Valor Econômico
Diante da perspectiva de perder a eleição
no primeiro turno, Bolsonaro articula a mudança na Constituição para permitir
novas despesas sociais em período de vedação eleitoral
O aumento brutal dos combustíveis, o
bárbaro assassinato na Amazônia, a prisão de um ex-ministro envolvido em
corrupção, nada disso abalou o presidente Jair Bolsonaro. Ele tinha 27% das
intenções de voto no Datafolha de maio e tem 28% agora. Na pesquisa espontânea,
passou de 22% para 25%.
A resiliência de Bolsonaro parece um dado
definitivo, que torna praticamente impossível a sua ausência de um segundo
turno das eleições presidenciais, se segundo turno tiver. Lula oscilou pra
baixo tanto na estimulada (de 48% para 47%) quanto na espontânea (38% para
37%). A soma de todos os seus adversários era de 40% há um mês. É 41% agora.
Faltam apenas 100 dias para a eleição. Já é possível afirmar que há uma cristalização do quadro. Mantidas as condições naturais de temperatura e pressão, o nome que se projeta como solução à polarização é o de Ciro Gomes (PDT), que antes tinha 7% e agora está com 8%, e ele não demonstra fôlego para alcançar Bolsonaro. A possibilidade de Bolsonaro virar a eleição e ultrapassar Lula antes do primeiro turno está próxima do delírio. A dúvida subsistente é sobre a realização ou não de um segundo turno.
As chances de Bolsonaro retomar uma
trajetória de crescimento e impedir a vitória de Lula já em 2 de outubro
dependerão das negociações que se desenrolam em Brasília. Está em discussão uma
enormidade, que é mudar a Constituição do país para permitir gastos sociais
novos em período de vedação eleitoral. A legislação eleitoral proíbe o que se
articula neste instante em Brasília exatamente porque abole a paridade de armas
em uma disputa onde há um incumbente. O governo opera, às expensas da
responsabilidade fiscal, para criar uma bolha de consumo às vésperas da
eleição.
A pesquisa Datafolha indica que 62% dos
desempregados prefere Lula e 47% dos que ganham mais de dez salários mínimos
querem Bolsonaro. O presidente tem vida tranquila na fração do eleitorado que
não depende do governo, que está blindada tanto da crise econômica global
quanto das mazelas da atual administração.
Não é possível entender a dianteira de Lula
fora do âmbito da economia. E com auxílio social na veia Bolsonaro pode pelo
menos impedir uma derrota no primeiro turno.
É duvidosa a eficácia do truque em termos
eleitorais, dada a vantagem do petista. O que é certo é o efeito a médio prazo
das benesses a toque de caixa: desmoraliza-se o teto de gastos como âncora
fiscal e complica-se a governabilidade, dado que o país é administrado em um
regime de mudança constitucional permanente, não para a realização de reformas
estruturantes, mas para soluções de caixa no curto prazo.
Quando se pensa em consequências deste avanço da campanha no Orçamento de 2022, convém lembrar de três outros anos: 1987, 1999 e 2015. Sarney, Fernando Henrique e Dilma Rousseff operaram a economia para buscar vitórias eleitorais e mergulharam o país em crises fiscais na sequência.
O bolsonarismo esforçou-se para emplacar a
narrativa da Petrobras como a vilã número um dos preços altos em meio à crise
de combustíveis. Parte deste esforço de vilanização da empresa está no mundo
das redes. Um levantamento da empresa de consultoria .MAP, tomando como base
uma amostragem de 1,4 milhão de postagens no Twitter e em perfis abertos do
Facebook, mostrou que a Petrobras ou a CPI de uma Petrobras foi o quinto
assunto mais comentado entre a segunda e a terça-feira. Em 70% dos casos as postagens
eram de perfis da direita bolsonarista.
O tema foi sobrepujado por um assunto do
mundo real, chocante em si mesmo: a decisão da juíza Joana Zimmer, de Santa
Catarina, que procurou impedir que uma menina de 11 anos, grávida portanto de
um estupro, fizesse o aborto legal. Argumentou a juíza que a gravidez já estava
em um estágio muito avançado (22 semanas) para que sua interrupção não fosse
interpretada como homicídio. Para garantir que o procedimento não fosse feito,
a menor chegou a ser retirada de casa e encaminhada a um abrigo. A decisão da
juíza terminou por não prevalecer e a menina fez o procedimento de aborto ontem
no Hospital Universitário de Florianópolis.
O tema teve o dobro de menções na internet
do que a Petrobras, foi o mais comentado no Brasil depois do próprio governo
Bolsonaro e produziu nas reações despertadas uma quase unanimidade: nada menos
que 91% das menções foram contra a magistrada.
O caso de Santa Catarina se impôs porque tratou de questões em relação às quais nenhum ser humano consegue ficar indiferente. Tentar transferir responsabilidade de crise tem menos apelo.
Um golpe não tem amanhã. A legitimidade
rompida obriga o golpista a manter uma estrutura repressiva que o deixa em
situação de instabilidade permanente. É por isso que uma ruptura institucional
com tanques na rua, ou mesmo com milicianos, é um evento pouco provável.
Parece menos provável agora, depois da
conversa de 15 minutos a portas fechadas que o presidente teve com o ministro
do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, durante uma ocasião social,
conforme informou a colunista Mônica Bergamo, da “Folha”.
Interlocutores da alta cúpula do Judiciário
acreditam que se houver ruptura institucional no Brasil ela se dará de outra
maneira. Quem embarcar na aventura precisará de sócios, e o sócio óbvio é o
Congresso Nacional. Qualquer coisa que seja diferente da realização das
eleições, com a posse dos eleitos em 1º de janeiro, necessitará de aval
legislativo.
O que poderá ser isso? Não se sabe. No terreno da pura especulação, ressalvando que falava em tese, um interlocutor de gente graúda no Judiciário mencionou um cenário possível: grave perturbação da lei e da ordem às vésperas da eleição, ou seja, no fim de setembro, levando a um pacto para adiar o pleito, com prorrogação geral de mandatos. É uma maluquice, mas estamos no Brasil e, como disse em outro contexto o presidente do PDT, Carlos Lupi, quem não acredita que tudo é possível não está tendo a perfeita compreensão da política.
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