sexta-feira, 2 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Agricultura impulsiona PIB surpreendente de 1,9%

Valor Econômico

É uma expansão em linha com a medíocre observada nos últimos anos

A economia brasileira cresceu mais no primeiro trimestre deste ano do que em qualquer outro trimestre em 15 anos, excetuados os subsequentes à crise financeira de 2008 e à pandemia de 2020. O PIB subiu 4% em doze meses, 1,9% em relação ao mesmo período do fim de 2022 e 3,3% em quatro trimestres ante os quatro anteriores. Esses resultados são muito superiores aos que eram esperados -1,3% trimestre contra trimestre anterior - pela mediana dos analistas (77 na amostra do Valor). A surpresa pode ser pontual, mas é boa: as expectativas de crescimento foram elevadas de maneira geral e ultrapassam 2%, aposta antes feita por um minúsculo grupo de bancos e consultorias.

O desempenho da economia mostra, em primeiro lugar, que o pessimismo dos analistas foi exagerado, o que se tornou uma tradição. Por outro, mostra que a fúria do presidente Lula contra os juros altos e a política monetária também foi exagerada, porque a desaceleração ainda não veio. Para o Banco Central, o enigma já vem de alguns meses: por que a enorme carga de juros não consegue derrubar a inflação com maior rapidez do que a que tem ocorrido?

Os números do PIB indicam que os impulsos para o crescimento econômico estão cada vez mais restritos - basicamente foi a agricultura que sustentou a performance do primeiro trimestre. De qualquer forma, o avanço do primeiro trimestre deixou um carregamento estatístico de 2,4%, indicando que, se tudo continuar igual até o fim do ano, e não houver expansão nos próximos trimestres, este será o resultado final. Considerada a comparação interanual, a economia não só não está desacelerando, como foi previsto, mas, pontualmente, acelerando. O PIB avança 4% nesta comparação, a indústria, 1,9% e os serviços, 2,9%. Pelo lado da demanda, o consumo das famílias subiu 3,5%, com os investimentos correndo no fim da fila e quase parando, com evolução de 0,8%.

O impulso da agropecuária foi muito mais forte do que era estimado: 21,6% de expansão no primeiro trimestre, ante o último trimestre do ano passado, e 18,8% em relação ao primeiro de 2022. Na conta entram não só uma safra recorde, possivelmente de 310 milhões de toneladas, mas também base de comparação rebaixada por problemas climáticos, com quatro trimestres consecutivos de retração ou crescimento baixo. O empuxe do campo chamou a atenção para sua disseminação tanto pelo setor de transportes e armazenamento, influenciados pelo desenrolar da colheita, como pelo aumento dos estoques. Segundo Alberto Ramos, diretor de pesquisas para América Latina do Goldman Sachs, a evolução dos estoques contribuiu com 1,2 ponto percentual de 1,9% do PIB.

Pela magnitude excepcional, a contribuição da agricultura não se repetirá. Os demais setores de atividade econômica estão agindo na direção contrária e a demanda continua se retraindo. Embora o consumo das famílias apresente bom comportamento em doze meses, na ponta está estagnado - 0,2% no primeiro trimestre do ano em relação ao anterior. O aumento dos gastos com o Bolsa Família e os diversos estímulos fiscais do ano eleitoral estão em vias de esgotamento, mas serão repostos por outros, como o aumento real do salário mínimo, a partir de maio, a redução do imposto de renda na fonte, de vigência imediata e o efeito líquido positivo, entre, de um lado, a redução dos preços dos combustíveis, e, de outro, a elevação dos tributos com o fim da desoneração determinada no governo Bolsonaro.

A expectativa de desaceleração da economia, reiterada meses a fio, e desmentida pelos números, deve, porém, se realizar agora. O PIB do primeiro trimestre mostra a fraqueza da demanda doméstica. Cálculos de Ramos, do Goldman Sachs, mostram que o desempenho dos investimentos, do consumo das famílias e do governo, excluída a variação dos estoques, contribuiu para retirar 0,5 ponto percentual do resultado trimestral. A médio prazo, para a sustentabilidade da expansão, preocupa a situação dos investimentos, com uma queda de 3,4% em doze meses, o dobro do que esperavam os analistas. A participação do setor externo elevou em 1,2 ponto percentual o PIB, mas a composição não é benéfica. As exportações caíram um pouco, o que não é um grande problema, mas as importações caíram mais, o que é um sinal seguro de fragilidade da demanda doméstica.

