Agricultura impulsiona PIB surpreendente de 1,9%
Valor Econômico
É uma expansão em linha com a medíocre
observada nos últimos anos
A economia brasileira cresceu mais no
primeiro trimestre deste ano do que em qualquer outro trimestre em 15 anos,
excetuados os subsequentes à crise financeira de 2008 e à pandemia de 2020. O
PIB subiu 4% em doze meses, 1,9% em relação ao mesmo período do fim de 2022 e
3,3% em quatro trimestres ante os quatro anteriores. Esses resultados são muito
superiores aos que eram esperados -1,3% trimestre contra trimestre anterior -
pela mediana dos analistas (77 na amostra do Valor). A surpresa pode ser
pontual, mas é boa: as expectativas de crescimento foram elevadas de maneira
geral e ultrapassam 2%, aposta antes feita por um minúsculo grupo de bancos e
consultorias.
O desempenho da economia mostra, em primeiro lugar, que o pessimismo dos analistas foi exagerado, o que se tornou uma tradição. Por outro, mostra que a fúria do presidente Lula contra os juros altos e a política monetária também foi exagerada, porque a desaceleração ainda não veio. Para o Banco Central, o enigma já vem de alguns meses: por que a enorme carga de juros não consegue derrubar a inflação com maior rapidez do que a que tem ocorrido?
Os números do PIB indicam que os impulsos
para o crescimento econômico estão cada vez mais restritos - basicamente foi a
agricultura que sustentou a performance do primeiro trimestre. De qualquer
forma, o avanço do primeiro trimestre deixou um carregamento estatístico de
2,4%, indicando que, se tudo continuar igual até o fim do ano, e não houver
expansão nos próximos trimestres, este será o resultado final. Considerada a
comparação interanual, a economia não só não está desacelerando, como foi
previsto, mas, pontualmente, acelerando. O PIB avança 4% nesta comparação, a
indústria, 1,9% e os serviços, 2,9%. Pelo lado da demanda, o consumo das
famílias subiu 3,5%, com os investimentos correndo no fim da fila e quase
parando, com evolução de 0,8%.
O impulso da agropecuária foi muito mais
forte do que era estimado: 21,6% de expansão no primeiro trimestre, ante o
último trimestre do ano passado, e 18,8% em relação ao primeiro de 2022. Na
conta entram não só uma safra recorde, possivelmente de 310 milhões de
toneladas, mas também base de comparação rebaixada por problemas climáticos,
com quatro trimestres consecutivos de retração ou crescimento baixo. O empuxe
do campo chamou a atenção para sua disseminação tanto pelo setor de transportes
e armazenamento, influenciados pelo desenrolar da colheita, como pelo aumento
dos estoques. Segundo Alberto Ramos, diretor de pesquisas para América Latina
do Goldman Sachs, a evolução dos estoques contribuiu com 1,2 ponto percentual
de 1,9% do PIB.
Pela magnitude excepcional, a contribuição
da agricultura não se repetirá. Os demais setores de atividade econômica estão
agindo na direção contrária e a demanda continua se retraindo. Embora o consumo
das famílias apresente bom comportamento em doze meses, na ponta está estagnado
- 0,2% no primeiro trimestre do ano em relação ao anterior. O aumento dos
gastos com o Bolsa Família e os diversos estímulos fiscais do ano eleitoral
estão em vias de esgotamento, mas serão repostos por outros, como o aumento
real do salário mínimo, a partir de maio, a redução do imposto de renda na
fonte, de vigência imediata e o efeito líquido positivo, entre, de um lado, a
redução dos preços dos combustíveis, e, de outro, a elevação dos tributos com o
fim da desoneração determinada no governo Bolsonaro.
A expectativa de desaceleração da economia,
reiterada meses a fio, e desmentida pelos números, deve, porém, se realizar
agora. O PIB do primeiro trimestre mostra a fraqueza da demanda doméstica.
