O Globo
A resistência nos trouxe até o dia do voto.
Cada um que resistiu em sua área fez parte da grande tarefa de proteger a
democracia contra o risco autoritário
Muitos nos trouxeram até o momento de fazer
a escolha nacional para presidente da República. Os dias dos últimos quatro
anos foram árduos e ásperos. O brasileiro chega às urnas com um misto de
sentimentos. Há alívio, esperança, tristeza, medo, cansaço, raiva. O caminho da
democracia sempre foi acidentado no Brasil, mas depois de 1988 não esperávamos
mais viver os sustos dos últimos anos. O constituinte não nos preparou para
viver o tempo extremo de um presidente com declarados objetivos
antidemocráticos.
A democracia pareceu vulnerável várias
vezes neste mandato. Tivemos iminência de ruptura, golpismo de líderes
militares, o presidente confrontando diariamente o Judiciário e ofendendo
cláusulas pétreas como o federalismo. Com vulgaridade, o presidente rasgou a
liturgia do cargo. No momento da nossa maior dor, quando o país enterrava em
covas sequenciais até quatro mil mortos num dia, pessoas sufocavam sem oxigênio
em plena Amazônia, estávamos acuados diante do inimigo letal, o presidente riu
da dor coletiva. Não houve trégua, não tivemos paz.
Esse presidente com a sua coleção inédita de erros chega ao dia da eleição em clara desvantagem em relação a Lula, o líder das pesquisas. É a primeira vez que isso acontece com um presidente disputando a reeleição. Por outro lado, um terço dos eleitores manifesta sólida decisão de mantê-lo no cargo. O trabalho massivo que ele fez reteve ao seu lado uma proporção muito alta de seguidores.
Duelaram duas visões sobre os fatos
correntes. A maioria avaliava que havia riscos institucionais e era preciso
confrontar as ameaças do presidente. Um grupo sustentava que o Brasil tem
instituições fortes e ele não prevaleceria. Se todos apostassem nessa segunda
visão, certamente não estaríamos falando das eleições de hoje. Foi exatamente
os que temeram o pior que nos trouxeram até aqui. É a antiga história da
“eterna vigilância”. Como se diz em inglês, não se pode take it for granted. O
risco de tomar como garantido um patrimônio que está sendo atacado eleva o
perigo de perdê-lo.
Os que nos trouxeram até aqui foram os que
entenderam que era preciso resistir. Muitas vezes, notas pareceram inócuas e
discursos soaram inúteis, perto da virulência com que o presidente ofendia
jornalistas, atacava ministros do Supremo, estimulava seus seguidores ao
assédio físico e à difusão de mentiras e mensagens de ódio. Tantas vezes a
urna, como símbolo, foi atacada. Tantas vezes os comandantes militares se
deixaram usar como parte da manobra de amedrontar o país. Tão insistentemente
certos militares, em posições estratégicas, alimentaram a dúvida sobre a segurança
das urnas. E por que o fizeram? Por que os líderes militares não deram ao país
o conforto de atos e palavras que dissipassem o medo que o presidente
alimentava? Eles terão que responder por mais esse erro diante da História. A
nossa República tem uma história ferida por golpes e conspirações militares.
Nada recomenda baixar a guarda.
A democracia não é apenas a formalidade dos
ritos. Ela é viva. Nos últimos anos, a floresta foi atacada, Bruno e Dom
morreram, indígenas e ambientalistas morreram. O que eles defendiam eram a
floresta e a democracia. A cultura foi estrangulada. Os artistas que a
mantiveram viva defendiam as artes e a liberdade. A educação foi relegada a um
grotesco espetáculo de comércio de bíblias e barras de ouro. Quem resistiu numa
sala de aula salvava o futuro e a democracia. A saúde foi testada no seu limite
pela pandemia e pela sabotagem presidencial. Os que a defenderam nos hospitais
ou nos laboratórios que produziram vacinas defendiam o direito de existir. E a
democracia.
O autoritarismo é antes de tudo uma licença
para outros crimes. Quem viveu uma ditadura sabe. Por isso, Doutor Ulysses
falou em ódio e nojo. Naqueles 21 anos, no rastro da liberdade suprimida, foram
cometidos crimes em diversas áreas. E a dor sempre recai mais pesada sobre
alguns. Hoje, os brasileiros vão às urnas e as pesquisas mostram que o
presidente perde fortemente em alguns segmentos. Para as mulheres, os negros,
os pobres, os jovens e os nordestinos, ele não. Houve uma teia forte e teimosa
reagindo a cada absurdo diário do presidente durante quatro anos. O que nos
trouxe até o dia do voto foi a resistência.
3 comentários:
O passado de Lula é duvidoso, mas o futuro com Bolsonaro será ainda mais TENEBROSO que seus primeiros 45 meses de DESgoverno!
Pode já ir se acostumando seus idiotas Bolsonaro vai ganhar o primeiro turno 50% das urnas apuradas institutos de pesquisa jornalismo tudo vendido tudo panfletário de esquerda cair na esparrela bem feito o povo não vai perdoar vocês
Cínicos , covardes , traidores da Pátria que usam a suas posições para desinformar e induzir o eleitor ao erro
A sociedade vai dar o troco , pode esperar!
Presidente reeleito
Análise certeira da colunista.
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