sexta-feira, 2 de junho de 2023

Andrea Jubé - Presidente operou na crise da MP, mas resiste ao papel

Valor Econômico

Presidente falou com líderes e dirigentes partidários e telefonou para o presidente da Câmara, com quem teve uma conversa 'dura'

Apesar do tom de otimismo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o placar de aprovação da medida provisória de reestruturação do governo na Câmara dos Deputados, a realidade é que ele teve de finalmente entrar em campo na articulação política para evitar a derrota. Chamado pelos aliados de “Pelé da articulação”, ele vinha postergando a participação no jogo político.

Lula passou a quarta-feira em reuniões e ligações para líderes e dirigentes partidários. Telefonou para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com quem teve uma conversa “dura”, segundo relato de um deputado da base governista a par do assunto. Depois de falar com Lira, Lula reuniu-se pessoalmente com o líder do União Brasil, deputado Elmar Nascimento (BA), homem de confiança do alagoano.

Num contexto em que muitos líderes de bancadas estavam refratários a conversar com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, Lula falou por telefone com o líder do bloco MDB-PSD-Republicanos-Podemos-PSC e relator da medida provisória, Isnaldo Bulhões (AL), com o líder do Republicanos, Hugo Motta (PB), com o presidente do PSD, Gilberto Kassab, entre outros.

No conjunto das conversas, Lula ouviu relatos de descontentamento com o relacionamento com o Palácio do Planalto e reivindicações de mais espaço na Esplanada. Emissários de Arthur Lira deixaram claro que o grupo político do alagoano pleiteia indicar nomes para os três ministérios ocupados pelo União Brasil (Turismo, Desenvolvimento e Integração Regional e Comunicações), além de Embratur e Correios. A principal cobiça recai sobre o Ministério da Saúde, porque alegam que a ministra Nísia Trindade é uma “técnica”, que não teria votos no plenário.

Há várias semanas, Arthur Lira fazia gestos e dava recados nas declarações públicas alardeando a insatisfação dos deputados com a articulação política do governo. Já havia imposto derrotas relevantes ao Planalto, como a suspensão de trechos dos decretos presidenciais que alteraram dispositivos do novo marco regulatório do saneamento.

Além das reclamações pela lentidão na liberação das emendas e na nomeação de apadrinhados para cargos federais, os parlamentares também estão incomodados com o tratamento pessoal. Uma boa parte quer ser recebida ou falar por telefone com Lula, e muitos lamentam que não conseguem reunir-se com Padilha.

Segundo um ministro influente, Lula não deverá ceder todos os espaços pleiteados pelo grupo de Lira, mas será obrigado a entregar nacos de poder para reduzir o nível de turbulência na Câmara.

Uma das pastas já oferecida ao grupo é a do Turismo, da ministra Daniela Carneiro, que se desfiliou do União Brasil e deve ingressar no Republicanos.

Ainda segundo este ministro, Lula retardou sua entrada em campo como articulador pelo menos por dois motivos. Em primeiro lugar, porque seu foco está nas relações internacionais. Em uma única semana, depois da conturbada visita oficial do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e da cúpula com presidentes dos países da América do Sul, Lula ainda falou por telefone com o Papa Francisco, e recebeu o presidente da Finlândia.

O Palácio do Itamaraty já articula uma visita de Lula à França para participar de um congresso de economia e sustentabilidade a convite do presidente Emmanuel Macron. Na oportunidade, Lula emendaria compromissos oficiais na Itália e no Vaticano, com o Papa. A se confirmar, a viagem ocorreria entre 18 e 24 de junho, contrariando as apostas de que, em junho, o mandatário passaria um mês completo no Brasil pela primeira vez desde a posse.

Ao mesmo tempo, segundo este ministro, Lula deu tempo para que os articuladores políticos do governo solucionassem a crise, o que não ocorreu. Em ação, Lula foi bem sucedido na aposta de contornar a crise no campo da política, sem precisar recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), como alguns auxiliares sugeriram.

Mas o presidente está resistente a operar com mais frequência. Completados cinco meses de governo, ele não se reuniu sequer com as bancadas do PT, quanto mais com as dos demais partidos da coalizão governista. Na visão de um petista influente, se Lula continuar distante do Congresso, o desfecho da próxima crise com o Legislativo poderá ser amargo.

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