Folha de S. Paulo
Lula conseguiria mais espaço para sua
agenda se apostasse em pautas próximas de um consenso social
Uma certeza que se tinha antes mesmo de os
eleitores votarem em outubro passado é que, não importa quem saísse vencedor no
pleito presidencial, o centrão continuaria
a dar as cartas. Lula sabia
disso. Bolsonaro sabia
disso. A questão que se coloca para o chefe do Executivo é como mitigar a força
desse grupo e abrir espaço para sua própria agenda.
Ninguém ignora que o incentivo ao qual os parlamentares mais respondem são cargos e verbas. Eles podem ser distribuídos por canais regulares. É a famosa divisão do poder. Mas, quando o presidente age assim, ele por definição abre mão de poder, que é algo que os chefes de Estado relutam em fazer. Uma alternativa mais, digamos, econômica é proceder à distribuição por vias não regulares. Lula tentou isso em seus primeiros mandatos, o que resultou no mensalão e no petrolão. Não dá para dizer que tenham sido casos de sucesso.
Bolsonaro,
depois de ensaiar uma atitude de enfrentamento, se abriu inteiramente ao
centrão. Foi assim que surgiu o chamado orçamento
secreto. E o ex-presidente também teve de entregar a Casa Civil à
administração direta do grupo. O problema é que os parlamentares gostaram dessa
experiência de gerir diretamente as verbas e agora se recusam a largar o osso.
O pedágio da Presidência ficou mais caro.
Mesmo na improvável hipótese de Arthur Lira terminar
preso, não vejo como Lula possa escapar de ter de dividir o poder, talvez mais
do que no arranjo inicial dos ministérios. Acho, porém, que ele conseguiria
mais espaço para suas políticas se seguisse sua promessa de campanha de
governar com uma frente ampla.
Em vez de apostar em pautas ideologicamente
divisivas, deveria concentrar-se nas que estão mais próximas de um consenso. É
mais fácil um deputado do centrão votar a favor do arcabouço
fiscal de Haddad do que de medidas que reforcem o papel das estatais
no saneamento.
Política pode ser definida como a arte de
forjar consensos.
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