Folha de S. Paulo
Presidente do Chile e eleito na Colômbia
romperam com triste tradição
"É fácil falar de ditadura na
democracia; difícil é falar de democracia na ditadura." A frase, do
senador Humberto Costa (PT-PE), pronunciada anos atrás, referia-se à nostalgia
bolsonarista pela ditadura militar. Mas aplica-se perfeitamente à tradição da
esquerda latino-americana que, mesmo inscrita no jogo democrático, segue
incensando ditaduras. Gustavo
Petro, o presidente eleito da Colômbia, assim como Gabriel
Boric, do Chile, sinalizam uma ruptura com essa triste tradição.
Boric marcou um rumo já em 2018, bem antes
de eleger-se à Presidência, condenando as
restrições às liberdades em Cuba por meio de uma declaração
sobre valores: "Os direitos humanos devem ser respeitados sempre, em
qualquer contexto e sem nenhuma desculpa. Senão, corremos o risco de ser um
reflexo do espelho que criticamos a vida inteira". Semanas atrás, voltou
ao tema, referindo-se à repressão contra os protestos de julho do ano passado: "Hoje,
há presos em Cuba por pensar de modo diferente e isso, para nós, é
inaceitável".
O chileno, uma liderança oriunda do movimento estudantil, tem 36 anos. Toda a sua formação política deu-se após a queda do Muro de Berlim. Já Petro, nascido em 1960, ingressou ainda na juventude no M-19, uma cisão nacionalista das Farc que pretendia levar a luta armada às cidades e falava em "socialismo de estilo colombiano". O M-19 foi o primeiro grupo guerrilheiro a negociar a paz, convertendo-se em partido político e participando das eleições de 1991. Petro tornou-se deputado e, mais tarde, senador e prefeito de Bogotá. Na etapa final do percurso à Presidência, começou a falar como Boric.
Petro não chegaria à Presidência sem jogar ao
mar o pesado lastro do chavismo. Para a Colômbia, a Venezuela
não é um país distante, uma notícia secundária de jornal, mas um foco de
política interna. É a outra parte da Grã-Colômbia de Bolívar, a pátria substituta
de massas de colombianos fugidos de meio século de guerra doméstica, a origem
de 1,7 milhão de refugiados da ditadura chavista, o santuário dos estilhaços
das Farc.
Mas Petro foi além, pronunciando-se contra
a repressão aos protestos
cubanos. Em julho de 2021, escreveu: "Em Cuba, como na
Colômbia, impõe-se o diálogo social. As sociedades vivas são as que se movem e
se transformam a partir do diálogo e não da autodestruição".
A experiência democrática, por si só, não é
suficiente para dissolver a crosta do pensamento autoritário. A prova está no
Brasil: PT e PSOL
mantêm fidelidade canina ao castrismo, ao regime totalitário cubano e mesmo à
fracassada ditadura venezuelana. Lula e Dilma enalteceram Chávez e Maduro. O
embaixador indicado por Lula em Havana celebrou os
fuzilamentos sumários de 2003.
A esquerda europeia aprendeu a lição da
democracia durante a Guerra Fria. Os social-democratas romperam definitivamente
com os dogmas marxistas já na década de 1950. Depois, diante da invasão da
Tchecoslováquia pelo Pacto de Varsóvia (1968), o eurocomunismo implantou o
valor da pluralidade política nos partidos comunistas italiano e espanhol. Na
América Latina, porém, a esquerda não seguiu a mesma trajetória.
O caminho evolutivo foi interrompido pela
Revolução Cubana. O mito de Cuba, farol e fortaleza do anti-imperialismo, secou
as mentes. No Brasil e na Argentina, a crítica inevitável da luta armada nunca
ultrapassou a superfície tática para desdobrar-se em condenação ideológica do
sistema de partido único. Viver na democracia, elogiar a ditadura –essa
duplicidade existencial fixou-se na alma da esquerda latino-americana.
Boric e Petro enfrentarão obstáculos
imensos na tentativa de costurar alianças majoritárias para reformar sociedades
cindidas pela desigualdade. Mas, numa dimensão internacional, representam uma
lufada de ar fresco: o esboço de um polo renovador numa esquerda encarcerada no
passado.
2 comentários:
MUITAS Esquerdas: a Esquerda sul-americana é muito mais diversificada que supõe o colunista, ela não se enquadra na visão dicotômica e preconceituosa dele. Mas ele está certo em ver os 2 presidentes recém eleitos como posturas mais recomendáveis que as tentativas esquerdistas de ignorar os problemas de direitos humanos e falta de democracia em Cuba.
Fidel Castro foi tão nocivo quanto qualquer ditador de direita,simples assim.
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