Cálculos de Ramos, do Goldman Sachs, mostram que o desempenho dos
investimentos, do consumo das famílias e do governo, excluída a variação dos
estoques, contribuiu para retirar 0,5 ponto percentual do resultado trimestral.
A médio prazo, para a sustentabilidade da expansão, preocupa a situação dos
investimentos, com uma queda de 3,4% em doze meses, o dobro do que esperavam os
analistas. A participação do setor externo elevou em 1,2 ponto percentual o
PIB, mas a composição não é benéfica. As exportações caíram um pouco, o que não
é um grande problema, mas as importações caíram mais, o que é um sinal seguro
de fragilidade da demanda doméstica.
A boa nova do PIB do primeiro trimestre tende a mudar para melhor as expectativas dos agentes econômicos. A inflação está caindo, ainda que vagarosamente (o ímpeto inesperado da economia conta nisso), o desemprego parou de aumentar, o crédito não está encolhendo com o vigor e a rapidez esperadas depois do colapso da Americanas e de outras grandes empresas e o câmbio oscila em torno de um nível menor nos últimos meses. O crescimento deve ser mais baixo nos trimestres seguintes, mas, ainda assim, ultrapassar 2%, bem mais do que se vislumbrava no início do ano. É uma expansão em linha com a medíocre observada nos últimos anos, mas apenas o fato de que não haverá piora já é um alívio e tanto.
Obesidade infantil
Correio Braziliense
Mais de 340 mil crianças brasileiras
acompanhadas pelo SUS, com idades entre 5 e 10 anos, são obesas
Amanhã (3 de junho) é o Dia da
Conscientização contra a Obesidade Mórbida Infantil. Infelizmente, mais de 340
mil crianças brasileiras acompanhadas pelo SUS, com idades entre 5 e 10 anos,
são obesas. Os dados são da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN),
junto com o Sistema Único de Saúde. Desde 2022, inclusive, a obesidade é
considerada um problema de saúde pública.
De acordo com a Organização Mundial de
Saúde (OMS), a estimativa é de que até 2025 o Brasil tenha 11,3 milhões de
crianças obesas, caso as autoridades e a sociedade como um todo não encontrem,
urgentemente, soluções viáveis para o problema.
O que define uma criança obesa, segundo os
especialistas, é o Índice de Massa Corporal (IMC), calculado a partir da
relação entre peso e altura (divisão), sendo que o primeiro é medido em quilos
e o segundo em metros ao quadrado. Crianças com o percentual de IMC acima de 95
são consideradas obesas.
Uma alimentação saudável, a prática de
atividades físicas e consultas regulares com o pediatra são fatores que constam
em todas as cartilhas endereçadas às crianças, inclusive na Caderneta de Saúde
da Criança, do Ministério da Saúde, documento que todos os pais recebem assim que
o bebê nasce. O livreto traz inclusive dados sobre peso, comprimento, altura e
IMC - todos relacionados à idade (até 10 anos).
Cabe aos pais ou aos cuidadores a função de
observar a alimentação da criança, assim que perceber que ela está acima do
peso, a quantidade de exercícios físicos que ela pratica (o recomendado pelos
pediatras é uma média de 60 minutos de atividade aeróbica moderada por dia para
crianças e adolescentes) e até mesmo se está crescendo adequadamente.
É verdade que o fator genético deve ser
levado em consideração. É comum que pais obesos tenham filhos também obesos. Os
especialistas dizem que pais com obesidade apresentam 80% de chance de terem
crianças com o mesmo quadro. Esse número pode cair para 40%, se apenas um dos
pais for obeso, e para 10%, se os pais tiverem uma alimentação de qualidade.
A começar pelo café da manhã, seguido das
outras refeições durante o dia, a mudança de hábitos é essencial para que este
quadro retroceda. Sedentarismo, excesso de exposição às telas — seja televisão,
celular, videogame e tantos outros aparatos tecnológicos — e uma alimentação à
base de sanduíches, refrigerantes e doces precisam ser banidos do dia a dia das
famílias brasileiras.
