segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Vera Magalhães - Um país a reconstruir

O Globo

Discurso da vitória de Lula mostra que ele entendeu o tamanho do desafio que terá em seu inédito terceiro governo

Luiz Inácio Lula da Silva recebeu de pouco mais de 60 milhões de brasileiros uma chance inédita: a de governar o Brasil pelo voto pela terceira vez, com um intervalo de 20 anos entre a primeira e a terceira. “Vivi um processo de ressurreição, porque tentaram me enterrar vivo”, disse, conferindo um tom épico à conquista deste domingo.

No mesmo discurso, aliás irrepreensível e de elevada dimensão histórica, ele deixou claro que entendeu o recado das urnas: foi escolhido, por pouco, para governar um país profundamente dividido, angustiado, raivoso e desconfiado.

Sua fala mostra que ele tem plena ciência do tamanho e da dificuldade do desafio, imensamente maiores que as de um 2002 no qual Jair Bolsonaro era apenas um deputado do baixo clero, não havia a estridência política e a radicalização impulsionadas pelas redes sociais e pelos algoritmos e seu antecessor era um estadista como Fernando Henrique Cardoso, que fez uma transição republicana.

Enquanto escrevo esta coluna, Jair Bolsonaro e seu entorno não se manifestaram sobre o resultado da eleição, que, depois de muitos “se” e “veja bem”, ele disse que respeitaria em entrevista logo após o último debate da campanha.

Com tudo que se viu em termos de uso desmesurado dos cofres da União, do aparelho de Estado, das forças de segurança e da mais baixa desinformação para que ele tentasse se reeleger, um conjunto sem precedentes de abuso de poder político e econômico construído sob os auspícios do Congresso, do STF e da Procuradoria-Geral da República, que ou aprovaram ou fizeram vista grossa a medidas flagrantemente inconstitucionais, Bolsonaro quase conseguiu.

E esse “quase”, para uma força política que governou quatro anos apostando no caos e na desestabilização institucional, é suficiente para que haja sérios motivos de preocupação com o dia seguinte.

Antes do futuro governo haverá dois meses de uma transição que promete ser pedregosa, cercada de firulas, sigilos e gavetas fechadas que ninguém sabe onde está a chave. Caberá às instituições saírem da letargia em que se encontram e obrigarem o Executivo a cumprir o que manda a Constituição. E não pode ser tarefa só de Alexandre de Moraes, que, no peito, garantiu quase sozinho a normalidade do processo eleitoral.

Há um país a ser reconstruído. Na Economia, na Educação, na Saúde, no Meio Ambiente. Mais do que retomar a racionalidade no governo, é preciso também recompor as relações políticas, interssociais, familiares, todos os tecidos nos quais o bolsonarismo se infiltrou e nos quais provocou danos profundos, por ora difíceis de sanar.

Os Estados Unidos, com o Capitólio e a resistência do trumpismo após a derrota de Donald Trump, mostram que o caminho é árduo e requer reforma das leis e das próprias instituições para banir os radicais que se dispõem a corroer o estado democrático a partir de dentro.

Por fim, há uma governabilidade a assegurar, tarefa à qual Lula começou a se dedicar no segundo turno e cuja importância deixou clara no discurso da vitória.

Foi a fala de um estadista, e não de um revanchista, inclusive no reconhecimento ao papel da imprensa. Que sai dessa campanha como um baluarte da defesa da democracia, e assim continuará, cobrando o novo governo a partir do seu primeiro dia, como é seu dever ético.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

"Com tudo que se viu em termos de uso desmesurado dos cofres da União, do aparelho de Estado, das forças de segurança e da mais baixa desinformação para que ele tentasse se reeleger, um conjunto sem precedentes de abuso de poder político e econômico construído sob os auspícios do Congresso, do STF e da Procuradoria-Geral da República, que ou aprovaram ou fizeram vista grossa a medidas flagrantemente inconstitucionais, Bolsonaro quase conseguiu."

RÁ, NEM ASSIM BOZO CONSEGUIU. O PALERMA DA REPÚBLICA NEM ASSIM CONSEGUIU SE REELEGER.

Isso implica q LULA É MUITO FORTE.
Lembra Davi e Golias:

Durante 40 dias, Golias (bozo) zombou do povo de Israel e o rei Saul prometeu dar riquezas e a mão de sua filha em casamento ao homem que matasse o gigante. Sem nenhuma proteção ou armadura, Davi (LULA) acertou o gigante (bozo) com uma pedra e o matou com a espada.

ADEMAR AMANCIO disse...

Pelo tanto que a máquina do estado atuou,ilegalmente,diga-se,é quase um milagre Lula ter sido eleito.