O Globo
Os EUA atravessam tempos difíceis
O governo americano incomodou-se com as
últimas falas de Lula sobre
a China e
a guerra na Ucrânia. Noves fora as impropriedades do presidente, há outra
questão no tabuleiro. É a preguiça com que a diplomacia americana tratou com
ele. Lula foi aos Estados
Unidos em fevereiro, e o Departamento de Estado organizou uma
agenda miserável. Basta compará-la com a agenda chinesa. Espremidas, as duas se
assemelham, com muito pirão e pouca carne. A cenografia chinesa, contudo, foi
hollywoodiana. Isso, sabendo que vieram de Washington, e não de Pequim, os
sinais contrários às aventuras golpistas que circulavam em Brasília.
Há cerca de 50 anos fala-se em uma eventual decadência dos Estados Unidos, e ela ainda não aconteceu. Mesmo assim, coisas estranhas estão acontecendo por lá. Depois de quatro anos de Donald Trump, o país é governado pelo octogenário Joe Biden, e ele sugere que poderá ser candidato à reeleição. Há dias, encenando as corridinhas atléticas de Barack Obama ao subir as escadas do avião presidencial, tropeçou duas vezes. Mantendo o ritmo teatral, foi adiante e caiu. Dias antes, na Irlanda, não percebeu que o sujeito que havia se aproximado dele era o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, filho de indianos.
A pretensão de Biden poderá inibir o
crescimento de alternativas no Partido Democrata. Mau negócio.
Noutra ponta da encrenca americana, a
Suprema Corte não é mais o que foi. Não só porque, pela primeira vez, uma de
suas decisões, sobre a constitucionalidade do aborto, vazou antes de ser
formalizada. Caiu na frigideira o juiz Clarence Thomas. Ele chegou à Corte em
1991, indicado por George Bush I. Negro, simbolicamente ocupava o lugar do
advogado Thurgood Marshall, um campeão da luta pelos direitos civis. Os dois só
tinham em comum a cor da pele.
Há décadas, Thomas pode ser considerado um
dos piores juízes da Corte. Certo mesmo é que ele mal participa dos debates.
Há algumas semanas, foi apanhado beneficiando-se
de luxuosos mimos e hospedagens patrocinadas por um bilionário. Coisa de meio
milhão de dólares. Esse gosto por mordomias já havia sido praticado, em menor
escala, pelo brilhante Antonin Scalia. Vá lá.
Agora, Thomas caiu de novo na roda. Até há
bem pouco tempo, ele declarava regularmente à Receita Federal rendas que
atribuía a uma firma de sua família, mas a empresa havia sido extinta em 2006.
Ele diz que tudo não passou de um engano ao preencher os formulários. Conte-se
essa história ao auditor da Receita do Brasil que segurou as joias sauditas dos
Bolsonaros.
Ao tempo em que Thurgood Marshall estava na
Suprema Corte, ele tinha como colega Abe Fortas, que havia sido advogado
pessoal do presidente Lyndon Johnson. Eram tão próximos que Johnson tentou
promovê-lo a presidente da Corte. (Nos Estados Unidos, esse cargo, como o dos
juízes, é vitalício.) Não conseguiu, mas Fortas continuou na Corte.
Logo depois, o juiz foi apanhado recebendo
US$ 15 mil por nove palestras numa universidade. Na verdade, o capilé vinha de
uma empresa com múltiplos interesses. Em dinheiro de hoje, seriam uns US$ 150
mil.
Juiz recebendo dinheiro de empresas para
fazer palestras? Nada ilegal, tudo declarado. Mesmo assim, Abe Fortas teve de
renunciar e acabou afastado da banca de advocacia que havia fundado. Morreu em
1982, e a viúva do presidente Johnson foi à celebração de sua memória.
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