Vale lembrar que o tempo de tela superior a
duas horas pode aumentar o risco de desenvolver obesidade em 42%, e, por outro
lado, a atividade física pode reduzir o risco de obesidade em 30%. Mas, se
pensarmos que a educação física oferecida nas escolas talvez seja a única
oportunidade que as crianças têm de se exercitar, a reversão dos elevados
números de obesidade infantil no Brasil é um problema de difícil solução.
Somente com o engajamento entre a família, a escola, os especialistas e os órgãos de saúde — e aqui estão incluídos o Ministério da Saúde, as secretarias municipais e estaduais — será possível fazer com que nossas crianças tenham acesso a uma alimentação saudável, com um desenvolvimento pleno e, consequentemente, com índices menos desastrosos do que os citados acima.
Senado tem de submeter Zanin a sabatina
rigorosa
O Globo
Indicação de advogado particular ao STF
mostra Lula mais preocupado com fidelidade do que com prestígio
Num movimento esperado por todos, o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva indicou seu advogado particular nos casos da Operação Lava-Jato, Cristiano
Zanin Martins, para o cargo de ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF).
Ao assumir em janeiro, Lula sabia que, em razão das aposentadorias compulsórias
dos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, poderia fazer duas indicações
ao Supremo neste ano.
Lula ficou insatisfeito com vários nomes
que indicara para a Corte em seus dois primeiros mandatos, em especial os
ex-ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa, que votaram contra os interesses
dele e do PT em processos como o mensalão. Em declaração
recente revelada pelo blog da colunista do GLOBO Malu Gaspar, Lula
queixou-se de ter seguido, nas indicações, os conselhos de juristas como Márcio
Thomaz Bastos e Sigmaringa Seixas.
Agora, ele não parece nem um pouco
interessado em nomear juízes que representem minorias desfavorecidas ou
usufruam o prestígio de carreiras bem-sucedidas na academia e nos tribunais. A
indicação de Zanin deixa claro que seu critério tem menos relação com as
exigências constitucionais para ocupar uma cadeira no STF — reputação ilibada e
notório saber jurídico — do que com a fidelidade pessoal. Não que Zanin deixe
de satisfazer a essas exigências. Ao contrário: ele é um jurista extremamente
capaz, de conhecimentos sólidos, perfil sereno e dedicado, que demonstrou
enorme comando das filigranas da lei ao longo dos processos da Lava-Jato. Mas
ninguém tem dúvida de que não foram esses os motivos que lhe garantiram a
indicação.
Confirmado o nome, a Constituição é clara:
cabe ao Senado fazer um exame rigoroso. O primeiro passo será dado pela
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde Zanin será submetido à
tradicional sabatina. É conhecida a deferência com que os senadores têm tratado
todos os indicados ao Supremo. Seja por desconhecimento, seja por medo de ser
julgados pelo sabatinado no futuro, os senadores raramente o submetem a uma
inquirição dura. Boa parte das perguntas segue um roteiro meramente protocolar,
e desde o governo de Floriano Peixoto ninguém foi barrado pelo Senado. Não
deveria ser assim.
Desta vez, a presença de oposicionistas de
destaque na CCJ traz alguma esperança de que o Senado cumpra seu dever com mais
competência. As principais emoções ficarão naturalmente a cargo das questões
feitas pelo ex-juiz e hoje senador da CCJ Sergio Moro (União-PR), algoz de Lula
e nêmesis de Zanin durante a Lava-Jato. Dificilmente, porém, Zanin será vetado.
Depois da sabatina, precisará em plenário de apenas 41 votos entre os 81
senadores
Para ele, o desafio será livrar-se da pecha
de ter sido indicado pelo motivo errado. O Supremo tem longo histórico de
ministros que se libertaram das amarras que os prendiam aos presidentes
responsáveis por escolhê-los. Nos dois primeiros mandatos, Lula indicou oito
nomes ao STF, e apenas Lewandowski continuou sendo visto como caninamente fiel
aos petistas. A maioria entendeu que o compromisso de quem é agraciado com a
honra de integrar a mais alta Corte é com o Brasil, não com um líder político,
partido ou ideologia. Com 47 anos, Zanin poderá ficar no Supremo até 2050. Terá
tempo de sobra para demonstrar se pretende corresponder às demandas de Lula ou
aos anseios do país.
