O Estado de S. Paulo.
Todo governo, embora eleito por uma maioria, sempre terá de governar para todos
A Carta ao Povo Brasileiro fez 20 anos
nesta semana. “Há outro caminho possível. É o caminho do crescimento econômico
com estabilidade e responsabilidade social”, dizia o documento.
Gleisi Hoffmann, presidente do PT, afirma
que Lula não precisa de uma nova carta, pois seus dois mandatos falam por si
só. Na carta de 2002, Lula e sua equipe deixaram claras quatro diretrizes do
seu governo: respeito às contas públicas, respeito aos contratos brasileiros,
combate à inflação e uma política conciliadora. Entre os apoiadores do PT, os
dois governos devem servir como compromisso de que caminho tomaria um novo
governo. Mas e entre os demais?
Nesta semana, o PT divulgou as diretrizes
do programa de governo Lula-Alckmin. Na economia, foram destacados quase 50
pontos. Fica difícil identificar neles o que poderia ser um programa de governo.
Como conciliar o desejo de “superar o modelo neoliberal que levou o País ao
atraso”, a disposição para revogar o teto de gastos e rever o atual regime
fiscal brasileiro, as discussões sobre transformação ecológica, a defesa da
Amazônia e o combate às desigualdades regionais?
Mas o documento deve ser lido com lentes políticas, e não técnicas. E aqui fica a pergunta: com quem a coligação LulaAlckmin queria dialogar?
No dia do lançamento da campanha, vimos a
primeira propaganda oficial da chapa. O vídeo aborda dois lados da eleição
presidencial. Com tela dividida, vemos um lado do prato vazio. O outro, com
arroz, feijão e carne. A dicotomia permanece ao longo do vídeo, que mostra dois
caminhos de escolha para os brasileiros. Um que acolhe e quer paz. O outro que
cruza os braços e quer guerra. Diferentemente da campanha de 90, que contou com
os slogans “Lula lá” e “Sem medo de ser feliz”, o novo slogan diz: “Se a gente
quiser, a gente pode”. Ficamos menos na esperança e mais na responsabilização
do eleitorado sobre suas escolhas futuras.
Todo governo, embora eleito por uma
maioria, sempre terá de governar para o todo. A carta de 2002 falou com os
eleitores cativos do PT, mas falou, como sua chamada sugere, com o povo
brasileiro. Lula não herdaria, caso eleito, o Brasil de FHC, mas, sim, o de
Bolsonaro. É um país que está em frangalhos institucionalmente e com o tecido
social bastante fragilizado. Convergências hoje são mais fundamentais do que
foram anteriormente.
O que Lula e Alckmin têm a oferecer àqueles
que querem ir além do que foi feito nos governos do PT para reconstruir o
Brasil?
*Professora do Insper, PH.D. em economia
pela Universidade de Nova York em Stony Brook
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