sexta-feira, 24 de junho de 2022

Assis Moreira: A imagem do Brasil no exterior não melhora

Valor Econômico

Alguns investidores querem distância dos problemas ambientais

O desgaste da imagem do Brasil e do capital de simpatia que sempre teve no exterior continua. Em paralelo, prosseguem as denúncias contra o país no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, como ocorreu nesta semana e deve se repetir na semana que vem.

Um dos choques recentes procedentes do Brasil veio com a imagem aterradora do assassinato de Genivaldo de Jesus Santos por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Umbaúba (SE). Truculentos policiais da PRF imobilizaram e trancaram Genivaldo, 38 anos, em uma viatura da corporação e jogaram bomba de gás dentro do veículo. A imagem da “câmara de gás” da PRF deu a volta ao mundo.

Em seguida, os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips na região do Vale do Javari ilustraram o perigo que correm defensores da Amazônia, sobretudo nos últimos tempos. Chamou atenção a dimensão da ausência do Estado na região, estampada numa declaração do vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Segundo o general, Bruno e Dom passaram a correr risco depois de ingressarem em uma “área que é perigosa sem pedir uma escolta”. Ou seja, a “Amazônia é nossa” é na verdade cada vez mais do crime organizado. O general Mourão preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal.

Também de novo rodou o mundo uma sangrenta operação policial, em maio, dessa vez com a morte de pelo menos 26 pessoas, na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro. No ano passado, tinha ocupado espaço na imprensa internacional a execução de 27 pessoas numa operação policial em Jacarezinho, também no Rio. E, no passado, outras.

Do início do governo Bolsonaro até agora, nada menos de 44 comunicações de relatores independentes das Nações Unidas foram enviadas ao Brasil sobre violações de direitos humanos no país. As comunicações envolvem questões de direito a alojamento e saúde, direitos dos indígenas, execuções por policiais, racismo, atentados a direito de opinião e de expressão etc. Mas a constatação nos meios de direitos humanos, em Genebra, é de que o governo de Jair Bolsonaro tem sido imbatível em desmontes de mecanismos de proteção variada na sociedade. A cara do país no exterior é a de seu presidente.

O Brasil recebeu mais questionamentos que as 41 comunicações para a Rússia e menos que as 48 para Arábia Saudita, 52 para a Turquia e 60 para a China no mesmo período. No período de um mandato e meio de Dilma Rousseff, foram enviadas 51 comunicações ao Brasil, e durante o curto período de Michel Temer outras 27.

Há dez dias, ao abordar a evolução global dos direitos humanos, a Alta Comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, disse em relação ao Brasil estar “alarmada com as ameaças contra os defensores dos direitos humanos ambientais e dos povos indígenas, incluindo a exposição à contaminação por mineração ilegal de ouro”. Afirmou que “os casos recentes de violência policial e racismo estrutural são preocupantes, assim como os ataques contra legisladores e candidatos, particularmente os de origem africana, mulheres e pessoas LGBTQIA+, antes das eleições gerais de outubro”. E apelou às autoridades brasileiras para que “garantam o respeito aos direitos fundamentais e instituições independentes”.

Gustavo Huppes, assessor de advocacia internacional na Conectas, observa que a sociedade civil sempre utilizou o Conselho de Direitos Humanos da ONU e outros espaços da comunidade internacional para denunciar violações cometidas pelo Estado. “No entanto, é histórico o número de retrocessos que estamos presenciando neste governo”, afirmou. “O trabalho propositivo das organizações brasileiras no campo dos direitos humanos, feito em conjunto com países das Nações Unidas, nem sequer consegue avançar quando temos de denunciar e tentar garantir que não se percam direitos históricos já garantidos.”

Esta semana, organizações não governamentais como Conectas e Comissão Arns acusaram diante da comunidade internacional o governo de se omitir “diante de casos gravíssimos de violência letal cometidos por agentes do Estado no passado e no presente”. E de que, “infelizmente, o governo brasileiro não tem feito nenhum esforço para combater essas práticas violadoras cometidas por seus agentes de segurança pública, pelo contrário, tais práticas têm sido endossadas pelas autoridades locais, incluindo o presidente Jair Bolsonaro”.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também ampliará denúncias de “escalada de violência e negligência do Estado brasileiro” na atual sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Para o Cimi, o que ocorre no Vale do Javari, onde foram assassinados Bruno e Dom, “está intrinsecamente relacionado ao desmonte das políticas e órgãos públicos de proteção aos povos originários e aos seus territórios”.

O Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, quando conclamou o governo a redobrar esforços para encontrar Bruno e Dom, observou que o Vale do Javari, uma das mais fortes concentrações no mundo de comunidades indígenas sem contato com o exterior, também era gravemente atingido pelo tráfico ilícito e atividades de extração mineral e pesca ilegal, e que atividades de grupos armados se intensificavam na área.

Essa é uma situação que chama atenção inclusive em outros foros que antes tenham outras atenções em relação ao Brasil. Recentemente, à margem do Fórum Econômico Mundial, em Davos, um dos maiores bancos do mundo convidou um pequeno grupo de jornalistas para um café da manhã com o CEO e alguns diretores. Na conversa, o chefe de investimentos globais observou que o Brasil tem tudo que a economia mundial precisa no momento, referindo-se a commodities. Mas logo ressalvou que investidores estrangeiros, ao falarem sobre o Brasil, abordam cada vez mais o problema de desmatamento e proteção da floresta. Ninguém queima dinheiro e sabe que o país dá bons retornos, mas alguns preferiam ficar longe de problemas ambientais e outros.

Nesta semana, ao receber 17 bispos da Amazônia, no Vaticano, o papa Francisco mostrou estar a par da violência e os encorajou a atuarem “sem medo de encarar os desafios” na região.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

''Meu verde não é rabo de foguete,vai tacar fogo no cacete'':Lembrei dessa música gravada pela Simone.