Rastrear gado para conceder crédito
representa avanço para Amazônia
O Globo
Decisão da Febraban enfrentará desafios,
mas poderá representar salto no combate ao crime ambiental
É bem-vinda a decisão da Federação
Brasileira dos Bancos (Febraban) de condicionar a concessão de crédito para
frigoríficos e matadouros dos nove estados da Amazônia Legal
(Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e
Maranhão) à adoção de um sistema de rastreabilidade e monitoramento do gado. O
protocolo, defendido por mais de 20 bancos — entre os quais Banco do Brasil,
Itaú Unibanco, Bradesco e Santander —, prevê um prazo até dezembro de 2025 para
que os clientes tenham como comprovar por onde os animais passaram antes de ser
abatidos.
O Brasil tem 224,5 milhões de cabeças de
gado, um dos maiores rebanhos do mundo, e cerca de 4.400 frigoríficos. Juntos,
eles produzem mais de 8 milhões de toneladas de carne por ano. O Centro-Oeste
responde por mais de um terço do total, segundo dados do IBGE. Em segundo lugar
estão os estados da Região Norte (21,5%), onde a expansão da pecuária e o
desmatamento ilegal andam de mãos dadas.
Não resta dúvida de que secar o crédito
para quem lucra com atividades que contribuem para o aquecimento global pode se
transformar num instrumento poderoso em favor da preservação de biomas, além de
também livrar os bancos da pecha de conivência. Mas, passado o anúncio do novo
regulamento, a Febraban terá de se debruçar sobre os detalhes.
O Brasil conta com um sistema de
rastreabilidade e monitoramento da cadeia da pecuária desde 2002. Esforços para
melhorar a cobertura na região amazônica têm sido feitos há mais de uma década.
Já foi constatado que o custo de implantação para os pequenos produtores não é
desprezível. Embora tenha havido resultados positivos, é enorme a quantidade de
problemas por resolver. Os criminosos ambientais escolhem a pecuária por uma
razão compreensível. O que está plantado em área de desmatamento ilegal não
pode ser transportado nos dias em que há fiscalização. Mas o gado é móvel.
Em geral os frigoríficos exigem apenas
documentação com informações sobre a última procedência dos animais. Tal
prática encobre o histórico anterior à compra pelo fornecedor. São comuns
também casos de uma prática conhecida como “lavagem de animais”. Fazendas
“sujas” vendem gado com documentos de propriedades “limpas”, abrindo facilmente
as portas dos frigoríficos aos produtos ilegais.
Dada a história de eficiência dos bancos brasileiros, é esperado que esses e outros problemas sejam sanados. Sem uma vigilância abrangente e eficaz dos fornecedores indiretos e dos casos de documentação fraudulenta, o programa de crédito ambientalmente responsável da Febraban terá efeito limitado no combate ao desmatamento. Se os desafios forem vencidos, porém, poderá representar um salto significativo no combate aos crimes ambientais no Brasil.
Salvo pelo agro
Folha de S. Paulo
Campo puxa alta do PIB, mas melhora ampla
depende de boa política econômica
Com a alta de 21,6% no desempenho da
agropecuária no primeiro trimestre, a economia brasileira surpreendeu
positivamente —o crescimento
do Produto Interno Bruto no período foi de 1,9%, acima das projeções
de analistas de mercado, que rondavam 1,2%.
Devem subir, portanto, as expectativas para
o ano. Caso a atividade se mantenha estável, o resultado
do primeiro trimestre já proporciona um avanço de 2,4% em 2023.
