O Globo
A inflação está mais alta, mais espalhada,
mais resistente e mais imprevisível. Ao Banco Central só cabe tentar levá-la de
volta à curva descendente. E é isso que deverá conseguir no segundo
semestre, mas ontem foi dia de elevação dos juros novamente. Em 14
meses, desde março do ano passado, os juros saltaram de 2% para 12,75%. E o BC
indicou que é provável uma nova elevação da Selic em junho, o que deve levá-la
para 13,25%. Ontem, houve pelo menos um alívio pelo banco central americano.
Ele acelerou o ritmo de alta dos juros para meio ponto, mas praticamente descartou um passo ainda mais rápido, de 0,75% nas
próximas reuniões. Isso ajudou a conter o dólar aqui no Brasil.
A inflação no país vem sofrendo pressões de vários lados. Da economia internacional, há o choque nos preços agrícolas pela guerra entre Rússia e Ucrânia e as novas medidas de lockdown na China, que afetam as cadeias de produção, com impacto nos produtos industriais. A expectativa de aumento dos juros nos EUA e o risco de desaceleração da economia chinesa reverteram parte dos ganhos que as moedas de países exportadores de commodities, como o real, tiveram no primeiro trimestre.
Internamente, há os conflitos
institucionais e as ameaças do presidente Jair Bolsonaro sobre o processo
democrático, que aumentam as incertezas e contribuem para o enfraquecimento do
real. Como pode ser visto um país em que o presidente agride a Suprema Corte,
ameaça a realização das eleições e quer uma apuração militar paralela da
contagem dos votos? As tensões fabricadas se somam aos riscos externos. Tudo
isso mantém o IPCA na casa de dois dígitos, patamar em que está desde setembro.
Esse período prologando com a taxa elevada
estimula a indexação dos preços e salários e torna mais difícil o trabalho do
Banco Central de trazer o índice para o centro da meta. Há ainda um outro
componente que vem sendo apontado cada vez mais pelos economistas. O governo
Bolsonaro tem dado estímulos fiscais para tentar melhorar a sua popularidade em
ano eleitoral e isso contribui para sabotar o esforço da política monetária de
esfriar a economia.
Desde a última reunião do Copom, no dia 16
de março, houve uma forte piora das expectativas de inflação. Pelos dados do
Boletim Focus, que reúne projeções de dezenas de instituições financeiras, o
mercado elevou o seu número de 6,45% para 7,89%, para 2022, e de 3,7% para
4,1%, para 2023. O BC, no comunicado da sua decisão ontem, mostrou dados mais
otimistas do seu modelo: 7,3% e 3,4%. Ainda assim, isso significa estouro do
teto da meta este ano e um número acima da meta do ano que vem. No mercado, há
instituições bem mais pessimistas. O banco francês BNP Paribas, por exemplo,
avalia que o IPCA chegará em dezembro em 10%, enquanto o americano JP Morgan
fala em uma taxa de 8%.
A volatilidade do dólar mostra ao Banco
Central que é arriscado contar com uma ajuda do câmbio. Desde a última reunião,
a moeda americana caiu de R$ 5,08 para R$ 4,60, depois voltou a ficar acima de
R$ 5,00, e ontem despencou para R$ 4,90. Nos momentos de alta acentuada, o BC
brasileiro foi obrigado a vender mais de US$ 2 bilhões em reservas: US$ 1,5
bilhão no mercado futuro e US$ 573 milhões no mercado à vista.
Nos EUA, o aperto nos juros tende a
fortalecer o dólar, apesar da queda de ontem. O mercado já dava como certa uma
alta de 0,5%, e o receio era que o próximo aumento fosse ainda maior, de 0,75%.
Por isso, o dia foi de alívio. O Fed é o mais importante banco central do
mundo, e os seus movimentos tendem a ser na menor medida, ou seja, em altas de
0,25%, para diminuir as turbulências nos mercados mundiais.
O PIB americano caiu 1,4% no primeiro
trimestre, mas isso não mudou o ciclo de aperto nos juros. É consenso que a
economia dos EUA continua aquecida, com a taxa de desemprego em nível
historicamente baixo, de 3,6%, e aumento do consumo e dos salários. O PIB caiu
porque houve mais importações e cortes de gastos do governo, mas a demanda
privada, que inclui consumo e investimentos, teve uma forte elevação de 3,7%.
Os americanos enfrentarão a alta dos juros
com a economia aquecida. O Brasil está enfrentando um choque monetário durante
uma fraca recuperação. Ou seja, aqui é pior.
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