A boa nova do PIB do primeiro trimestre tende a mudar para melhor as expectativas dos agentes econômicos. A inflação está caindo, ainda que vagarosamente (o ímpeto inesperado da economia conta nisso), o desemprego parou de aumentar, o crédito não está encolhendo com o vigor e a rapidez esperadas depois do colapso da Americanas e de outras grandes empresas e o câmbio oscila em torno de um nível menor nos últimos meses. O crescimento deve ser mais baixo nos trimestres seguintes, mas, ainda assim, ultrapassar 2%, bem mais do que se vislumbrava no início do ano. É uma expansão em linha com a medíocre observada nos últimos anos, mas apenas o fato de que não haverá piora já é um alívio e tanto.

Obesidade infantil

Correio Braziliense

Mais de 340 mil crianças brasileiras acompanhadas pelo SUS, com idades entre 5 e 10 anos, são obesas

Amanhã (3 de junho) é o Dia da Conscientização contra a Obesidade Mórbida Infantil. Infelizmente, mais de 340 mil crianças brasileiras acompanhadas pelo SUS, com idades entre 5 e 10 anos, são obesas. Os dados são da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), junto com o Sistema Único de Saúde. Desde 2022, inclusive, a obesidade é considerada um problema de saúde pública.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a estimativa é de que até 2025 o Brasil tenha 11,3 milhões de crianças obesas, caso as autoridades e a sociedade como um todo não encontrem, urgentemente, soluções viáveis para o problema.

O que define uma criança obesa, segundo os especialistas, é o Índice de Massa Corporal (IMC), calculado a partir da relação entre peso e altura (divisão), sendo que o primeiro é medido em quilos e o segundo em metros ao quadrado. Crianças com o percentual de IMC acima de 95 são consideradas obesas.

Uma alimentação saudável, a prática de atividades físicas e consultas regulares com o pediatra são fatores que constam em todas as cartilhas endereçadas às crianças, inclusive na Caderneta de Saúde da Criança, do Ministério da Saúde, documento que todos os pais recebem assim que o bebê nasce. O livreto traz inclusive dados sobre peso, comprimento, altura e IMC - todos relacionados à idade (até 10 anos).

Cabe aos pais ou aos cuidadores a função de observar a alimentação da criança, assim que perceber que ela está acima do peso, a quantidade de exercícios físicos que ela pratica (o recomendado pelos pediatras é uma média de 60 minutos de atividade aeróbica moderada por dia para crianças e adolescentes) e até mesmo se está crescendo adequadamente.

É verdade que o fator genético deve ser levado em consideração. É comum que pais obesos tenham filhos também obesos. Os especialistas dizem que pais com obesidade apresentam 80% de chance de terem crianças com o mesmo quadro. Esse número pode cair para 40%, se apenas um dos pais for obeso, e para 10%, se os pais tiverem uma alimentação de qualidade.

A começar pelo café da manhã, seguido das outras refeições durante o dia, a mudança de hábitos é essencial para que este quadro retroceda. Sedentarismo, excesso de exposição às telas — seja televisão, celular, videogame e tantos outros aparatos tecnológicos — e uma alimentação à base de sanduíches, refrigerantes e doces precisam ser banidos do dia a dia das famílias brasileiras.

Vale lembrar que o tempo de tela superior a duas horas pode aumentar o risco de desenvolver obesidade em 42%, e, por outro lado, a atividade física pode reduzir o risco de obesidade em 30%. Mas, se pensarmos que a educação física oferecida nas escolas talvez seja a única oportunidade que as crianças têm de se exercitar, a reversão dos elevados números de obesidade infantil no Brasil é um problema de difícil solução.

Somente com o engajamento entre a família, a escola, os especialistas e os órgãos de saúde — e aqui estão incluídos o Ministério da Saúde, as secretarias municipais e estaduais — será possível fazer com que nossas crianças tenham acesso a uma alimentação saudável, com um desenvolvimento pleno e, consequentemente, com índices menos desastrosos do que os citados acima.

Senado tem de submeter Zanin a sabatina rigorosa

O Globo

Indicação de advogado particular ao STF mostra Lula mais preocupado com fidelidade do que com prestígio

Num movimento esperado por todos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou seu advogado particular nos casos da Operação Lava-Jato, Cristiano Zanin Martins, para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao assumir em janeiro, Lula sabia que, em razão das aposentadorias compulsórias dos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, poderia fazer duas indicações ao Supremo neste ano.

