O Globo
O problema que pesou no mercado foi, de um
lado, a avaliação apressada de alguns pontos das novas regras e, de outro, a
sensação de que revogar subsídios será uma tarefa difícil
No princípio, não havia nada, exceto o
aviso do presidente Lula de que eliminaria o teto de gastos. Neste abril,
quarto mês desde a posse, o governo tem uma proposta de disciplinar o
crescimento dos gastos sempre abaixo da alta das receitas tramitando no Congresso,
com perspectiva de aprovação rápida. Entre um ponto e outro, houve muita
costura política interna e externa do ministro Fernando Haddad e de toda a
equipe econômica. E a elaboração de uma proposta técnica que não tem algumas
das irracionalidades da antiga regra fiscal e tem várias qualidades.
O teto de gastos, como disse a ministra Simone Tebet, “ruiu” e “caiu em cima da nossa casa”. Foi muitas vezes desrespeitado pelo governo anterior. Uma das críticas no mercado financeiro é de que a nova regra de gastos eliminou o contingenciamento e a punição para o governante que descumprir os limites, que há na Lei de Responsabilidade Fiscal.
A LRF impõe até a perda de mandato. A
presidente Dilma enfrentou entre as acusações que a levaram ao impeachment o
fato de ter usado bancos públicos para pagamento de despesas orçamentárias, o
que é proibido pela LRF e, desta forma, “pedalado” despesas. Será que os jovens
economistas do mercado financeiro entenderam o que aconteceu no país no governo
Bolsonaro?
O ex-presidente, junto ao seu ministro
liberal Paulo Guedes, jogou para os governos seguintes o pagamento de
precatórios. Rolou uma grande parte da dívida e isso virou uma
bola de neve. O que Bolsonaro fez foi calote e foi também descumprimento da
LRF, que impede empurrar despesas para os governos seguintes. E ficou impune.
Bolsonaro cometeu outros crimes, gravíssimos. O principal deles foi o atentado
contra a democracia, mas também desrespeitou a LRF. E ficou por isso mesmo.
Está escrito no texto do projeto que a Lei
Complementar do novo regime fiscal “não afasta as limitações e as
condicionantes para geração de despesa e renúncia de receita estabelecidas na
Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000”. A 101 é a LRF.
Foram feitas críticas às exceções. São 13.
Mas várias delas são princípios que estão na Constituição e que, por óbvio, não
podem ser modificados por lei complementar. Há exceções para as despesas que
forem cobertas por receitas próprias das universidades e doações para o Meio
Ambiente. Isso corrige um erro crasso do teto de gastos.
Há preocupações procedentes. O cálculo da
receita real, na visão de um especialista, não é a forma técnica mais correta
de fazer essa apuração. É preciso ficar de olho nos aportes do Tesouro nas
estatais não financeiras, porque isso ficou fora do limite fiscal. Foi
resultado de um debate interno acirrado, com a área econômica querendo colocar
todos os aportes em estatais dentro dos limites, e a ala política querendo
deixar tudo fora. Fechou-se no meio termo. Deixar os bancos públicos dentro dos
controles da nova regra fiscal e deixar de fora as outras estatais. Aí que mora
o pior perigo. O BNDES, no passado, recebeu aquela exorbitância de
transferências do Tesouro — que a atual diretoria do banco gosta de dizer que a
instituição pagou quase toda, e com juros — e o rombo da Caixa que exigia um
aporte de R$ 10 bi. Acabou não sendo feito porque, no governo Temer, a
secretária do Tesouro Ana Paula Vescovi conduziu um duro ajuste na instituição.
Mas o rombo nasceu do uso político da Caixa no governo PT. Aliás, o governo
Bolsonaro fez também uso político da Caixa.
O problema
que pesou ontem no mercado, elevando o dólar foi, de um lado, a
avaliação apressada de alguns pontos do arcabouço, de outro, a sensação de que
combater a sonegação e revogar os subsídios será muito mais difícil do que
imagina o ministro Fernando Haddad. O caso da isenção dos US$ 50 dos portais
das varejistas asiáticas mostrou um processo decisório tortuoso dentro do
governo, com interferências totalmente estrangeiras à área econômica. Não foi
pelos US$ 50 da isenção, que acabou mantida, mas pelas pressões palacianas que
levaram à decisão do recuo do governo.
O caminho do combate à sonegação e da
redução das renúncias fiscais é, como já disse aqui, muito pedregoso. Houve uma
reunião no Palácio para discutir arcabouço na qual 80% do tempo se falou dessas
compras on-line e da impopularidade nas redes sociais. Isso acendeu uma luz
amarela em quem acompanha a economia brasileira. Haddad precisará virar esse
jogo.
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