quinta-feira, 5 de maio de 2022

Míriam Leitão: Juros em alta no Brasil e nos EUA

O Globo

A inflação está mais alta, mais espalhada, mais resistente e mais imprevisível. Ao Banco Central só cabe tentar levá-la de volta à curva descendente. E é isso que deverá conseguir no segundo semestre, mas ontem foi dia de elevação dos juros novamente. Em 14 meses, desde março do ano passado, os juros saltaram de 2% para 12,75%. E o BC indicou que é provável uma nova elevação da Selic em junho, o que deve levá-la para 13,25%. Ontem, houve pelo menos um alívio pelo banco central americano. Ele acelerou o ritmo de alta dos juros para meio ponto, mas praticamente descartou um passo ainda mais rápido, de 0,75% nas próximas reuniões. Isso ajudou a conter o dólar aqui no Brasil.

A inflação no país vem sofrendo pressões de vários lados. Da economia internacional, há o choque nos preços agrícolas pela guerra entre Rússia e Ucrânia e as novas medidas de lockdown na China, que afetam as cadeias de produção, com impacto nos produtos industriais. A expectativa de aumento dos juros nos EUA e o risco de desaceleração da economia chinesa reverteram parte dos ganhos que as moedas de países exportadores de commodities, como o real, tiveram no primeiro trimestre.

Internamente, há os conflitos institucionais e as ameaças do presidente Jair Bolsonaro sobre o processo democrático, que aumentam as incertezas e contribuem para o enfraquecimento do real. Como pode ser visto um país em que o presidente agride a Suprema Corte, ameaça a realização das eleições e quer uma apuração militar paralela da contagem dos votos? As tensões fabricadas se somam aos riscos externos. Tudo isso mantém o IPCA na casa de dois dígitos, patamar em que está desde setembro.

Esse período prologando com a taxa elevada estimula a indexação dos preços e salários e torna mais difícil o trabalho do Banco Central de trazer o índice para o centro da meta. Há ainda um outro componente que vem sendo apontado cada vez mais pelos economistas. O governo Bolsonaro tem dado estímulos fiscais para tentar melhorar a sua popularidade em ano eleitoral e isso contribui para sabotar o esforço da política monetária de esfriar a economia.

Desde a última reunião do Copom, no dia 16 de março, houve uma forte piora das expectativas de inflação. Pelos dados do Boletim Focus, que reúne projeções de dezenas de instituições financeiras, o mercado elevou o seu número de 6,45% para 7,89%, para 2022, e de 3,7% para 4,1%, para 2023. O BC, no comunicado da sua decisão ontem, mostrou dados mais otimistas do seu modelo: 7,3% e 3,4%. Ainda assim, isso significa estouro do teto da meta este ano e um número acima da meta do ano que vem. No mercado, há instituições bem mais pessimistas. O banco francês BNP Paribas, por exemplo, avalia que o IPCA chegará em dezembro em 10%, enquanto o americano JP Morgan fala em uma taxa de 8%.

A volatilidade do dólar mostra ao Banco Central que é arriscado contar com uma ajuda do câmbio. Desde a última reunião, a moeda americana caiu de R$ 5,08 para R$ 4,60, depois voltou a ficar acima de R$ 5,00, e ontem despencou para R$ 4,90. Nos momentos de alta acentuada, o BC brasileiro foi obrigado a vender mais de US$ 2 bilhões em reservas: US$ 1,5 bilhão no mercado futuro e US$ 573 milhões no mercado à vista.

Nos EUA, o aperto nos juros tende a fortalecer o dólar, apesar da queda de ontem. O mercado já dava como certa uma alta de 0,5%, e o receio era que o próximo aumento fosse ainda maior, de 0,75%. Por isso, o dia foi de alívio. O Fed é o mais importante banco central do mundo, e os seus movimentos tendem a ser na menor medida, ou seja, em altas de 0,25%, para diminuir as turbulências nos mercados mundiais.

O PIB americano caiu 1,4% no primeiro trimestre, mas isso não mudou o ciclo de aperto nos juros. É consenso que a economia dos EUA continua aquecida, com a taxa de desemprego em nível historicamente baixo, de 3,6%, e aumento do consumo e dos salários. O PIB caiu porque houve mais importações e cortes de gastos do governo, mas a demanda privada, que inclui consumo e investimentos, teve uma forte elevação de 3,7%.

Os americanos enfrentarão a alta dos juros com a economia aquecida. O Brasil está enfrentando um choque monetário durante uma fraca recuperação. Ou seja, aqui é pior.

 

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