar decisões sobre consumo de derivados exatamente como tomavam quando o barril custava US$ 65.

No governo Dilma, o represamento populista de preços de derivados de petróleo, com colossal “queima de caixa” da ordem de US$ 40 bilhões na Petrobras, viria a assumir proporções alarmantes. É espantoso que políticas tão ruinosas estejam, agora, sendo festejadas e exaltadas pelos bumbos lulistas.

O pior é a convergência populista. Nessa questão, como em outras, Bolsonaro e Lula parecem estar em perfeito acordo. Afora diferenças de palavreado, a retórica revoltada de ambos contra o alinhamento de preços de combustíveis a cotações internacionais tem sido rigorosamente a mesma. E tudo indica que, para tentar sustar tal alinhamento, Bolsonaro continuará brandindo ameaças de cortar cabeças na Petrobras.

 

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