Folha de S. Paulo
Há de se observar as mulheres, os idosos e
o nível de escolaridade
Desde 1994, os eleitores brasileiros que
comparem às urnas no primeiro domingo de outubro são tomados pela mesma dúvida:
a eleição
presidencial será decidida no primeiro turno? Nas últimas cinco
disputas, não foi.
Esse quadro de incerteza gera uma busca do
que poderia influenciar no resultado da eleição: a escolha dos indecisos,
o peso
do voto útil, a influência das
pesquisas eleitorais, o efeito do debate
da Rede Globo, o volume
de votos nulos e em branco. Ou numa hipótese mais dramática: "Quem
sabe as pesquisas estariam errando? Haveria algo acontecendo, e as pesquisas
simplesmente não conseguiriam captar?".
Neste ano, uma das principais hipóteses é que a taxa de abstenção pode ser decisiva para o resultado do primeiro turno. O total de eleitores que deixam de votar estaria aumentando, e os que não comparecem têm perfil diferente dos que comparecem. A conclusão é simples: a taxa de abstenção definirá se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vence ou não no primeiro turno.
O que sabemos sobre a taxa
de abstenção no Brasil? Em primeiro lugar, que ela oscila em torno de
20% e está
avançando lentamente desde 2006. A taxa de comparecimento das últimas
cinco eleições foi a seguinte: 2002 (82%), 2006 (83%), 2010 (82%), 2014 (81%) e
2018 (79%).
É preciso lembrar que o voto não é
compulsório para dois grupos: analfabetos e pessoas com 70 anos ou mais. Em
2018, apenas 37% dos eleitores com mais de 70 anos compareceram para votar. Com
o envelhecimento da população, a ausência dos idosos é cada vez mais relevante
para explicar a taxa final de abstenção.
Um contingente de eleitores falta
simplesmente porque não está no seu domicílio eleitoral. São pessoas que
mudaram de cidade e não transferiram o título de eleitor. O recadastramento
biométrico reduziu esse problema nas cidades em que o sistema foi
implementado.
Em que pese muitos analistas interpretarem
a abstenção como uma decisão estritamente política ("Não tenho interesse
por política e simplesmente não vou votar"; "Não gosto de nenhum dos
nomes que disputam, prefiro ficar em casa"), não há pesquisas sobre o
tema. Não
sabemos quantos eleitores deixam votar por motivação política.
Sabemos ainda que existe uma diferença de
gênero no perfil de quem comparece às urnas. Em uma análise que fiz
recentemente com os dados do primeiro turno das eleições de 2018, me
surpreendeu o fato de que as mulheres comparecem
mais do que os homens. A diferença foi pequena (80,4%, ante 79,2%), mas relevante em
um país que tem uma das menores taxas de mulheres representadas em cargos
políticos.
No entanto, a diferença mais importante na
taxa de comparecimento está associada à escolaridade: quanto maior a faixa de
escolaridade, maior o comparecimento. Em 2018, 77,4% dos eleitores com ensino
fundamental incompleto (maior segmento do eleitorado) compareceu para votar no
primeiro turno. Já entre as pessoas com superior completo, a taxa de
comparecimento foi de 88,4%.
A campanha de Lula tem pedido aos eleitores
(sobretudo os de menor escolaridade) que saiam de casa neste domingo (2). Pelo
que me consta, a campanha do presidente Jair
Bolsonaro (PL) não fez o mesmo.
Um fator adicional que pode afetar a
abstenção em 2022: a justificativa online. Esta será a primeira eleição
presidencial em que os eleitores
poderão usar o celular (e-título) ou o site do Tribunal Superior
Eleitoral para justificar a sua ausência das urnas. Antes, o eleitor
que queria justificar no dia do pleito precisava se deslocar até um lugar (em
geral, uma agência dos Correios). A justificativa online aumentará a abstenção?
Qual é o perfil de quem não votará neste domingo? Não sabemos.
A abstenção eleitoral é fruto de uma
combinação de fatores, e é muito difícil estimar que forças políticas perdem ou
ganham com ela. Mas é bom não perder de vista que o comparecimento eleitoral no
Brasil é comparativamente alto: está no nível de outras democracias que adotam
o voto compulsório.
Hoje, 8 de cada 10 inscritos devem
comparecer para votar. Um deles deve anular ou votar em branco. Logo
conheceremos o novo presidente da República —ou começaremos uma nova onda de
estudos para saber se foi a abstenção que nos impediu de conhecê-lo.
*Cientista político, professor e pesquisador da FGV/CPDOC, é autor dos livros ‘O Brasil Dobrou à Direita: uma Radiografia da Eleição de Bolsonaro em 2018’ (2020) e ‘Representantes de Quem? Os (Des)caminhos do seu Voto, da Urna à Câmara dos Deputados’ (2017), ambos publicados pela editora Zahar
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