O Globo
Provocaram frisson as declarações do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à revista Time, na entrevista em que
ele disse que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é tão responsável pela guerra quanto o russo Vladimir Putin.
Referências para se posicionar de forma
diferente, ele tinha.
No início de março, seu ex-chanceler Celso
Amorim rechaçou a invasão da Ucrânia sem mas nem porém: “Eu não posso condenar
a invasão dos Estados Unidos ao Iraque e depois aceitar outra invasão”.
O que interessa, nesse caso, não é nem a
Ucrânia e nem o Iraque. Feliz ou infelizmente, a influência das palavras de
Lula sobre os rumos da guerra é zero.
Seu principal efeito, no momento, é
atordoar os estrategistas de campanha, que passam boa parte do tempo tentando
convencer interlocutores políticos e jornalistas de que os “erros” não mais se
repetirão, porque a comunicação mudará.
Eles sabem que, assim, Lula ajuda o
bolsonarismo a reforçar o antipetismo, quando é vital reduzir índices de
rejeição.
Mas, a cada vez que os aliados garantem que
“agora Lula será diferente”, surge uma nova declaração que embaralha tudo. No
final da semana passada, o ex-presidente afirmou que Bolsonaro “não gosta de
gente, só gosta de policial”. Depois teve de pedir desculpas aos
policiais.
Há um mês, ele também teve de se explicar
depois de conclamar os seguidores a bater na porta dos deputados e a abordar
suas famílias para cobrar apoio a projetos.
Tal comportamento espanta quem já viu Lula ganhar uma eleição com a Carta aos Brasileiros e se reeleger com folga depois do mensalão, executando guinadas de discurso milimetricamente pensadas para atrair os não petistas.
Até os inimigos reconhecem nele um político
afiado em se adaptar às mudanças de humor do eleitorado. Ele mesmo já se
definiu, certa vez, como uma “metamorfose ambulante”.
Agora, no entanto, seus discursos parecem
ter saído dos anos 1990. Por isso, a pergunta que mais se faz nos bastidores é:
o que está acontecendo com Lula? Até agora não ouvi nenhuma explicação
peremptória, mas algumas hipóteses valem a reflexão.
Uma delas é que ele ainda completará a
migração para o centro, iniciada com a escolha de Geraldo Alckmin para vice.
Por essa tese, ainda não é hora de um discurso mais moderado, porque tem muita
campanha pela frente.
Se isso é verdade, não dá para entender por
que Lula disse à Time que “a gente não discute política econômica antes de
ganhar as eleições” e que “primeiro você precisa ganhar para depois saber com
quem você vai compor e o que você vai fazer”. O que isso quer dizer? Que Lula
espera um cheque em branco do eleitorado?
Ele gosta de responder que não há por que
se preocupar, pois todos vimos o que ele fez em seus governos. Só que isso não
faz nenhum sentido. O Brasil mudou muito desde que ele deixou a Presidência, em
2011.
No primeiro mandato, Lula fez um pesado
ajuste fiscal e usufruiu um ciclo de grande valorização das commodities. Depois
abriu as torneiras do gasto público e ampliou a intervenção do Estado na
economia. Agora temos recessão, desemprego e inflação alta. O Estado brasileiro
nem de longe tem mais a mesma capacidade de investimentos.
O próprio Lula também não é o mesmo. Não é
razoável esperar que, depois de 580 dias preso, longe do dia a dia da política,
ele não tenha mudado em nada sua forma de ver as coisas.
Daí decorre outra hipótese petista: que o
entorno de Lula, hoje, seria bem menos hábil na análise de cenários e
articulações que o de 2002.
Quem defende esse ponto de vista pondera
que ele costuma ouvir muitas opiniões antes de decidir o que fazer. Mas diz que
o grupo que o cerca agora, formado pelos deputados Gleisi Hoffmann e José
Guimarães e, até outro dia, pelo jornalista Franklin Martins, não se compara em
perspicácia a Antonio Palocci, José Dirceu e Luiz Gushiken.
Por essa hipótese, todos têm culpa nos
erros de Lula, menos ele. Como o ex-presidente não é nenhum novato e nunca foi
conhecido pela ingenuidade, fica difícil comprá-la pelo valor de face.
Resta uma possibilidade: e se Lula tiver
simplesmente se cansado de obedecer aos ditames do marketing político e
decidido ganhar a eleição com o petismo raiz? E se ele estiver convencido de
que, por ser hoje a única opção viável para derrotar Bolsonaro, pode impor ao
eleitorado tudo o que outrora deixou de lado em nome da vitória?
É cedo para cravar um veredito. Mas, se a
última alternativa se provar verdadeira, só restará ao indeciso aceitar que,
desta vez, não haverá metamorfose ambulante. E que, se quiser se livrar de
Bolsonaro, o que tem para hoje é este Lula mesmo que está aí.
Nenhum comentário:
Postar um comentário