sexta-feira, 2 de junho de 2023

Vera Magalhães - Pacheco vai matar tudo no peito?

O Globo

Presidente do Senado topa correr com MP, engavetar marco temporal e votar Zanin para o STF, mas com qual expectativa?

Diante da humilhação pública imposta por Arthur Lira a Lula na votação da Medida Provisória da estrutura do governo, a rapidez e a facilidade com que a proposta tramitou no Senado transformou Rodrigo Pacheco numa espécie de salvador da pátria do governo.

Não foi só na votação da MP que Pacheco levou alívio a um governo que estava nas cordas na Casa vizinha. Ele também confirmou a expectativa de que o Projeto de Lei que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas não correrá no Senado como na Câmara. E listou outras propostas que retiravam direitos dos povos originários que não prosperaram com os senadores.

Por fim, tudo leva a crer que a indicação de Cristiano Zanin ao Supremo Tribunal Federal, enfim confirmada para surpresa de ninguém, será aprovada com agilidade e tranquilidade na Casa, sem o sufoco que Davi Alcolumbre impôs ao último nomeado para a Corte, André Mendonça.

O que explica a boa vontade de Pacheco com Lula, que destoa de maneira tão explícita do jogo bruto de Lira? E, principalmente: será possível esperar que o presidente do Senado mate no peito todas as bolas quadradas do governo?

Aliados do presidente do Senado não escondem que seu sonho seria chegar ao STF. Houve discreta movimentação nesse sentido com uma ideia meio maluca de fazer um combo “dois em um” e esperar a aposentadoria de Rosa Weber, em outubro, antes de aprovar o sucessor de Ricardo Lewandowski. O cálculo, segundo os que venderam esse balão de ensaio, seria forçar Lula a indicar Pacheco na outra vaga para que o Senado não impusesse uma derrota a Zanin.

Mas não será simples para o presidente indicar outro homem branco para a Corte depois de nomear seu próprio advogado de defesa na primeira oportunidade — e dizer, alto e bom som, que não tomou a decisão “apenas” porque Zanin o defendeu na Lava-Jato.

A própria presidente do Supremo, Rosa Weber, que nunca manda recado algum e raramente dá qualquer declaração, usou um encontro com o presidente da Finlândia, Sauli Niinistö, para dizer que a representação feminina na cúpula do Judiciário é “ínfima”. A cobrança em cima de Lula se intensifica também entre os juristas que apoiaram sua candidatura, e, até outubro, a pressão pela escolha de uma mulher, de preferência uma mulher negra, será imensa.

Se continuar a atuar como goleiro de um governo com zaga e ataque dizimados, Pacheco pode querer se cacifar com uma lista de serviços prestados, mas seria um peso simbólico gigantesco para Lula ser o presidente que reduziu, em vez de ampliar, a participação feminina na mais alta Corte de Justiça.

Há outros riscos no horizonte da articulação política no hoje cordato Senado Federal. Caso cumpra um dos desejos de Lira e mexa na composição do ministério, desalojando os indicados do União Brasil que até agora não justificaram a nomeação, Lula poderá se indispor com Davi Alcolumbre, padrinho de ao menos dois deles e um operador que lembra mais o estilo do presidente da Câmara que de seu sucessor no comando do Senado.

Basta lembrar que o senador do Amapá já pôs a boca no trombone diante da negativa do Ibama para a prospecção de petróleo em seu estado e ajudou a colocar várias das maldades na MP dos ministérios, na função de presidente da comissão especial que analisou o texto.

Pode parecer ao leitor que a fulanização de personagens do Congresso é de menor relevância, mas ela é crucial quando se tem um governo fraco na articulação política, que depende da benevolência do comando das duas Casas para ver sua pauta avançar e não ser surpreendido com outras que são a completa negação de seu programa.

O mar no Senado, por enquanto, é menos bravio que na Câmara. A dúvida é quanto dessa calmaria vem da esperança de Pacheco de que poderá ser reconhecido lá na frente. E em que medida a frustração dessa expectativa poderá mudar a maré.

 

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