Revista Veja
O comportamento do presidente estimula os criminosos
A Polícia Federal apura o envolvimento de
traficantes de drogas no assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips. Quando os
dois desapareceram, o governo federal se fez de morto. Diante da pressão
nacional e internacional, Bolsonaro pôs a culpa nas vítimas
e o Exército sugeriu que não se mexia porque o presidente não queria.
Iniciadas a busca e a investigação,
impressionou a eficiência das autoridades. Em seguida, a PF descartou
prematuramente a hipótese de haver mandante; com a grita, voltou a investigar.
O governo se move aos espasmos, ao sabor da pressão da opinião pública.
Os militares têm a fixação de que as
potências estrangeiras cobiçam a Amazônia, mas preferem combater as urnas
eletrônicas a ocupar e defender a região. Quando o Estado não ocupa o
território, alguém o faz — no caso, o crime organizado, que, em vez de impor a
lei, realiza tráfico internacional de drogas e caça, pesca, garimpo e
desmatamento ilegais.
A Amazônia não é o único local onde o Estado deixa de ocupar o território: em áreas urbanas, há regiões inteiras, e até presídios, controlados por traficantes e/ou milícias. Quanto mais tempo se passa, maior o poder dos criminosos, que já estão infiltrados nos três poderes da República.
O Rio de Janeiro é um caso emblemático,
espécie de manual sobre como a omissão do Estado e a tolerância da sociedade
permitem que o crime organizado prospere. O jogo do bicho é violento, envolve
outros crimes e corrompe a polícia, mas por décadas o Estado olhou para o lado
e a sociedade celebrou bicheiros assassinos nas colunas sociais e nos programas
de TV.
“Bolsonaro defende a tortura, sempre
elogiou as milícias, tem um discurso que encoraja desmatamento, garimpo, caça e
pesca ilegais”
Com a ausência do Estado, esquadrões da
morte compostos de policiais assassinavam pessoas (criminosas ou não) e eram
vistos com simpatia por grande parte da sociedade. O mais notório desses
policiais, Mariel Mariscot, namorava atrizes famosas e era tratado como
celebridade.
O Estado permitiu que traficantes controlassem comunidades e, por meio de uma política de drogas irracional, os armou até os dentes. Muita gente viu com bons olhos quando as milícias, formadas por PMs e bombeiros, expulsaram os traficantes e impuseram sua própria lei. Mas a lei era a do mais forte, e os milicianos passaram a praticar crimes e extorquir moradores. No estado do Rio, são hoje um problema maior do que o tráfico.
A esquerda fazia vista grossa para a
criminalidade, a direita pedia mais violência e o governo federal fingia que
não tinha nada com isso. Mas são federais o patrulhamento das fronteiras e das
principais rodovias, o controle das armas e toda a legislação penal. A Polícia
Militar é um braço do Exército. As facções criminosas se espalham por múltiplos
estados.
O Brasil não reduzirá a violência sem a
participação ativa do governo federal, mas Bolsonaro está na contramão: defende
a tortura, sempre elogiou as milícias, tem um discurso que encoraja
desmatamento, garimpo, caça e pesca ilegais (ele próprio foi multado pescando ilegalmente),
desmonta a fiscalização etc. etc.
Bolsonaro diz aos crimin osos o seguinte:
façam o que quiserem, e dane-se a lei. Não é fácil combater o crime e a
violência quando a maior autoridade do país os estimula.
Publicado em VEJA de 29 de junho de 2022, edição nº 2795
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