O Globo
Querem todos, cada um a sua maneira, voltar
a poder 'botar as mãos' na estatal
Só não vê quem não quer. O populismo se
alastra. No governo, na oposição, no Congresso e no Judiciário. O alastramento
salta aos olhos na celeuma em torno da Petrobras.
Alarmado com as dificuldades da reeleição,
Jair Bolsonaro parece mais e mais enfurecido com sua incapacidade de sustar os
reajustes de preços de combustíveis que, na esteira da elevação dos preços
internacionais, continuam a ser feitos pela empresa.
A oposição festeja a impotência de
Bolsonaro. Lula alega que, se tivesse “coragem”, o presidente poderia resolver
o problema com uma canetada (Estado, 9/6). Mas não deixa de se mostrar
perfeitamente alinhado com a irritação de Bolsonaro com a Petrobras: “Por que
impor um preço internacional a um produto nacional? Isso é perda de soberania”
(Folha, 18/6).
Em tempo: uma boa alma poderia tentar explicar a Lula o significado de soberania, palavra que passou a usar a cada três frases, quase sempre de modo despropositado, como na declaração acima.
No Congresso, campeiam, sob o signo do
populismo, os Cavaleiros do Centrão. A cada dia, suas hostes saem em campo para
resolver a ferro e fogo, não importa a que custo, as urgências eleitorais do
momento.
Com o Poder Executivo fragilizado e o
Congresso imbuído de onipotência, o Centrão já nem disfarça a truculência com
que se dispõe a anarquizar arranjos institucionais duramente construídos, para
se livrar de inconveniências eleitorais momentâneas.
Diante de autorizações, eleitoralmente
inoportunas, de reajuste de tarifas de energia elétrica em vários estados, o
Centrão se dispôs a recorrer a um Projeto de Decreto Legislativo, para
atropelar a agência reguladora, romper contratos, dar o dito por não dito e
adiar os reajustes para 2023.
Na mesma linha, o Centrão decidiu, da noite
para o dia, propor intervenções brutais na cobrança do ICMS sobre combustíveis,
energia elétrica e telecomunicações. Sem se preocupar com a eficácia das
medidas ou com seus efeitos sobre as finanças dos estados.
E há muito mais sendo urdido pelo Centrão.
Até mesmo um estado de emergência, para driblar restrições impostas pela
legislação eleitoral e pelo teto de gastos e viabilizar mais um irresponsável
pacote de bondades. É a marcha desenfreada do populismo.
É nesse vale-tudo que se insere o ataque do
presidente da Câmara à Petrobras, prenúncio da nova missão a que agora se
propõe o Centrão, em sua cruzada de desconstrução institucional: desmantelar as
exigências legais de boa governança na empresa, para que ela possa ser
reintegrada à “família”.
E Glesi Hoffmann, presidente do PT, já
deixou claro que seu partido está de pleno acordo com essa iniciativa do
Centrão de rever a Lei das Estatais (Valor, 23/6).
Chama a atenção que ainda haja quem, de
boa-fé, se permita criticar a construção institucional que hoje permite
proteger a Petrobras contra manipulações eleitoreiras. E lamente que a empresa
não possa mais adotar uma política de preços discricionária, ditada pelo
governo, que atenue o impacto do encarecimento global do petróleo e seus
derivados.
Há que refrear a ingenuidade e indagar: ao
longo dos últimos 20 anos, que uso deu o governo a seu poder de impor políticas
discricionárias à Petrobras? Lula e Dilma, numa lista curta, mantiveram preços
represados, obrigaram a empresa a desenvolver projetos de investimento
desastrosos e a sobrecarregaram com obrigações absurdas de compra de
equipamentos nacionais e participação mínima em projetos no pré-sal.
E, pior, ainda envolveram a empresa no
escandaloso esquema de apoio do Centrão ao governo, que redundou no petrolão.
Alguém tem dúvida sobre o que faria Bolsonaro, agora, caso pudesse intervir nas
decisões da Petrobras?
Não há como ter ilusões. Nessa celeuma,
Bolsonaro, Lula e o Centrão estão irmanados no mesmo propósito. Querem todos,
cada um a sua maneira, voltar a poder “botar as mãos” na Petrobras. É preciso
resistir à onda populista e preservar a blindagem da empresa, para que o circo
de horrores dos últimos 20 anos não seja remontado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário