Valor Econômico
Separação entre trabalho e educação prejudica
o jovem e atrasa possibilidades de progresso para o país
A Constituição Federal explicita em dois de seus artigos a relação entre educação e trabalho. No artigo 205, diz que a educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. No artigo 214, faz referência às ações do plano nacional de educação que deverão conduzir, entre outras, à formação para o trabalho. Apesar disso, o que vivemos no Brasil é um divórcio entre educação básica e trabalho. Boa parte das pessoas aprende a trabalhar já trabalhando, sem formação prévia, nem acompanhamento adequado para ter uma inserção digna no mundo do trabalho.
Educação e trabalho são frentes
fundamentais para o pleno exercício da cidadania. Afinal, qual formação para a
cidadania se pensa possível sem a dimensão do trabalho? Hoje, a formação para o
trabalho é pouco desenvolvida na educação básica e a desarticulação entre estas
duas dimensões prejudica drasticamente o futuro das juventudes brasileiras.
Cabe destacar, ainda, que o ensino superior
é a grande avenida de profissionalização no país. No entanto, devemos lembrar
que, aproximadamente, apenas 20% dos jovens de 18 a 24 anos seguem para essa
etapa do ensino. Qual a perspectiva para os demais 80%? Sem possibilidades para
essas juventudes, o futuro do país é prejudicado. Isso porque os
aproximadamente 50 milhões de jovens de hoje serão a população adulta
responsável pelo desenvolvimento do país em poucos anos. Investir nas
juventudes é a condição de um país próspero. Colheremos no futuro o que
plantarmos hoje.
Todos os anos, quase dois milhões de jovens
se formam no ensino médio e são lançados ao “mar” da vida adulta sem preparo
para que, sozinhos, tracem suas trajetórias de vida. Negar o preparo para o
mundo do trabalho ainda na educação básica é impor que esses jovens façam essa
travessia sem saber nadar, sem colete salva-vidas e esperando que eles cheguem
em terra firme com sucesso.
Dispomos de ferramentas para auxiliá-los,
mas nos negamos a utilizá-las. Este cenário é ainda mais crítico para os 88% de
jovens que se formam na rede pública de ensino e que têm na escola o último
contato com uma política pública de educação. Repito, eles serão a maioria dos
adultos em pouco tempo, responsáveis pelo país. Não estamos fazendo nem o mínimo
determinado constitucionalmente. Sem cuidar das nossas juventudes, estamos
selando um destino medíocre para o país.
Os dados mostram o tamanho do problema que
estamos criando. Pesquisa do Itaú Educação e Trabalho em parceria com a
Fundação Roberto Marinho, realizada em 2021, ouviu mil jovens e revelou que 75%
deles acreditavam que a escola prepara pouco ou nada para o mundo profissional.
Essa realidade é sentida também por quem emprega. Pesquisa sobre “O Futuro do
Mundo do Trabalho e as Juventudes Brasileiras”, lançada em março passado,
mostrou que para 76,4% das organizações entrevistadas os jovens estão
mal-informados sobre as carreiras do futuro e como o mundo do trabalho
funciona. É fato que não estamos preparando nossos jovens para um caminho de trabalho
digno e de pleno exercício de sua cidadania. Por que continuar mantendo essa
distância entre essas frentes tão essenciais?
Podemos e devemos ampliar as vias de
formação para que os jovens se aproximem do mundo do trabalho ao longo da
escolaridade. A Educação Profissional e Tecnológica (EPT), por exemplo, oferece
oportunidades dignas para os jovens começarem a trilhar o caminho pelo mundo
profissional. Uma pesquisa realizada com o setor produtivo mostrou que 81,1%
dos jovens com ensino técnico têm maiores chances de estarem ocupados do que
aqueles que só concluem o ensino médio regular. Já a pesquisa feita com jovens,
que mencionei anteriormente, mostrou que para 56% dos entrevistados o ensino
técnico facilitaria a entrada na faculdade. Essa formação é valiosa e é um
anseio das juventudes para mudar suas vidas.
Precisamos tirar do papel o compromisso que
firmamos como país de oferecer desenvolvimento profissional e pessoal aos
nossos jovens. Isso passa por trazer e fortalecer a Educação Profissional e
Tecnológica como etapa inicial de formação do jovem, democratizar o acesso a
esse ensino de qualidade, promover a continuidade da formação profissional e
avaliar novas oportunidades nesse sentido.
É o caso que acontece, hoje, na região de
Ilhéus, no sul da Bahia, em que escola e universidade se uniram para
potencializar a formação dos jovens em uma área valiosa na região, a do setor
cacaueiro. Pensando em oferecer formação continuada, o Centro Estadual de
Educação Profissional do Chocolate Nelson Schaun e a Universidade Federal do
Sul da Bahia (UFSB) trabalharam em conjunto e o resultado foi um curso técnico
atualizado na produção de cacau e chocolate e uma graduação tecnológica
recém-criada, que dá sequência aos saberes adquiridos pelos jovens ainda na educação
básica.
O itinerário contínuo valoriza toda a
trajetória de formação do jovem e viabiliza a continuidade dos estudos no
ensino superior. É um caminho aberto entre educação e trabalho que irá mudar
vidas, carreiras e promover desenvolvimento socioeconômico para a região. Um
casamento em que todos ganham.
O trabalho faz parte da formação cidadã. O
divórcio entre trabalho e educação prejudica o jovem no desenvolvimento pleno
de sua cidadania e atrasa possibilidades de progresso para o país. Precisamos
lançar mão de todas as possibilidades e fazer valer essa relação, que deveria
ser indissociável.
*Ana Inoue é superintendente do Itaú Educação e Trabalho, frente da Fundação Itaú com foco em educação profissional, juventudes e sua inclusão no mundo do trabalho
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