Folha de S. Paulo
Plano do governo precisa de receita;
revolta do shopping muamba revela que vai ser difícil
O governo Lula se embananou com essa tentativa
de diminuir o contrabando por meio de comércio eletrônico externo. É
uma providência razoável: conter a concorrência desleal com o varejo brasileiro
e arrecadar uns dinheiros a mais.
A espuma dessa minicrise pode se dissipar
em dias. Não era assunto maior, embora tenha nublado a divulgação do plano de
arrumar as contas públicas, enviado nesta
terça-feira ao Congresso —mais sobre isso mais adiante neste
texto.
Mais importante é que trata-se apenas de uma tentativa miúda de arrecadar mais impostos. Muitas e maiores virão. No entanto, até agora o governo não apresentou um plano claro, uma proposta de acordo político e social, a fim de arrecadar mais.
Para piorar, diz que não quer aumentar a
"carga tributária". Quer e precisa aumentar a carga. Cria ainda mais
confusão e ilusão ao dizer que vai diminuir o IR da Pessoa Física.
Sem aumento de carga, a "Nova Regra
Fiscal", o "arcabouço fiscal", o teto de Lula ou "calabouço
fiscal" (no dizer da esquerda), não para em pé. Se o governo se enrola com
uma mera tentativa de conter sonegação e de arrecadar R$ 8 bilhões, quanto
problema terá para aumentar a receita em R$ 150 bilhões?
Favor prestar atenção: até 2026, o governo
precisa arrumar uns R$ 150 bilhões além do aumento regular da arrecadação,
derivado de crescimento econômico ou de alguma bonança. De outro modo, não vai
fazer superávit suficiente (receita menos despesa, desconsiderados gastos com
juros). Se não houver superávit, a dívida pública continuará a crescer, com
efeitos sobre taxas de juros e câmbio ("preço do dólar") e, pois,
sobre o crescimento da economia.
Não interessa se a tentativa de conter a
sonegação causou revolta porque foi mal compreendida ou por ter sido muito bem
entendida. O fato é que o governo passou duas semanas escorregando em casca
banana e acabou engolindo a banana com casca e tudo, tendo de voltar atrás em
uma das providências. Já era difícil recolher o dinheiro da sonegação; agora,
mesmo que uma nova regulação funcione, deve arrecadar menos.
Em suma, ficou claro que aumento ou
cobrança devida de impostos causa revolta. Ainda neste ano, o governo quer
voltar a cobrar R$ 88 bilhões de isenção de impostos federais provocada por um
tipo de isenção tributária estadual (via ICMS). Isso vai dar problema. Parte do
varejo já está em revolta, agora ainda mais irritado porque o governo talvez
não consiga conter o shopping muamba virtual.
Mais adiante, provavelmente no final do ano
ou começo do que vem, Lula ou a Fazenda, pelo menos, tentarão derrubar outras
isenções de impostos. Se não houver clareza de rumo, discussão nacional, acordo
social e político organizado, vai ser muito difícil fazer esse remédio descer
pela goela do país.
Quanto ao texto do "novo arcabouço
fiscal", o teto de Lula, era o sabido. De mais importante, até agora
incerto, foi a definição do que é receita, o que influencia, claro, a definição
de quanto a despesa pode aumentar.
Não vão entrar na receita os dinheiros de
dividendos de estatais, entre outras restrições mais óbvias (como recursos de
concessões, venda de patrimônio e ganhos com commodities, grosso modo e na
prática).
Qual a vantagem? Não se pode tratar como
permanente a receita derivada de uma alta grande de preços de petróleo ou
pagamentos grandes de dividendos de estatais. São receitas muito variáveis.
Como o crescimento da despesa equivale ao 70% do aumento da receita, poderia
haver alta de despesa baseada em dinheiro que logo poderia secar. É receita
extraordinária e, pois, deve ser utilizada para se pagar dívida. Foi o que não
se fez no Brasil do começo da década passada. Foi o que ajudou a quebrar o
país.
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