O Globo
Lula tem um time de ministros que demonstra
ter clareza do momento vivido pelo Brasil e pelo mundo, e deveria servir de
exemplo para o resto do governo
A terça-feira trouxe uma necessária pausa
na sucessão de gestos e declarações desastrosos de Lula em matéria de política
externa, com o envio do marco fiscal ao Congresso e a retomada da agenda de
construção de consensos em temas concernentes ao combate ao extremismo. O
crescimento da economia — com o cumprimento da promessa de combate à
desigualdade social — e o fortalecimento da democracia são as chaves para o
governo Lula 3 ter êxito e sepultar a ameaça de volta de um bolsonarismo puro
ou reembalado. E, para isso, comprar brigas pueris e desnecessárias com as
democracias liberais do Ocidente é burrice pura e simples.
Lula tem um time de ministros que demonstra
ter clareza do momento vivido pelo Brasil e pelo mundo nesses dois campos, que
foram revirados do avesso desde seus dois primeiros mandatos — aos quais ele
recorre com frequência maior do que a realidade recomenda.
Puxam esse pelotão de auxiliares que olham para a frente e demonstram ter domínio das áreas e saber o que fazer para ampliar o espectro de apoio ao governo: Fernando Haddad, Simone Tebet, Flávio Dino e Alexandre Padilha.
Estão dispostos a engolir sapos, a encarar
extremistas, a comprar brigas impopulares (ou mesmo a se chamuscar em fogo
amigo) e se posicionar por vezes de forma diversa da própria convicção pessoal
ou ideológica para facilitar o caminho de trânsito de projetos e propostas na sociedade
e no Congresso. Essa é a filosofia madura de um governo que se quer de frente
ampla e “reconstrução e união”, para além de slogan vazio.
A construção da proposta fiscal é, também
ela, um exemplo de como essa conjugação de visões — com a consciência de que
muitas vezes se terá de ceder aqui e ali para obter a melhor versão possível —
deveria nortear as ações de toda a Esplanada e, sobretudo, do presidente da
República. Haddad e Tebet provavelmente tinham visões bastante díspares de
política fiscal quando começaram a arregaçar as mangas para colocar o projeto
de pé.
Terminaram a jornada tendo de se unir para
evitar que outros ministros o tornassem mais gelatinoso, poroso e, portanto,
menos crível aos agentes econômicos e mais suscetível a mudanças num Congresso
que cada vez mais quer colocar preço em cada votação e não tem convicção
lulopetista.
Dino peitou as grandes redes sociais ao
chamá-las à sua responsabilidade diante da escalada da radicalização política,
a mesma que levou ao 8 de Janeiro e que nos tornou um país na rota odienta das
ameaças de ataques a escolas. O ministro, assim, se une a Alexandre de Moraes
na pressão sobre essas companhias, um imperativo não só no Brasil, mas em todas
as democracias que se veem ameaçadas pelo extremismo violento.
Essa é a pauta virtuosa, pela qual Lula
deve pegar o microfone. Mais um sinal claro de como suas falas sobre a guerra
na Ucrânia foram desastrosas é que essa agenda une o Brasil às democracias
ocidentais que ele acusou levianamente de contribuírem para a persistência do
conflito, enquanto estendia o tapete a um dos principais orquestradores da
invasão criminosa a Kiev, o chanceler de Putin, Sergei Lavrov, que se sentiu à
vontade para dizer que as visões de Brasília e Moscou sobre a guerra eram
similares.
Muitos dos ataques à democracia engendrados globalmente, inclusive nas redes bolsonaristas, têm na Rússia sua base de lançamento. Esse alinhamento acrítico a Putin precisava de uma correção de rota urgente, e ela começou a vir nesta terça-feira. Que não seja apenas um ponto e vírgula, mas um ponto final na fase de discursos de improviso num tema em que o presidente não é especialista e, portanto, precisa ser orientado pelo Itamaraty com responsabilidade e sentido de buscar o melhor interesse do Brasil.
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