Lula ficou insatisfeito com vários nomes que indicara para a Corte em seus dois primeiros mandatos, em especial os ex-ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa, que votaram contra os interesses dele e do PT em processos como o mensalão. Em declaração recente revelada pelo blog da colunista do GLOBO Malu Gaspar, Lula queixou-se de ter seguido, nas indicações, os conselhos de juristas como Márcio Thomaz Bastos e Sigmaringa Seixas.

Agora, ele não parece nem um pouco interessado em nomear juízes que representem minorias desfavorecidas ou usufruam o prestígio de carreiras bem-sucedidas na academia e nos tribunais. A indicação de Zanin deixa claro que seu critério tem menos relação com as exigências constitucionais para ocupar uma cadeira no STF — reputação ilibada e notório saber jurídico — do que com a fidelidade pessoal. Não que Zanin deixe de satisfazer a essas exigências. Ao contrário: ele é um jurista extremamente capaz, de conhecimentos sólidos, perfil sereno e dedicado, que demonstrou enorme comando das filigranas da lei ao longo dos processos da Lava-Jato. Mas ninguém tem dúvida de que não foram esses os motivos que lhe garantiram a indicação.

Confirmado o nome, a Constituição é clara: cabe ao Senado fazer um exame rigoroso. O primeiro passo será dado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde Zanin será submetido à tradicional sabatina. É conhecida a deferência com que os senadores têm tratado todos os indicados ao Supremo. Seja por desconhecimento, seja por medo de ser julgados pelo sabatinado no futuro, os senadores raramente o submetem a uma inquirição dura. Boa parte das perguntas segue um roteiro meramente protocolar, e desde o governo de Floriano Peixoto ninguém foi barrado pelo Senado. Não deveria ser assim.

Desta vez, a presença de oposicionistas de destaque na CCJ traz alguma esperança de que o Senado cumpra seu dever com mais competência. As principais emoções ficarão naturalmente a cargo das questões feitas pelo ex-juiz e hoje senador da CCJ Sergio Moro (União-PR), algoz de Lula e nêmesis de Zanin durante a Lava-Jato. Dificilmente, porém, Zanin será vetado. Depois da sabatina, precisará em plenário de apenas 41 votos entre os 81 senadores

Para ele, o desafio será livrar-se da pecha de ter sido indicado pelo motivo errado. O Supremo tem longo histórico de ministros que se libertaram das amarras que os prendiam aos presidentes responsáveis por escolhê-los. Nos dois primeiros mandatos, Lula indicou oito nomes ao STF, e apenas Lewandowski continuou sendo visto como caninamente fiel aos petistas. A maioria entendeu que o compromisso de quem é agraciado com a honra de integrar a mais alta Corte é com o Brasil, não com um líder político, partido ou ideologia. Com 47 anos, Zanin poderá ficar no Supremo até 2050. Terá tempo de sobra para demonstrar se pretende corresponder às demandas de Lula ou aos anseios do país.

Rastrear gado para conceder crédito representa avanço para Amazônia

O Globo

Decisão da Febraban enfrentará desafios, mas poderá representar salto no combate ao crime ambiental

É bem-vinda a decisão da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) de condicionar a concessão de crédito para frigoríficos e matadouros dos nove estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão) à adoção de um sistema de rastreabilidade e monitoramento do gado. O protocolo, defendido por mais de 20 bancos — entre os quais Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander —, prevê um prazo até dezembro de 2025 para que os clientes tenham como comprovar por onde os animais passaram antes de ser abatidos.

O Brasil tem 224,5 milhões de cabeças de gado, um dos maiores rebanhos do mundo, e cerca de 4.400 frigoríficos. Juntos, eles produzem mais de 8 milhões de toneladas de carne por ano. O Centro-Oeste responde por mais de um terço do total, segundo dados do IBGE. Em segundo lugar estão os estados da Região Norte (21,5%), onde a expansão da pecuária e o desmatamento ilegal andam de mãos dadas.

Não resta dúvida de que secar o crédito para quem lucra com atividades que contribuem para o aquecimento global pode se transformar num instrumento poderoso em favor da preservação de biomas, além de também livrar os bancos da pecha de conivência. Mas, passado o anúncio do novo regulamento, a Febraban terá de se debruçar sobre os detalhes.

