O Globo
Secretários de Segurança Pública decidiram
contrariar indicação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e manter em todos os
estados e no Distrito Federal as revistas policiais arbitrárias. Em abril deste
ano, o STJ, por unanimidade, considerou ilegal a busca pessoal ou veicular motivada
apenas pela impressão subjetiva do policial sobre a aparência ou a atitude.
Imagine ser arbitrariamente escolhido por um policial, ter de encostar as mãos no muro ou colocá-las na cabeça e, em seguida, passar por minuciosa revista, sendo tratado como suspeito de um crime em plena via pública, sob o olhar de todos. Imagine essa cena no seu bairro, na frente dos vizinhos —ou, pior, dos seus filhos. Pois quatro entre dez cariocas já viveram essa situação humilhante e vexatória. E incríveis 7% dos cariocas já passaram por isso mais de dez vezes, segundo a pesquisa Negro Trauma, conduzida em 2022 pelo Datafolha. Dos que já foram abordados pela polícia, 23% sofreram intimidação ou violência verbal, e 28% foram alvo de uma arma apontada pelos policiais. Os negros são 48% da população carioca, mas 63% das pessoas abordadas pela polícia.
Em Nova York, a prática das revistas
arbitrárias foi abolida depois do chocante assassinato de George Floyd, o homem
negro que morreu sufocado durante uma abordagem policial abusiva. Foi a morte
de Floyd que deu ímpeto ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras
Importam). Na cidade americana, de cada cem revistas, apenas 12 encontravam
algum objeto ilícito. A Justiça Federal do país julgou esse número muito baixo
e considerou a prática inconstitucional. No Brasil, uma pesquisa de
mestrado na UnB, com dados oficiais das secretarias de Segurança Pública,
mostrou que menos de 1% das revistas encontra objetos ilícitos. Mais de 99% não
acham nada — servem apenas para humilhar os cidadãos inocentes enquadrados.
Para os ministros do STJ, para serem
legais, as abordagens policiais precisam ter “fundada suspeita” — o que
significa serem objetivas e apoiadas em indícios concretos de que o individuo
está em posse de drogas, armas ou outro objeto ilícito. Não podem se basear
apenas na intuição do policial, em alguma impressão subjetiva ou denúncia
anônima. Embora a decisão valha apenas para o caso julgado, aponta para um
amplo consenso na Corte sobre a ilegalidade das revistas arbitrárias.
Por isso surpreendeu a resposta dos secretários de Segurança que, em
reunião nacional, decidiram, também por unanimidade, desconsiderar a opinião do
STJ e manter as revistas pessoais, consideradas “medida crucial ao
desenvolvimento de ações preventivas”. A unanimidade da decisão é muito
preocupante e mostra como, diante das críticas, as polícias adotam uma postura
defensiva e corporativa.
Igualmente preocupante é a reação
legislativa à decisão do STJ. Reunião da Comissão de Segurança Pública da
Câmara dos Deputados propôs retomar a tramitação de Projeto de Lei que
regulamenta as revistas com base numa mudança no Código de Processo Penal. A
mesma comissão aprovou Projeto de Lei do deputado Bibo Nunes (PL-RS) prevendo
pena de prisão ao cidadão que encostar num policial durante qualquer abordagem.
Muitos punitivistas gostam de pensar que
são necessários métodos duros da polícia para combater a criminalidade com
firmeza. Mas o excesso e o destempero não punem apenas os criminosos, punem
também os inocentes. No caso das revistas arbitrárias, punem principalmente os
inocentes: 99% das vezes a suspeita da polícia está equivocada. São um
exercício de poder abusivo que serve apenas para humilhar trabalhadores negros
inocentes.
Um comentário:
Disse tudo!
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