Favorecida pelo clima e pelo contínuo
avanço tecnológico, que impulsiona a produção sem aumento concomitante da área
plantada, a safra crescerá cerca de 15% neste ano, segundo estimativas mais
recentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Com impactos na produção de máquinas e nos
serviços associados, a renda agrícola se espalha nas regiões produtoras e
favorece segmentos como o de transportes. É esperado, porém, que o ritmo
arrefeça, já que a colheita surpreendente traz dificuldades de estocagem e
escoamento.
Já o restante da economia mostra pouco vigor
e tendência de desaceleração. O consumo subiu apenas 0,2%, e o investimento
teve queda de 3,4%, a segunda consecutiva. Com o aperto monetário dos últimos
meses, o agravamento da escassez de crédito e menor expansão da renda das
famílias, não será surpresa uma piora adiante.
Como contraponto há a ampliação das
transferências assistenciais do governo para famílias mais pobres —além da
queda do desemprego para o patamar em torno de 8,5%, não muito distante dos
menores em anos recentes.
Some-se a isso o legado positivo de
reformas aprovadas nos últimos anos, como a trabalhista, concebida para
facilitar as contratações com carteira assinada.
A melhora nos modelos de concessões de
infraestrutura garantiu razoável número de projetos em andamento, como no
saneamento —ora objeto de contestação por forças retrógradas do governo Luiz
Inácio Lula da Silva (PT).
Ademais, deve haver expansão em setores
produtivos importantes para a renda nacional, como extração de petróleo e gás.
No geral, o país começou este 2023 em
situação razoável, que, entretanto, precisa do amparo de boas políticas
públicas.
Reverter reformas importantes, recuar no
ajuste dos bancos públicos e empresas estatais e afugentar investimentos com
ameaças de descontrole orçamentário seriam ações contraproducentes.
Sinais no sentido correto contribuirão para
o aumento da confiança geral e facilitarão o corte dos juros do Banco Central
—passo necessário, embora não suficiente, para a retomada do crescimento
duradouro da renda nacional.
Fiasco regional
Folha de S. Paulo
Lula tem novo tropeço diplomático ao ver
frustrado seu intento de reviver Unasul
Sob Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a
política externa foi alçada ao patamar de prioridade governamental. O
mandatário parece disposto a reviver os tempos em que foi louvado pelo então
presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
A princípio, nada há de errado com tal
objetivo. Trata-se, inclusive, de estabelecer um contraste com o antecessor,
Jair Bolsonaro (PL), que comandou um vexatório isolamento internacional do
país.
Temas como a defesa de princípios
democráticos, a segurança alimentar e a mudança climática se apresentavam como
oportunidades naturais para que o líder petista recebesse aplausos no cenário
internacional. As chances, porém, não foram bem aproveitadas.
Lula passou a acumular declarações e atos
desastrados, que espelham a megalomania vista nos dois primeiros mandatos.
A inicialmente boa ideia de propor mediação
no tema da Guerra da Ucrânia tornou-se um vaivém de afirmações desencontradas,
ora querendo agradar à Rússia, ora buscando remediar a má repercussão. O desejável
bom relacionamento com a China se fez acompanhar de surtos de diatribes
antiamericanas pueris.
O mais recente episódio se deu na reunião
com 11 países sul-americanos em Brasília, nesta semana. Lula fez da correta
abertura à Venezuela uma sessão de
apologia à ditadura chavista. Acabou admoestado, entre outros, pelo
presidente chileno Gabriel Boric, um esquerdista que não tem compactuado com
regimes autoritários.
Não satisfeito, o brasileiro dobrou a
aposta ao tentar a reativação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), um fórum
criado em 2008 por Lula e aliados ideológicos então no poder.
A entidade subsiste de forma
fantasmagórica: 6 dos 12 fundadores a abandonaram. O Brasil chegou a sair sob
Bolsonaro, num ato depois revertido por Lula.
A integração econômica não teve incremento
sob a Unasul. Desde sua fundação, a China se tornou a maior parceira de quase
todos os países da região. Hoje, seguem tendo os EUA como sócios majoritários
apenas Colômbia e Equador —e este último acaba de assinar acordo de livre
comércio com Pequim.