O Brasil conta com um sistema de rastreabilidade e monitoramento da cadeia da pecuária desde 2002. Esforços para melhorar a cobertura na região amazônica têm sido feitos há mais de uma década. Já foi constatado que o custo de implantação para os pequenos produtores não é desprezível. Embora tenha havido resultados positivos, é enorme a quantidade de problemas por resolver. Os criminosos ambientais escolhem a pecuária por uma razão compreensível. O que está plantado em área de desmatamento ilegal não pode ser transportado nos dias em que há fiscalização. Mas o gado é móvel.

Em geral os frigoríficos exigem apenas documentação com informações sobre a última procedência dos animais. Tal prática encobre o histórico anterior à compra pelo fornecedor. São comuns também casos de uma prática conhecida como “lavagem de animais”. Fazendas “sujas” vendem gado com documentos de propriedades “limpas”, abrindo facilmente as portas dos frigoríficos aos produtos ilegais.

Dada a história de eficiência dos bancos brasileiros, é esperado que esses e outros problemas sejam sanados. Sem uma vigilância abrangente e eficaz dos fornecedores indiretos e dos casos de documentação fraudulenta, o programa de crédito ambientalmente responsável da Febraban terá efeito limitado no combate ao desmatamento. Se os desafios forem vencidos, porém, poderá representar um salto significativo no combate aos crimes ambientais no Brasil.

Salvo pelo agro

Folha de S. Paulo

Campo puxa alta do PIB, mas melhora ampla depende de boa política econômica

Com a alta de 21,6% no desempenho da agropecuária no primeiro trimestre, a economia brasileira surpreendeu positivamente —o crescimento do Produto Interno Bruto no período foi de 1,9%, acima das projeções de analistas de mercado, que rondavam 1,2%.

Devem subir, portanto, as expectativas para o ano. Caso a atividade se mantenha estável, o resultado do primeiro trimestre já proporciona um avanço de 2,4% em 2023.

Favorecida pelo clima e pelo contínuo avanço tecnológico, que impulsiona a produção sem aumento concomitante da área plantada, a safra crescerá cerca de 15% neste ano, segundo estimativas mais recentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Com impactos na produção de máquinas e nos serviços associados, a renda agrícola se espalha nas regiões produtoras e favorece segmentos como o de transportes. É esperado, porém, que o ritmo arrefeça, já que a colheita surpreendente traz dificuldades de estocagem e escoamento.

Já o restante da economia mostra pouco vigor e tendência de desaceleração. O consumo subiu apenas 0,2%, e o investimento teve queda de 3,4%, a segunda consecutiva. Com o aperto monetário dos últimos meses, o agravamento da escassez de crédito e menor expansão da renda das famílias, não será surpresa uma piora adiante.

Como contraponto há a ampliação das transferências assistenciais do governo para famílias mais pobres —além da queda do desemprego para o patamar em torno de 8,5%, não muito distante dos menores em anos recentes.

Some-se a isso o legado positivo de reformas aprovadas nos últimos anos, como a trabalhista, concebida para facilitar as contratações com carteira assinada.

A melhora nos modelos de concessões de infraestrutura garantiu razoável número de projetos em andamento, como no saneamento —ora objeto de contestação por forças retrógradas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ademais, deve haver expansão em setores produtivos importantes para a renda nacional, como extração de petróleo e gás.

No geral, o país começou este 2023 em situação razoável, que, entretanto, precisa do amparo de boas políticas públicas.

Reverter reformas importantes, recuar no ajuste dos bancos públicos e empresas estatais e afugentar investimentos com ameaças de descontrole orçamentário seriam ações contraproducentes.

Sinais no sentido correto contribuirão para o aumento da confiança geral e facilitarão o corte dos juros do Banco Central —passo necessário, embora não suficiente, para a retomada do crescimento duradouro da renda nacional.

Fiasco regional

Folha de S. Paulo

Lula tem novo tropeço diplomático ao ver frustrado seu intento de reviver Unasul

Sob Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a política externa foi alçada ao patamar de prioridade governamental. O mandatário parece disposto a reviver os tempos em que foi louvado pelo então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

A princípio, nada há de errado com tal objetivo. Trata-se, inclusive, de estabelecer um contraste com o antecessor, Jair Bolsonaro (PL), que comandou um vexatório isolamento internacional do país.

