Valor Econômico
Mais lobistas das montadoras têm sido
vistos em Brasília
Passada a viagem presidencial à China, o
governo brasileiro tem uma delicada questão para resolver com a indústria
automobilística. Refere-se a um pedido de montadoras instaladas no Brasil e que
vai contra o que as chinesas lhe pedem. O problema é que atender ao pleito das
veteranas no país põe em risco perder investimentos prometidos pelas novatas.
Grandes empresas dessa indústria já pediram
a esse governo o fim da isenção do Imposto de Importação para carros elétricos.
Mas não são os automóveis de luxo de marcas como a Volvo, líder do segmento, ou
BMW, que incomodam fabricantes como Volkswagen e Stellantis.
Esses grupos estão preocupados com a
concorrência das chinesas. Sem pagar Imposto de Importação, carros elétricos
trazidos da China poderiam concorrer com modelos a combustão produzidos no Brasil.
Contar com a vantagem tributária para carros que hoje são importados tem sido uma condição colocada pelos chineses para os projetos de construção de fábricas no Brasil. A justificativa dessas marcas é que um projeto industrial desse porte precisa ser precedido pela importação, para garantir o tempo de adaptação do produto no mercado e para o consumidor conhecer e se habituar com a marca.
E aí entra o dilema do governo. Atender a
um lado vai desagradar ao outro. Uma solução seria o meio termo: aumento
gradual do imposto. Mas a velocidade do gradualismo, nesse caso, também provoca
polêmica.
Na semana passada, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, encontrou-se com Wang Chuanfu, presidente e fundador da BYD,
nome da montadora chinesa que se transformou numa das maiores produtoras de
veículos elétricos do planeta.
A BYD já anunciou a intenção de investir na
Bahia para instalar linhas de produção de carros, ônibus e caminhões elétricos
e também uma fábrica de processamento de lítio e fosfato. Chegou a assinar, em
28 de outubro, dois dias antes do segundo turno, um protocolo de intenções com
o ministro da Casa Civil, Rui Costa, quando ele ainda era governador da Bahia.
A BYD não está sozinha nas conversas dos
chineses com o governo. A Great Wall, outra gigante do setor, até já se
instalou no Brasil. Comprou a fábrica que pertencia à Mercedes-Benz em
Iracemápolis (SP) e prometeu começar a produzir a partir de 2024. O total de
investimentos, em etapas, chegaria a um total de R$ 10 bilhões.
A Great Wall coloca, no entanto, como
condição a importação de carros com incentivo fiscal por um período mais longo
do que desejam os concorrentes. Seus representantes argumentam que o grupo
comprou a fábrica e traçou planos de investimento baseado nas regras
existentes.
Os argumentos do outro lado do jogo também
são fortes. Se chineses podem ameaçar não construir fábricas no Brasil,
europeus e japoneses podem ameaçar fechar as existentes. E o caso Ford serve de
precedente.
Antes de a Ford fechar três fábricas no
país - a mais antiga, em São Bernardo do Campo, no ABC, uma de motores em
Taubaté, no interior paulista, e a mais polêmica, em razão dos incentivos
envolvidos, em Camaçari (BA) - muitos apostavam que o setor só ameaçava sair do
país para obter mais benefícios do governo. Pelos incentivos fiscais que
recebeu, a Ford teve que pagar ao governo da Bahia R$ 2,15 bilhões quando
fechou a fábrica no Estado.
Além da Ford, a Mercedes-Benz também parou
de produzir automóveis. A Audi chegou a parar e voltou no ano passado.
Há outra briga nesse jogo: carro híbrido
versus elétrico. A Toyota e a Caoa Chery já produzem híbridos a etanol e outras
duas grandes, Stellantis e Volks, planejam fazer o mesmo.
O carro híbrido tem dois motores - um a
combustão e outro elétrico. O que funciona com combustível ajuda a carregar o
elétrico. O uso de ambos se alterna dependendo da situação. No chamado híbrido
leve, o motor a combustão entra em ação, por exemplo, numa subida ou em altas
velocidades, enquanto o elétrico serve mais ao uso urbano. Carros 100%
elétricos, que no Brasil são todos importados, necessitam ser carregados em
tomadas.
Os encantos do carro elétrico sobre os
quais Lula e, principalmente, o governador baiano, Jerônimo Rodrigues, ouviram
na China serão contestados pelas montadoras que defendem outro caminho para o
Brasil.
Há poucos dias, o presidente da Associação
Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima
Leite, disse ser rara a possibilidade de o Brasil ter uma fábrica de baterias
porque isso demandaria investimento de pelo menos US$ 4 bilhões.
Os lobistas da indústria automobilística
têm sido vistos com mais frequência em Brasília. Se durante os quatro anos do
bolsonarismo eles sequer eram recebidos nos gabinetes dos ministérios e muito
menos pelo presidente, prevalece, agora, a esperança de uma volta a tempos
passados, em que o diálogos na capital federal, e não apenas nas gestões
petistas, eram frequentes para essa indústria.
Nessa movimentação, o grupo das veteranas
voltará a jogar forte pelo lado do emprego, questão de honra num governo
petista. Os carros híbridos, que essa turma defende, têm quantidade de peças
semelhante à dos veículos a combustão. Isso significa preservar parque de
fornecedores e nível de emprego nas montadoras e autopeças.
Uma reportagem publicada pelo “The New York
Times” no início do mês mostra um comparativo que poderia facilmente servir ao
grupo contrário aos elétricos nas conversas com o governo. O jornal comparou o
número de empregados nas linhas de montagem em duas fábricas, nos Estados
Unidos, de um mesmo veículo - a picape F-150. A fábrica que produz o modelo
convencional, com motor a combustão, tem 4,2 mil operários. Já a linha da F-150
elétrica funciona com 720.
Na mesma matéria, Steve Nofke, metalúrgico
que há 25 anos trabalha na produção de motores a combustão diz: “Nunca vimos
nada parecido com o que está acontecendo agora.” Não há presidente da República
ex-metalúrgico que resista a isso.
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