A ideia de Lula, temperada com exotismos como moeda única, foi rechaçada por atores como Chile, Paraguai e Uruguai. Nem a citação à Unasul chegou ao documento final do encontro, selando um novo fiasco para o petista.
Ninguém se entende sobre política
industrial
O Estado de S. Paulo
Improviso que marcou o anúncio do programa
de incentivo à compra de carros populares mostra a distância entre o discurso e
a prática do governo quanto à ‘neoindustrialização’
O programa de incentivo à compra de carros
populares se tornou mais uma pedra no sapato do governo Lula. Buscando uma
forma de reduzir os danos de uma medida que vai contra tudo que sua pasta
defende na área tributária, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que
o plano é “tópico” e que os descontos devem durar “três ou quatro meses”. Já o
secretário de Desenvolvimento Industrial do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Uallace Moreira, disse ao Estadão que o
pacote é um “tiro de curto prazo” que duraria até um ano e “no mínimo quatro
meses”.
A divergência não é mero detalhe nem
equívoco de uma das partes. Para o MDIC, quanto maior o prazo da proposta,
maior a chance de adesão de montadoras aos seus termos. Para o Ministério da
Fazenda, quanto menor a duração do plano, melhor a chance de atingir a
desafiadora meta fiscal – um déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB)
neste ano.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério
Ceron, afirmou que a renúncia tributária deve ficar entre R$ 500 milhões e R$
600 milhões, “ou um pouco mais”. A falta de convicção sobre as estimativas foi
uma tentativa de rebater a precisão de cálculos de especialistas, para os quais
o programa terá um custo de R$ 8 bilhões se vigorar por 12 meses. A prioridade
da Fazenda, agora, é encontrar maneiras de compensar as perdas que o plano
poderá causar à arrecadação. Entre as alternativas em estudo está a taxação das
apostas esportivas, proposta que ignora o fato de que os jogos de azar nem
sequer são legalizados no Brasil.
Para além das questões fiscais e
operacionais mais imediatas, o governo precisará lidar com a confusão que ele
mesmo criou quando decidiu anunciar o pacote do carro popular exatamente no Dia
da Indústria. Agora, o MDIC expressou preocupação com a possibilidade de que
esse arremedo seja confundido com o plano de reindustrialização – ou
neoindustrialização – que será lançado até o fim do ano, com base nas missões
definidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, o antigo
Conselhão.
De fato, o receio não é infundado, pois o
episódio é uma excelente oportunidade para observar a contradição entre o
discurso e a prática do governo. Entre os vários temas que o Conselhão definiu
para serem enfrentados pela política industrial estão a descarbonização da
indústria, a viabilização da transição energética e a mobilidade sustentável
para o bem-estar nas grandes cidades. Dias depois, em artigo publicado neste
jornal, o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin destacaram que a
neoindustrialização requer iniciativa, planejamento e gestão. “Fazer política
industrial não é questão de ‘sim ou não, mas de como’”, defenderam.
Analisemos, portanto, o “como”, no caso, o
incentivo ao carro popular, primeira e, por enquanto, única iniciativa do
governo com foco na indústria. Nada mais inadequado para o enfrentamento dos
desafios listados pelo Conselhão do que o incentivo ao transporte individual.
Nada mais improvisado do que uma proposta anunciada sem que tenha havido sequer
definição prévia sobre o prazo e o valor da renúncia fiscal. Nada mais arcaico,
em oposição ao sufixo do termo neoindustrialização, do que o resgate de
políticas públicas que já não deram certo no passado. Nada mais inconsequente
do que anunciar descontos e não aplicá-los imediatamente – os consumidores
adiaram a compra do carro novo à espera do tal desconto, e as vendas
despencaram.
E assim o governo criou uma armadilha para
si mesmo e para sua ambiciosa política industrial. Foram dadas as condições
para que toda a cadeia automotiva, inclusive fabricantes de caminhões, obtenha
a extensão do prazo e ainda mais vantagens para aderir ao programa. Com a
porteira aberta pelo próprio Palácio do Planalto, é questão de tempo para que o
restante da indústria faça fila nos gabinetes de Brasília em busca de
benefícios semelhantes. Com que moral o governo poderá rejeitar esses pedidos?