Temas como a defesa de princípios democráticos, a segurança alimentar e a mudança climática se apresentavam como oportunidades naturais para que o líder petista recebesse aplausos no cenário internacional. As chances, porém, não foram bem aproveitadas.

Lula passou a acumular declarações e atos desastrados, que espelham a megalomania vista nos dois primeiros mandatos.

A inicialmente boa ideia de propor mediação no tema da Guerra da Ucrânia tornou-se um vaivém de afirmações desencontradas, ora querendo agradar à Rússia, ora buscando remediar a má repercussão. O desejável bom relacionamento com a China se fez acompanhar de surtos de diatribes antiamericanas pueris.

O mais recente episódio se deu na reunião com 11 países sul-americanos em Brasília, nesta semana. Lula fez da correta abertura à Venezuela uma sessão de apologia à ditadura chavista. Acabou admoestado, entre outros, pelo presidente chileno Gabriel Boric, um esquerdista que não tem compactuado com regimes autoritários.

Não satisfeito, o brasileiro dobrou a aposta ao tentar a reativação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), um fórum criado em 2008 por Lula e aliados ideológicos então no poder.

A entidade subsiste de forma fantasmagórica: 6 dos 12 fundadores a abandonaram. O Brasil chegou a sair sob Bolsonaro, num ato depois revertido por Lula.

A integração econômica não teve incremento sob a Unasul. Desde sua fundação, a China se tornou a maior parceira de quase todos os países da região. Hoje, seguem tendo os EUA como sócios majoritários apenas Colômbia e Equador —e este último acaba de assinar acordo de livre comércio com Pequim.

A ideia de Lula, temperada com exotismos como moeda única, foi rechaçada por atores como Chile, Paraguai e Uruguai. Nem a citação à Unasul chegou ao documento final do encontro, selando um novo fiasco para o petista.

Ninguém se entende sobre política industrial

O Estado de S. Paulo

Improviso que marcou o anúncio do programa de incentivo à compra de carros populares mostra a distância entre o discurso e a prática do governo quanto à ‘neoindustrialização’

O programa de incentivo à compra de carros populares se tornou mais uma pedra no sapato do governo Lula. Buscando uma forma de reduzir os danos de uma medida que vai contra tudo que sua pasta defende na área tributária, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o plano é “tópico” e que os descontos devem durar “três ou quatro meses”. Já o secretário de Desenvolvimento Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Uallace Moreira, disse ao Estadão que o pacote é um “tiro de curto prazo” que duraria até um ano e “no mínimo quatro meses”.

A divergência não é mero detalhe nem equívoco de uma das partes. Para o MDIC, quanto maior o prazo da proposta, maior a chance de adesão de montadoras aos seus termos. Para o Ministério da Fazenda, quanto menor a duração do plano, melhor a chance de atingir a desafiadora meta fiscal – um déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou que a renúncia tributária deve ficar entre R$ 500 milhões e R$ 600 milhões, “ou um pouco mais”. A falta de convicção sobre as estimativas foi uma tentativa de rebater a precisão de cálculos de especialistas, para os quais o programa terá um custo de R$ 8 bilhões se vigorar por 12 meses. A prioridade da Fazenda, agora, é encontrar maneiras de compensar as perdas que o plano poderá causar à arrecadação. Entre as alternativas em estudo está a taxação das apostas esportivas, proposta que ignora o fato de que os jogos de azar nem sequer são legalizados no Brasil.

Para além das questões fiscais e operacionais mais imediatas, o governo precisará lidar com a confusão que ele mesmo criou quando decidiu anunciar o pacote do carro popular exatamente no Dia da Indústria. Agora, o MDIC expressou preocupação com a possibilidade de que esse arremedo seja confundido com o plano de reindustrialização – ou neoindustrialização – que será lançado até o fim do ano, com base nas missões definidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, o antigo Conselhão.

De fato, o receio não é infundado, pois o episódio é uma excelente oportunidade para observar a contradição entre o discurso e a prática do governo. Entre os vários temas que o Conselhão definiu para serem enfrentados pela política industrial estão a descarbonização da indústria, a viabilização da transição energética e a mobilidade sustentável para o bem-estar nas grandes cidades. Dias depois, em artigo publicado neste jornal, o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin destacaram que a neoindustrialização requer iniciativa, planejamento e gestão. “Fazer política industrial não é questão de ‘sim ou não, mas de como’”, defenderam.

