Valor Econômico
Ministro da Defesa vai precisar
equilibrar-se entre grupos radicais
Como dizem nas rodas de conversa de
integrantes da equipe de transição, José Múcio Monteiro ganhou um carro novo,
mas ainda está esperando chegar a carteira de motorista para tirá-lo da
garagem. O automóvel está ligado, parado em ponto neutro. E o GPS em processo
de configuração com o rumo que será adotado a partir de janeiro.
É considerada questão de tempo a sua
nomeação para o cargo de ministro da Defesa. Enquanto ela não se efetiva, o
ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ex-ministro da articulação
política de Luiz Inácio Lula da Silva e ex-deputado federal vai se acostumando
com o novo volante que terá em mãos.
Na segunda-feira, por exemplo, ele foi apresentado ao conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, no hotel em que o presidente eleito está hospedado. O encontro, mesmo que seja descrito por algumas fontes como “uma coincidência”, não deixa de ser simbólico. Entre questões globais, desafios regionais e potenciais parcerias, os dois terão muito a conversar durante os próximos anos.
Isso mostra que, apesar de a documentação
ainda não ter sido expedida, José Múcio vai esquentando o motor e conhecendo os
desafios do percurso. Provavelmente o principal deles, na visão de
interlocutores de Lula, é a despolitização dos assuntos militares.
O manual de manobras de crise, documento
publicado pelo próprio Ministério da Defesa, contém algumas ideias da direção
que se pode adotar em momentos sensíveis pelos dirigentes da pasta.
Um primeiro caminho é “desescalar a todo
custo” a crise. De acordo com esta política, o governo deve procurar todas as
formas possíveis para desacelerar. Ou seja, seus agentes devem evitar qualquer
comportamento que se possa transformar em pretexto para que sejam hostilizados
ou provocados por representantes de outros segmentos. Ações só devem ser
executadas em resposta a iniciativas hostis.
Porém, existem ainda as opções em que o
governo aceita o risco de apertar o botão do turbo, implementando ações firmes
e rápidas contra qualquer provocação. Assim, busca comprovar sua credibilidade
diante de forças oponentes.
O manual vem de fábrica, no porta-luvas do
carro que José Múcio Monteiro ganhou. E a forma como ele pode ser utilizado é
objeto de discussão por quem frequenta o Centro Cultural Banco do Brasil
(CCBB), sede do gabinete de transição.
Para auxiliares do presidente eleito,
deve-se evitar que alas mais ideológicas à esquerda recoloquem sobre a mesa
ideias relacionadas à investigação de atos praticados durante a ditadura. A
instalação da Comissão Nacional da Verdade pelo governo Dilma Rousseff gerou
dificuldades nas relações entre militares e o PT. Na visão de oficiais da ativa
e da reserva, Lula nunca trocou os pés pelas mãos nas relações com a caserna,
mas o mesmo não pode ser dito em relação a Dilma. Seria algo a evitar agora.
Um outro ponto de atenção é como o novo
governo lidará com os militares que ocupam cargos na administração federal.
Exonerações ruidosas e pontuais poderiam ser vistas como atos de retaliação.
Por outro lado, caso as demissões ocorram de forma geral, elas seriam tratadas
como algo natural diante da reocupação de cargos de confiança por uma nova
administração.
Em outra frente, o próximo ministro da
Defesa terá o desafio de manter as discussões sobre o reequipamento das Forças
Armadas - algo caro aos militares e capaz de reduzir trepidações, num momento
de grave restrição orçamentária.
As críticas de dirigentes do PT à intenção
do Exército de ir à concessionária de blindados renovar a frota não ajudam no
esforço de distensionamento. No entanto, a intenção do futuro governo é reunir
o alto comando das três Forças e analisar o estágio de cada programa
estratégico, o orçamento que necessitam e prazos previstos para conclui-los.
A ideia é evitar interrupções. Uma forma de
tentar acomodar as pretensões orçamentárias das Forças Armadas com as
necessidades do Executivo é conectar esses programas essenciais à defesa das
fronteiras a ações de segurança pública e projetos de desenvolvimento de
tecnologias de interesse da sociedade civil.
Em ambos os casos, pode-se dizer que o
plano é adotar a manobra de desacelerar potenciais crises. Contudo, o novo
governo não parece disposto a dar marcha a ré quando fala em colocar cada
instituição em seu quadrado.
Acredita-se que o bolsonarismo tenha
conquistado espaço importante no meio militar. Nesta terça-feira, durante o
evento “E agora, Brasil?”, promovido pelos jornais Valor e “O Globo”,
petistas cotadíssimos para ocupar cargos de destaque no futuro governo, seja no
Executivo ou no Congresso, falaram sobre o assunto.
Senador eleito pelo Piauí, Wellington Dias
comentou que o próximo ministro da Defesa tem a missão de não apenas ser bem
aceito pelas Forças Armadas, mas também definir diretrizes para que a
normalização institucional ocorra dentro das regras democráticas. Ele lembrou
que o Brasil passou provavelmente por uma das primeiras experiências no mundo
em que alguém oriundo do meio militar tenha, depois de eleito dentro das regras
do jogo, flertado com o autoritarismo.
Na sequência, o governador da Bahia, Rui
Costa, também do PT, emendou, afirmando que o presidente Jair Bolsonaro (PL)
incitou a participação de militares na política. Ele ponderou, por outro lado,
que o ambiente social doméstico e a comunidade internacional mostraram que não
se aceitaria retrocessos democráticos no Brasil.
A orientação de Lula é para que o próximo
ministro da Defesa defina diretrizes claras e acabe com eventuais divisões
entre os militares. Ou, como diz uma fonte que acompanha de perto a programação
do GPS do carro que José Múcio Monteiro deve pilotar em breve, o importante é
colocar todos os componentes de força no sentido de se moverem na mesma
direção. E em frente.
2 comentários:
Antigamente dizia-se que, para manter o 'time' tranqüilo e equilibrado, bastava dar recursos ilimitados para o reequipamento do exército, presidência de estatais para a aeronáutica, e aprovar licitações a rodo para comes e bebes da glutonaria marítima.
Bons tempos aqueles...
O exército quer adquirir 98 blindados. Onde serão estacionados? Onde serão estacionados? No Rio? Em SP? Em MG?
Notem q isso é interno. Então, o inimigo é interno? É o próprio povo? Origina-se no Brasil?
Por outro lado, estacionemos tais blindados nas fronteiras. Temos gigantescas fronteiras marítimas e terrestres. Poremos blindados perto da Argentina? Venezuela? Outro país? E se atacarem pelo mar? Precisamos de blindados no litoral também, nestes casos?
Quantos km temos de fronteiras terrestres e marítimas? Bem, teremos 100 blindados.
Isso nos traz a pergunta honesta: precisamos de forças armadas? Pra q?
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