Valor Econômico
Rede de proteção à democracia rejeita
marola na Ucrânia
Luiz Inácio Lula da Silva arrancou uma capa
deferente da revista “Time”. Ponto para o ex-presidente. Ao contrário de seu
adversário na disputa presidencial, é reconhecido como um democrata no resto do
mundo. Se já ganhou esta batalha, ainda não venceu a eleição. Por isso, Lula
poderia ter feito melhor uso da entrevista. E por quê?
Há cerca de um mês, o senador Jaques Wagner
(PT-BA), que estava nos Estados Unidos para participar de um seminário na
Universidade de Harvard, foi chamado a Washington para uma conversa com Juan
González, assistente especial do presidente Joe Biden e diretor para o
Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional.
Lá foram explicitadas as preocupações do
governo americano com os rumos da gestão Jair Bolsonaro, a consciência de que a
corda foi demasiadamente esticada com a Venezuela e a expectativa de boas
relações entre os dois países num eventual governo Luiz Inácio Lula da Silva. O
senador, compreensivelmente, não confirma o encontro, relatado por duas outras
fontes.
Dias depois, o presidente Joe Biden tomou a iniciativa de defender recompensas financeiras para que o Brasil mantenha suas florestas em pé e enviou dois subsecretários de Estado, Jose Fernandez e Victoria Nuland ao país.
Nunca dois subsecretários tinham vindo
juntos ao país. O primeiro valorizou a participação do Brasil nas cadeias de
suprimento da economia global e a segunda cuidou de reafirmar a crença
americana no processo eleitoral brasileiro desacreditado dia sim e no outro
também pelo presidente Jair Bolsonaro. Foi a segunda alta burocrata americana a
verbalizar esta posição. O primeiro foi González.
Na mesma época, o tuíte de Lula em apoio à
reeleição do presidente francês foi a mensagem mais compartilhada do perfil de
campanha de Emmanuel Macron na última semana do segundo turno.
Macron manteve a mesma deferência
demonstrada no fim do ano passado quando o pré-candidato petista teve honras de
chefe de Estado no Palácio do Eliseu. Nesta viagem a Europa, Lula também foi
recebido pelo recém-eleito primeiro-ministro alemão, Olaf Sholz, e pelo
primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, lideranças com as quais o
presidente Jair Bolsonaro nunca conseguiu encontrar ao longo de seu mandato.
O sucesso desta viagem, simbolizado pelos
aplausos em pé dos integrantes do Parlamento Europeu, foi tamanho que o
pré-candidato petista até desistiu de programar outras viagens ao Hemisfério
Norte. Na linha do “se melhorar, estraga”.
A eclosão da guerra da Ucrânia deu ainda
mais centralidade ao papel do Brasil. A viagem de Bolsonaro a Moscou acabou, paradoxalmente,
favorecendo Lula. Se o sinal já estava amarelo na direção do Brasil, o apoio do
presidente brasileiro a Vladimir Putin acabou por acender luzes vermelhas em
direção ao futuro do Brasil sob mãos bolsonaristas.
A boa vontade dos Estados Unidos com o
Brasil é, por óbvio, parte da estratégia para isolar a Rússia. A ressurreição
do acordo entre o Mercosul e a União Europeia também é um efeito da necessidade
de se fortalecer a segurança energética e alimentar em decorrência dos tremores
da geopolítica.
Em função disso, não apenas a agenda
internacional de Lula em direção à Ásia não prosperou, como conselheiros
graduados de sua política externa, como Celso Amorim, têm se mantido discretos
sobre temas que lhe são caros, como o Brics, bloco do qual o ex-chanceler
petista é padrinho.
Ninguém lá fora confia em Bolsonaro,
constata um amigo de Lula. Por isso, o momento é de administrar a maré
favorável à oposição no Brasil. Não é por cinismo, mas por óbvio. A mais
recente briga entre o Palácio do Planalto e o Itamaraty se deu por um voto
contrário do Brasil à Arábia Saudita no conflito do Iêmen, contrariando
interesses particulares de um dos filhos atiradores do presidente.
Se Lula não precisa incluir em seu programa
de governo, em seu discurso e em seus encontros qualquer compromisso formal com
outras potências, tampouco parece necessário colocar em pé de igualdade a
responsabilidade de Vladimir Putin e Volodymyir Zelensky pelo desfecho da
guerra da Ucrânia.
O próprio Lula já havia condenado Putin, em
consonância com a posição de que os princípios do direito internacional estão
acima de tudo e a afronta à integridade territorial de uma nação não se
justifica em nenhuma hipótese. Não precisa ombrear Putin e Zelensky para
valorizar sua rejeição à Otan e propostas de diálogo e de reforma da governança
mundial.
Não se trata de um deslize. É fruto de um
Lula ainda imerso na percepção de que o objetivo da eleição não é derrotar
Bolsonaro mas, sim, levar o petista de volta ao poder. Com a palavra, o
ex-presidente: “Há uma expectativa de que eu volte a presidir o país porque as
pessoas têm boas lembranças do tempo em que eu fui presidente”. Mais de um
terço dos que vão votar em outubro não eram eleitores quando o PT chegou ao
poder.
De tão ensimesmado, Lula fez pouco caso, na
entrevista, das propostas do candidato da esquerda colombiana nas eleições
presidenciais de junho, Gustavo Petro, para os combustíveis fósseis. E qual é
mesmo a proposta do pré-candidato petista para a mudança climática?
Se isso já seria preocupante numa campanha
polarizada entre dois candidatos democratas, toma contornos mais delicados numa
disputa em que seu principal adversário não apenas questiona a lisura das
eleições como empurra as Forças Armadas a agir da mesma forma.
As declarações de Lula aconteceram num
momento em que o entorno menos ideológico do ex-presidente já não via ameaça à
soberania nacional na observação eleitoral pela União Europeia. Se a OEA
participou em 2018, por que a União Européia, que atuou como observadora na
Colômbia, no Chile e no Peru, não poderia fazer o mesmo? A pergunta é de um
aliado do ex-presidente.
O desconvite brasileiro aos observadores
europeus, é bem verdade, pode sair pela culatra. A atenção pode vir a ser
redobrada em relação ao que se passará no Brasil. Desde que o candidato petista
esteja focado em fazer o resto do mundo acreditar que também ganha com a
alternância de poder no país.
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