Se é assim que o Executivo pretende reverter a desindustrialização, já é possível
antever os resultados.
Não há saída fora da educação pública
O Estado de S. Paulo
Fórum ‘Reconstrução da Educação’, do
‘Estadão’, mostra que sobram bons diagnósticos e profissionais aptos a propor
soluções. Agora é tempo de menos conversa e mais ação dos governos
O Brasil estará condenado a não ser mais
que uma terra prometida, um país que sempre caminhará alguns passos atrás de
suas potencialidades naturais, sociais, econômicas, culturais e geopolíticas
para se desenvolver de forma sustentável e reduzir desigualdades, até elevar o
progresso da educação pública à condição de grande prioridade nacional.
Isso é consensual entre especialistas e uma
percepção quase intuitiva da maioria da população. Não há mães, pais e avós no
País que não desejem ver suas crianças e adolescentes na escola tendo aulas com
qualidade, bem alimentados e seguros. Mais: que não enxerguem os estudos como a
principal via, se não a única, para o crescimento individual e familiar. Se
leigos e especialistas parecem estar de acordo, o que falta, então para o
Brasil ter um encontro com seu futuro auspicioso, há muito prometido, jamais
materializado?
Este jornal se orgulha de ter como um dos
traços distintivos de seus 148 anos de história a apaixonada defesa do
desenvolvimento da educação pública como força motriz do desenvolvimento do
próprio País. É deste lugar que o Estadão se propôs a organizar o fórum
Reconstrução da Educação: O que o Brasil precisa para uma escola pública de
qualidade, a fim de estimular o debate público com vistas à construção de
algumas respostas para aquela pergunta fundamental. Entre os dias 15 e 29 de
maio, o fórum reuniu autoridades e especialistas em educação para discutir o
caminho que o País há de trilhar para, enfim, retomar a trajetória de melhoria
na aprendizagem.
Nos últimos quatro anos, o Brasil, em
geral, e a educação pública, em particular, foram fulminados por duas tragédias
concomitantes: o desgoverno de Jair Bolsonaro, que rebaixou o Ministério da
Educação (MEC) à condição de casamata de sua desatinada “guerra cultural”; e a
pandemia de covid-19, que impôs novos desafios aos pais, alunos, professores e
funcionários das escolas e ampliou ainda mais o fosso que separa os brasileiros
que recebem educação pública dos que têm acesso ao ensino privado.
Evidentemente, a má qualidade geral do
ensino público no País não foi uma construção do último quadriênio. Mas a
conjunção da antipolítica educacional de Bolsonaro com uma crise sanitária sem
precedentes, não resta dúvida, agravou sobremaneira um quadro que já era, por
si só, calamitoso. A educação pública carece de cuidados tão básicos para uma
boa aprendizagem, como a segurança de alunos e professores, a existência de
banheiros limpos e merenda escolar, entre tantas demandas, que será difícil,
para não dizer impossível, avançar em políticas públicas mais ambiciosas
enquanto o básico do básico seguir negligenciado em escolas largadas à própria
sorte Brasil afora.
O diagnóstico sobre as deficiências na
educação pública, tanto as crônicas como as provocadas pelos desastres
governamental e sanitário, já está muito bem mapeado, como mostraram os ricos
painéis do fórum Reconstrução da Educação ao longo de duas semanas. Também não
faltam no País profissionais muito qualificados para pensar em soluções para
cada um desses problemas, nem tampouco parlamentares genuinamente comprometidos
com a educação pública como ponto de inflexão para o desenvolvimento nacional.
