O Estado de S. Paulo
Depois de Lula, chegou a vez de o Supremo livrar da Justiça o presidente da Câmara
Tempestades de Aço é o mais vivo e terrível
relato escrito por um veterano sobre a Grande Guerra. Seu autor, o escritor ultranacionalista
Ernst Jünger, era um tenente das tropas de assalto e se tornou a corporificação
do espírito germânico e da exaltação da força e da coragem, o reverso de Erich
Maria Remarque e seu Nada de Novo na Frente Ocidental.
Jünger foi ferido mais de uma dúzia de vezes. Seu relato transpira o acaso da sobrevivência no campo de batalha e a névoa que cobre o destino de cada combatente. Em um dos últimos capítulos da obra, o tenente descreve a ofensiva alemã de 1918, quando seu grupo toma de assalto a trincheira inglesa, diante da debandada do inimigo.
Jünger relata: “O sucesso produz um efeito
mágico. Ainda que há muito não fosse possível falar em formações regulares que
se pudessem comandar, só existia para cada um dos homens uma única direção:
avante!” Os alemães seguiam à caça do inimigo e Jünger os observava com
baioneta calada, enquanto a barragem de sua artilharia abria o caminho.
Mais do que uma mágica, Jünger viu o êxtase
da vitória. Esse é o encanto que parece tomar conta o presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitar a
denúncia de corrupção que havia sido aceita em 2019 e o tornava réu por receber
R$ 106 mil em propina. Para quem não se lembra, um assessor do deputado foi
flagrado no Aeroporto de Congonhas tentando embarcar com o dinheiro – as
passagens foram pagas pelo parlamentar. Lira alegou inocência. Disse ser alvo
da delação de um desafeto.
Em 2019, o Ministério Público Federal vira
indícios de autoria e de materialidade que justificavam submetê-lo a processo.
A Corte concordou. A defesa recorreu. Agora, o MPF mudou de opinião, assim como
a 1.ª Turma do STF, que, unânime, pôs a acusação para correr, como os ingleses
acossados por Jünger.
O STF, assim, mais uma vez surpreende.
Depois de descondenar Luiz Inácio Lula da Silva, agora os ministros da Corte
desdenunciam Lira. O deputado comemora. É bajulado por líderes empresariais e
partidários, mais até do que Lula, o dono da chave do cofre dos recurso
públicos.
A vitória inebria. Às vezes, os soldados
avançam além do que as suas linhas de operações interiores autorizariam. No
passado, outros presidentes da Câmara pensaram mandar tanto que podiam esquecer
do Supremo, do Executivo ou de seus pares. Assim foi com Severino Cavalcanti e
com Eduardo Cunha, que conheceram a débâcle.
Lira deve saber que toda guerra tem a sua conjuntura. Mas, como afirmava Raymond Aron, nenhuma análise cria a história que ela interpreta. Mesmo no País das narrativas.
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