quarta-feira, 7 de junho de 2023

Fernando Exman - Um pacto de não agressão entre Lula e Arthur Lira

Valor Econômico

Governo precisa de tempo para organizar a base, mesmo sabendo que a trégua pode não durar nem dois anos

Um “pacto de não agressão” é o que esperam integrantes do governo depois da reunião de segunda-feira entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Arthur Lira.

A referência é controversa. Para muitos, pode ser perturbadora, inclusive. Mas mostra a prioridade de setores do Executivo em encontrar uma solução para as relações do governo com o Congresso: é uma menção ao acordo negociado em 1939 pelos ministros de Relações Exteriores alemão, Joachim von Ribbentrop, e soviético, Vyacheslav Molotov.

Assinado no fim de agosto daquele ano, foi um pacto temporário de conveniência entre inimigos ideológicos. Acabou abrindo caminho para a invasão e ocupação da Polônia dias depois pela Alemanha nazista e, também, pela União Soviética. Mudou a história da humanidade e foi determinante na eclosão da Segunda Guerra Mundial, para a tragédia de milhões de pessoas.

Com duas versões, uma pública e outra secreta, o Pacto Ribbentrop-Molotov estabelecia que cada signatário não atacaria o outro. Caso um deles fosse alvo de um terceiro país, o outro não forneceria assistência ao agressor. Sigilosa, a outra parte do pacto desenhava as respectivas áreas de influência alemã e soviética na Europa Oriental.

Henry Kissinger, o centenário político e diplomata americano, esmiúça alguns detalhes da negociação em “Diplomacia”. Sob a ótica soviética, escreve, operou-se para que os interesses estratégicos prevalecessem em relação à retórica revolucionária. Para os russos, diante de uma mais do que possível invasão alemã, a sobrevivência se tornou o objetivo imediato e a coexistência foi colocada como prioridade tática.

O regime nazista, por sua vez, colocou o ódio que tinha dos bolcheviques em segundo plano. Fechou um acordo com os soviéticos para impedir que estes chegassem a um entendimento com os ingleses primeiro.

Cada um dos lados teve receio de dar o primeiro passo nas negociações, mas os soviéticos tinham uma vantagem neste caso. Quem tinha pressa era Adolf Hitler, que queria atacar a Polônia antes das chuvas de outono e precisava, portanto, saber o que outro lado pretendia fazer até setembro. “Mostrar muita vontade raramente acelera negociações. Nenhum estadista experiente faz um acordo só porque o interlocutor está com pressa. Mais provável que utilize a impaciência do outro para extrair termos ainda melhores”, ensina Kissinger em sua obra.

Stalin então exigiu que Hitler, antes de enviar seu ministro das Relações Exteriores a Moscou, formulasse uma proposta clara - incluindo um protocolo secreto sobre questões territoriais específicas. Dessa forma, explica o experiente ex-secretário de Estado americano no livro, qualquer vazamento que ocorresse seria um rascunho alemão: Stalin estaria de mãos limpas e o fracasso das negociações seria atribuído à recusa soviética de endossar o expansionismo alemão.

Segundo os registros que dão lastro ao relato de Kissinger, o líder soviético foi objetivo e logo recebeu o emissário alemão em Moscou. Pouco interesse demonstrou no pacto de não-agressão e menos ainda nas manifestações de amizade de Ribbentrop. O ponto central de seu interesse era, de forma taxativa, a divisão da Europa Oriental.

O pacto de não agressão durou quase nada. Dois anos depois, a Alemanha lançou uma invasão contra a União Soviética e é de supor que isso estava claro no radar das lideranças soviéticas desde o início, como diz um interlocutor do governo Lula. O que importava para Stalin naquele momento, sugere, era ganhar tempo, fortalecer-se e adiar um inevitável ataque alemão.

Um embate com a cúpula da Câmara nunca foi descartado pelos articuladores políticos do governo, desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) interveio no chamado “orçamento secreto” e lideranças da Casa se sentiram pouco prestigiadas no primeiro escalão do Executivo.

Na quarta-feira passada, depois de muito relutar, Lula telefonou para Lira com o objetivo de resolver a crise política que empacava a tramitação da medida provisória de reestruturação da máquina pública federal. Os dois ficaram de se encontrar pessoalmente, mas o encontro foi adiado para essa segunda-feira (5). Afinal, como diz Henry Kissinger, mostrar muita vontade raramente acelera negociações e nenhum estadista experiente faz um acordo só porque o interlocutor está com pressa.

Algumas preferências do Centrão começam a ser conhecidas e Lula tenta, agora, reacomodar as forças políticas expansionistas da Câmara na Esplanada dos Ministérios. Fará esse movimento ciente de que, sem ele, terá dificuldades para avançar com uma pauta de seu interesse no Congresso Nacional. Terá que estabelecer prioridades e evitar agendas que unam a oposição aos partidos de centro, numa redefinição dos limites de seu poder de influência naquele território.

Em outra frente, o governo acompanha o STF reverter uma decisão contra Lira e envia mensagens ao presidente da Câmara de que não tem responsabilidade sobre a recente operação da Polícia Federal que alcançou aliados do deputado. O governo precisa de tempo para organizar a base, mesmo sabendo que a trégua pode não durar nem dois anos.

 

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