Para citar apenas uma das muitas presenças
que enriqueceram o fórum Reconstrução da Educação, a secretária executiva do
MEC, Izolda Cela, uma autoridade não só por seu cargo, mas, principalmente, por
sua dedicação de décadas à educação pública no Ceará, lançou luz sobre a
premência de um plano de ação mais bem estruturado, envolvendo todos os entes
federativos. Cela enfatizou que a educação pública no Brasil não carece de mais
recursos financeiros, mas de planejamento. De fato, nada adianta engessar na
Constituição o quinhão do Orçamento dedicado à educação se não houver a
formulação e a implementação de boas políticas públicas para o setor.
Feliz o país que discute educação pública
no nível em que a discussão se dá no Brasil. Mas é tempo de menos conversa e
mais ação, sobretudo dos governos. A sociedade civil fez sua parte.
Um monumento à incúria
O Estado de S. Paulo
É humilhante para São Paulo conviver há
tantos anos com o esqueleto da Linha 17-Ouro do Monotrilho
Se rigorosamente nada mais der errado, o
que, diante do histórico assombrado do projeto, é algo bastante improvável, a
Linha 17-Ouro do Monotrilho, que ligará o Aeroporto de Congonhas à Estação
Morumbi,
da Linha 9-Esmeralda da CPTM, deverá entrar
em operação no primeiro semestre de 2026, com nada menos que 12 anos de atraso.
Essa é a mais nova promessa do Palácio dos Bandeirantes.
Concebida como uma das principais obras do
Estado na área de infraestrutura de mobilidade urbana para a Copa do Mundo de
2014, realizada no Brasil, a Linha 17-Ouro do Monotrilho, com sorte e boas
doses de competência e espírito público, poderá transportar o primeiro
passageiro a tempo de outra Copa do Mundo, só que a cerca de 9 mil km de
distância: a que será sediada pelos Estados Unidos, Canadá e México daqui a
três anos.
No dia 22 passado, o governador Tarcísio de
Freitas rompeu o contrato com as construtoras Cosan e KPE, celebrado em 2021
pelo então governador João Doria justamente para que as obras fossem retomadas
após o consórcio formado por Andrade Gutierrez e CR Almeida tê-las abandonado
por rompimento unilateral com a administração pública. Segundo o Metrô, o
consórcio Cosan-KPE atrasou o cronograma de execução das obras e não
demonstrou, no prazo estabelecido pelo governo estadual, capacidade
financeiro-operacional para concluir o projeto.
Diante de mais esse revés, o futuro da
Linha 17-Ouro do Monotrilho segue incerto. Sobre a mesa de Tarcísio de Freitas
estão três opções: realizar uma nova licitação; repassar o contrato para o
consórcio Paulitec-Sacyr, terceiro colocado no certame original; ou transferir
a execução da obra para a ViaMobilidade, do Grupo CCR, empresa contratada para
operar a linha, não para construí-la.
Cada uma dessas alternativas implica sérios
riscos às empresas – que teriam de continuar obras que não iniciaram e, mesmo
assim, submeter-se aos riscos globais do projeto – e para a administração
pública, especialmente a terceira opção, que envolve o risco jurídico pela
mudança de objeto de contrato, uma violação evidente da Lei de Licitações.
Há quase uma década, a única certeza é que
aquele esqueleto da obra se ergue do chão como um monumento à incúria e uma
zona de insegurança na cidade. O Estado mais rico da Federação, polo de atração
de alguns dos melhores profissionais do País nos campos da Engenharia, do
Direito e da Contabilidade, ser incapaz de concluir uma obra no prazo previsto
já seria, por si só, escandaloso; com esse atraso, chega a ser humilhante.
Decerto, cada um dos governadores de São Paulo que já tiveram que lidar com o
projeto tem uma variedade de boas desculpas para explicar o inexplicável
atraso. Mas nenhuma delas muda a qualidade de vida dos cidadãos para melhor.
Durante a campanha de 2022, o então candidato Tarcísio de Freitas enumerou entre suas prioridades “acabar as obras que ficaram pelo caminho”, entre as quais a construção da Linha 17-Ouro do Monotrilho. Eis uma chance de ouro para que o atual governador possa se distinguir de seus antecessores recentes.
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