Analisemos, portanto, o “como”, no caso, o incentivo ao carro popular, primeira e, por enquanto, única iniciativa do governo com foco na indústria. Nada mais inadequado para o enfrentamento dos desafios listados pelo Conselhão do que o incentivo ao transporte individual. Nada mais improvisado do que uma proposta anunciada sem que tenha havido sequer definição prévia sobre o prazo e o valor da renúncia fiscal. Nada mais arcaico, em oposição ao sufixo do termo neoindustrialização, do que o resgate de políticas públicas que já não deram certo no passado. Nada mais inconsequente do que anunciar descontos e não aplicá-los imediatamente – os consumidores adiaram a compra do carro novo à espera do tal desconto, e as vendas despencaram.

E assim o governo criou uma armadilha para si mesmo e para sua ambiciosa política industrial. Foram dadas as condições para que toda a cadeia automotiva, inclusive fabricantes de caminhões, obtenha a extensão do prazo e ainda mais vantagens para aderir ao programa. Com a porteira aberta pelo próprio Palácio do Planalto, é questão de tempo para que o restante da indústria faça fila nos gabinetes de Brasília em busca de benefícios semelhantes. Com que moral o governo poderá rejeitar esses pedidos? Se é assim que o Executivo pretende reverter a desindustrialização, já é possível antever os resultados.

Não há saída fora da educação pública

O Estado de S. Paulo

Fórum ‘Reconstrução da Educação’, do ‘Estadão’, mostra que sobram bons diagnósticos e profissionais aptos a propor soluções. Agora é tempo de menos conversa e mais ação dos governos

O Brasil estará condenado a não ser mais que uma terra prometida, um país que sempre caminhará alguns passos atrás de suas potencialidades naturais, sociais, econômicas, culturais e geopolíticas para se desenvolver de forma sustentável e reduzir desigualdades, até elevar o progresso da educação pública à condição de grande prioridade nacional.

Isso é consensual entre especialistas e uma percepção quase intuitiva da maioria da população. Não há mães, pais e avós no País que não desejem ver suas crianças e adolescentes na escola tendo aulas com qualidade, bem alimentados e seguros. Mais: que não enxerguem os estudos como a principal via, se não a única, para o crescimento individual e familiar. Se leigos e especialistas parecem estar de acordo, o que falta, então para o Brasil ter um encontro com seu futuro auspicioso, há muito prometido, jamais materializado?

Este jornal se orgulha de ter como um dos traços distintivos de seus 148 anos de história a apaixonada defesa do desenvolvimento da educação pública como força motriz do desenvolvimento do próprio País. É deste lugar que o Estadão se propôs a organizar o fórum Reconstrução da Educação: O que o Brasil precisa para uma escola pública de qualidade, a fim de estimular o debate público com vistas à construção de algumas respostas para aquela pergunta fundamental. Entre os dias 15 e 29 de maio, o fórum reuniu autoridades e especialistas em educação para discutir o caminho que o País há de trilhar para, enfim, retomar a trajetória de melhoria na aprendizagem.

Nos últimos quatro anos, o Brasil, em geral, e a educação pública, em particular, foram fulminados por duas tragédias concomitantes: o desgoverno de Jair Bolsonaro, que rebaixou o Ministério da Educação (MEC) à condição de casamata de sua desatinada “guerra cultural”; e a pandemia de covid-19, que impôs novos desafios aos pais, alunos, professores e funcionários das escolas e ampliou ainda mais o fosso que separa os brasileiros que recebem educação pública dos que têm acesso ao ensino privado.

Evidentemente, a má qualidade geral do ensino público no País não foi uma construção do último quadriênio. Mas a conjunção da antipolítica educacional de Bolsonaro com uma crise sanitária sem precedentes, não resta dúvida, agravou sobremaneira um quadro que já era, por si só, calamitoso. A educação pública carece de cuidados tão básicos para uma boa aprendizagem, como a segurança de alunos e professores, a existência de banheiros limpos e merenda escolar, entre tantas demandas, que será difícil, para não dizer impossível, avançar em políticas públicas mais ambiciosas enquanto o básico do básico seguir negligenciado em escolas largadas à própria sorte Brasil afora.

