quarta-feira, 19 de abril de 2023

Marli Olmos - A arte de seduzir um ex-metalúrgico

Valor Econômico

Mais lobistas das montadoras têm sido vistos em Brasília

Passada a viagem presidencial à China, o governo brasileiro tem uma delicada questão para resolver com a indústria automobilística. Refere-se a um pedido de montadoras instaladas no Brasil e que vai contra o que as chinesas lhe pedem. O problema é que atender ao pleito das veteranas no país põe em risco perder investimentos prometidos pelas novatas.

Grandes empresas dessa indústria já pediram a esse governo o fim da isenção do Imposto de Importação para carros elétricos. Mas não são os automóveis de luxo de marcas como a Volvo, líder do segmento, ou BMW, que incomodam fabricantes como Volkswagen e Stellantis.

Esses grupos estão preocupados com a concorrência das chinesas. Sem pagar Imposto de Importação, carros elétricos trazidos da China poderiam concorrer com modelos a combustão produzidos no Brasil.

Contar com a vantagem tributária para carros que hoje são importados tem sido uma condição colocada pelos chineses para os projetos de construção de fábricas no Brasil. A justificativa dessas marcas é que um projeto industrial desse porte precisa ser precedido pela importação, para garantir o tempo de adaptação do produto no mercado e para o consumidor conhecer e se habituar com a marca.

E aí entra o dilema do governo. Atender a um lado vai desagradar ao outro. Uma solução seria o meio termo: aumento gradual do imposto. Mas a velocidade do gradualismo, nesse caso, também provoca polêmica.

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, encontrou-se com Wang Chuanfu, presidente e fundador da BYD, nome da montadora chinesa que se transformou numa das maiores produtoras de veículos elétricos do planeta.

A BYD já anunciou a intenção de investir na Bahia para instalar linhas de produção de carros, ônibus e caminhões elétricos e também uma fábrica de processamento de lítio e fosfato. Chegou a assinar, em 28 de outubro, dois dias antes do segundo turno, um protocolo de intenções com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, quando ele ainda era governador da Bahia.

A BYD não está sozinha nas conversas dos chineses com o governo. A Great Wall, outra gigante do setor, até já se instalou no Brasil. Comprou a fábrica que pertencia à Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP) e prometeu começar a produzir a partir de 2024. O total de investimentos, em etapas, chegaria a um total de R$ 10 bilhões.

A Great Wall coloca, no entanto, como condição a importação de carros com incentivo fiscal por um período mais longo do que desejam os concorrentes. Seus representantes argumentam que o grupo comprou a fábrica e traçou planos de investimento baseado nas regras existentes.

Os argumentos do outro lado do jogo também são fortes. Se chineses podem ameaçar não construir fábricas no Brasil, europeus e japoneses podem ameaçar fechar as existentes. E o caso Ford serve de precedente.

Antes de a Ford fechar três fábricas no país - a mais antiga, em São Bernardo do Campo, no ABC, uma de motores em Taubaté, no interior paulista, e a mais polêmica, em razão dos incentivos envolvidos, em Camaçari (BA) - muitos apostavam que o setor só ameaçava sair do país para obter mais benefícios do governo. Pelos incentivos fiscais que recebeu, a Ford teve que pagar ao governo da Bahia R$ 2,15 bilhões quando fechou a fábrica no Estado.

Além da Ford, a Mercedes-Benz também parou de produzir automóveis. A Audi chegou a parar e voltou no ano passado.

Há outra briga nesse jogo: carro híbrido versus elétrico. A Toyota e a Caoa Chery já produzem híbridos a etanol e outras duas grandes, Stellantis e Volks, planejam fazer o mesmo.

O carro híbrido tem dois motores - um a combustão e outro elétrico. O que funciona com combustível ajuda a carregar o elétrico. O uso de ambos se alterna dependendo da situação. No chamado híbrido leve, o motor a combustão entra em ação, por exemplo, numa subida ou em altas velocidades, enquanto o elétrico serve mais ao uso urbano. Carros 100% elétricos, que no Brasil são todos importados, necessitam ser carregados em tomadas.

Os encantos do carro elétrico sobre os quais Lula e, principalmente, o governador baiano, Jerônimo Rodrigues, ouviram na China serão contestados pelas montadoras que defendem outro caminho para o Brasil.

Há poucos dias, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite, disse ser rara a possibilidade de o Brasil ter uma fábrica de baterias porque isso demandaria investimento de pelo menos US$ 4 bilhões.

Os lobistas da indústria automobilística têm sido vistos com mais frequência em Brasília. Se durante os quatro anos do bolsonarismo eles sequer eram recebidos nos gabinetes dos ministérios e muito menos pelo presidente, prevalece, agora, a esperança de uma volta a tempos passados, em que o diálogos na capital federal, e não apenas nas gestões petistas, eram frequentes para essa indústria.

Nessa movimentação, o grupo das veteranas voltará a jogar forte pelo lado do emprego, questão de honra num governo petista. Os carros híbridos, que essa turma defende, têm quantidade de peças semelhante à dos veículos a combustão. Isso significa preservar parque de fornecedores e nível de emprego nas montadoras e autopeças.

Uma reportagem publicada pelo “The New York Times” no início do mês mostra um comparativo que poderia facilmente servir ao grupo contrário aos elétricos nas conversas com o governo. O jornal comparou o número de empregados nas linhas de montagem em duas fábricas, nos Estados Unidos, de um mesmo veículo - a picape F-150. A fábrica que produz o modelo convencional, com motor a combustão, tem 4,2 mil operários. Já a linha da F-150 elétrica funciona com 720.

Na mesma matéria, Steve Nofke, metalúrgico que há 25 anos trabalha na produção de motores a combustão diz: “Nunca vimos nada parecido com o que está acontecendo agora.” Não há presidente da República ex-metalúrgico que resista a isso.

 

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