quarta-feira, 19 de abril de 2023

Ana Inoue* - Um divórcio indesejável

Valor Econômico

Separação entre trabalho e educação prejudica o jovem e atrasa possibilidades de progresso para o país

A Constituição Federal explicita em dois de seus artigos a relação entre educação e trabalho. No artigo 205, diz que a educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. No artigo 214, faz referência às ações do plano nacional de educação que deverão conduzir, entre outras, à formação para o trabalho. Apesar disso, o que vivemos no Brasil é um divórcio entre educação básica e trabalho. Boa parte das pessoas aprende a trabalhar já trabalhando, sem formação prévia, nem acompanhamento adequado para ter uma inserção digna no mundo do trabalho.

Educação e trabalho são frentes fundamentais para o pleno exercício da cidadania. Afinal, qual formação para a cidadania se pensa possível sem a dimensão do trabalho? Hoje, a formação para o trabalho é pouco desenvolvida na educação básica e a desarticulação entre estas duas dimensões prejudica drasticamente o futuro das juventudes brasileiras.

Cabe destacar, ainda, que o ensino superior é a grande avenida de profissionalização no país. No entanto, devemos lembrar que, aproximadamente, apenas 20% dos jovens de 18 a 24 anos seguem para essa etapa do ensino. Qual a perspectiva para os demais 80%? Sem possibilidades para essas juventudes, o futuro do país é prejudicado. Isso porque os aproximadamente 50 milhões de jovens de hoje serão a população adulta responsável pelo desenvolvimento do país em poucos anos. Investir nas juventudes é a condição de um país próspero. Colheremos no futuro o que plantarmos hoje.

Todos os anos, quase dois milhões de jovens se formam no ensino médio e são lançados ao “mar” da vida adulta sem preparo para que, sozinhos, tracem suas trajetórias de vida. Negar o preparo para o mundo do trabalho ainda na educação básica é impor que esses jovens façam essa travessia sem saber nadar, sem colete salva-vidas e esperando que eles cheguem em terra firme com sucesso.

Dispomos de ferramentas para auxiliá-los, mas nos negamos a utilizá-las. Este cenário é ainda mais crítico para os 88% de jovens que se formam na rede pública de ensino e que têm na escola o último contato com uma política pública de educação. Repito, eles serão a maioria dos adultos em pouco tempo, responsáveis pelo país. Não estamos fazendo nem o mínimo determinado constitucionalmente. Sem cuidar das nossas juventudes, estamos selando um destino medíocre para o país.

Os dados mostram o tamanho do problema que estamos criando. Pesquisa do Itaú Educação e Trabalho em parceria com a Fundação Roberto Marinho, realizada em 2021, ouviu mil jovens e revelou que 75% deles acreditavam que a escola prepara pouco ou nada para o mundo profissional. Essa realidade é sentida também por quem emprega. Pesquisa sobre “O Futuro do Mundo do Trabalho e as Juventudes Brasileiras”, lançada em março passado, mostrou que para 76,4% das organizações entrevistadas os jovens estão mal-informados sobre as carreiras do futuro e como o mundo do trabalho funciona. É fato que não estamos preparando nossos jovens para um caminho de trabalho digno e de pleno exercício de sua cidadania. Por que continuar mantendo essa distância entre essas frentes tão essenciais?

Podemos e devemos ampliar as vias de formação para que os jovens se aproximem do mundo do trabalho ao longo da escolaridade. A Educação Profissional e Tecnológica (EPT), por exemplo, oferece oportunidades dignas para os jovens começarem a trilhar o caminho pelo mundo profissional. Uma pesquisa realizada com o setor produtivo mostrou que 81,1% dos jovens com ensino técnico têm maiores chances de estarem ocupados do que aqueles que só concluem o ensino médio regular. Já a pesquisa feita com jovens, que mencionei anteriormente, mostrou que para 56% dos entrevistados o ensino técnico facilitaria a entrada na faculdade. Essa formação é valiosa e é um anseio das juventudes para mudar suas vidas.

Precisamos tirar do papel o compromisso que firmamos como país de oferecer desenvolvimento profissional e pessoal aos nossos jovens. Isso passa por trazer e fortalecer a Educação Profissional e Tecnológica como etapa inicial de formação do jovem, democratizar o acesso a esse ensino de qualidade, promover a continuidade da formação profissional e avaliar novas oportunidades nesse sentido.

É o caso que acontece, hoje, na região de Ilhéus, no sul da Bahia, em que escola e universidade se uniram para potencializar a formação dos jovens em uma área valiosa na região, a do setor cacaueiro. Pensando em oferecer formação continuada, o Centro Estadual de Educação Profissional do Chocolate Nelson Schaun e a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) trabalharam em conjunto e o resultado foi um curso técnico atualizado na produção de cacau e chocolate e uma graduação tecnológica recém-criada, que dá sequência aos saberes adquiridos pelos jovens ainda na educação básica.

O itinerário contínuo valoriza toda a trajetória de formação do jovem e viabiliza a continuidade dos estudos no ensino superior. É um caminho aberto entre educação e trabalho que irá mudar vidas, carreiras e promover desenvolvimento socioeconômico para a região. Um casamento em que todos ganham.

O trabalho faz parte da formação cidadã. O divórcio entre trabalho e educação prejudica o jovem no desenvolvimento pleno de sua cidadania e atrasa possibilidades de progresso para o país. Precisamos lançar mão de todas as possibilidades e fazer valer essa relação, que deveria ser indissociável.

*Ana Inoue é superintendente do Itaú Educação e Trabalho, frente da Fundação Itaú com foco em educação profissional, juventudes e sua inclusão no mundo do trabalho

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