O diagnóstico sobre as deficiências na educação pública, tanto as crônicas como as provocadas pelos desastres governamental e sanitário, já está muito bem mapeado, como mostraram os ricos painéis do fórum Reconstrução da Educação ao longo de duas semanas. Também não faltam no País profissionais muito qualificados para pensar em soluções para cada um desses problemas, nem tampouco parlamentares genuinamente comprometidos com a educação pública como ponto de inflexão para o desenvolvimento nacional.

Para citar apenas uma das muitas presenças que enriqueceram o fórum Reconstrução da Educação, a secretária executiva do MEC, Izolda Cela, uma autoridade não só por seu cargo, mas, principalmente, por sua dedicação de décadas à educação pública no Ceará, lançou luz sobre a premência de um plano de ação mais bem estruturado, envolvendo todos os entes federativos. Cela enfatizou que a educação pública no Brasil não carece de mais recursos financeiros, mas de planejamento. De fato, nada adianta engessar na Constituição o quinhão do Orçamento dedicado à educação se não houver a formulação e a implementação de boas políticas públicas para o setor.

Feliz o país que discute educação pública no nível em que a discussão se dá no Brasil. Mas é tempo de menos conversa e mais ação, sobretudo dos governos. A sociedade civil fez sua parte.

Um monumento à incúria

O Estado de S. Paulo

É humilhante para São Paulo conviver há tantos anos com o esqueleto da Linha 17-Ouro do Monotrilho

Se rigorosamente nada mais der errado, o que, diante do histórico assombrado do projeto, é algo bastante improvável, a Linha 17-Ouro do Monotrilho, que ligará o Aeroporto de Congonhas à Estação Morumbi,

da Linha 9-Esmeralda da CPTM, deverá entrar em operação no primeiro semestre de 2026, com nada menos que 12 anos de atraso. Essa é a mais nova promessa do Palácio dos Bandeirantes.

Concebida como uma das principais obras do Estado na área de infraestrutura de mobilidade urbana para a Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, a Linha 17-Ouro do Monotrilho, com sorte e boas doses de competência e espírito público, poderá transportar o primeiro passageiro a tempo de outra Copa do Mundo, só que a cerca de 9 mil km de distância: a que será sediada pelos Estados Unidos, Canadá e México daqui a três anos.

No dia 22 passado, o governador Tarcísio de Freitas rompeu o contrato com as construtoras Cosan e KPE, celebrado em 2021 pelo então governador João Doria justamente para que as obras fossem retomadas após o consórcio formado por Andrade Gutierrez e CR Almeida tê-las abandonado por rompimento unilateral com a administração pública. Segundo o Metrô, o consórcio Cosan-KPE atrasou o cronograma de execução das obras e não demonstrou, no prazo estabelecido pelo governo estadual, capacidade financeiro-operacional para concluir o projeto.

Diante de mais esse revés, o futuro da Linha 17-Ouro do Monotrilho segue incerto. Sobre a mesa de Tarcísio de Freitas estão três opções: realizar uma nova licitação; repassar o contrato para o consórcio Paulitec-Sacyr, terceiro colocado no certame original; ou transferir a execução da obra para a ViaMobilidade, do Grupo CCR, empresa contratada para operar a linha, não para construí-la.

Cada uma dessas alternativas implica sérios riscos às empresas – que teriam de continuar obras que não iniciaram e, mesmo assim, submeter-se aos riscos globais do projeto – e para a administração pública, especialmente a terceira opção, que envolve o risco jurídico pela mudança de objeto de contrato, uma violação evidente da Lei de Licitações.

Há quase uma década, a única certeza é que aquele esqueleto da obra se ergue do chão como um monumento à incúria e uma zona de insegurança na cidade. O Estado mais rico da Federação, polo de atração de alguns dos melhores profissionais do País nos campos da Engenharia, do Direito e da Contabilidade, ser incapaz de concluir uma obra no prazo previsto já seria, por si só, escandaloso; com esse atraso, chega a ser humilhante. Decerto, cada um dos governadores de São Paulo que já tiveram que lidar com o projeto tem uma variedade de boas desculpas para explicar o inexplicável atraso. Mas nenhuma delas muda a qualidade de vida dos cidadãos para melhor.

Durante a campanha de 2022, o então candidato Tarcísio de Freitas enumerou entre suas prioridades “acabar as obras que ficaram pelo caminho”, entre as quais a construção da Linha 17-Ouro do Monotrilho. Eis uma chance de ouro para que o atual governador possa se distinguir de seus antecessores recentes.

 

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