quarta-feira, 7 de junho de 2023

Zeina Latif - Não convém contar só com a sorte

O Globo

Estamos a repetir fórmulas do passado que fracassaram, com estímulos setoriais e regionais, enquanto deveríamos cuidar da educação e da produtividade

Há uma brincadeira entre economistas de que, quando se faz previsões para o governo Lula, é preciso acrescentar o fator “sorte”. Esse chiste surgiu pelo fato de os dois mandatos anteriores do presidente terem se beneficiado bastante do quadro externo.

Sem dúvida, o ciclo mundial na primeira década deste século foi excepcional. A entrada da China na OMC, no final de 2001, impulsionou o comércio mundial, que passou a crescer a um ritmo de 7% ao ano, produzindo a valorização das commodities, o que beneficiou bastante o Brasil.

Posteriormente, a crise global de 2008-09 beneficiou relativamente os países emergentes, que não estavam no epicentro do colapso. Diferentemente de crises externas anteriores, ela teve natureza desinflacionária, permitindo a adoção de estímulos econômicos.

Foi a deixa para o forte ativismo do governo, por meio de expansão fiscal e creditícia, em meio ao relaxamento monetário. O resultado foi o crescimento, em parte artificial, de 7,5% do PIB em 2010, elemento-chave para a eleição de Dilma.

O quadro internacional atual pode não ser tão benigno como no passado, mas não há do que se queixar. O crescimento mundial morno ajuda na contenção da inflação, no mundo e aqui — vide a descompressão da inflação no atacado —, o que fortalece o cenário de corte de juros pelo Banco Central em breve.

Ao mesmo tempo, dá-se sustentação ao comércio mundial. E a desaceleração da China pouco afeta o consumo das famílias, o que ajuda a agropecuária brasileira.

Internamente, o governo começa com surpresas na atividade econômica, em grande medida por conta do desempenho da agropecuária, com alta de 21,6% no seu PIB no primeiro trimestre em relação ao trimestre anterior, contribuindo com cerca de 1,5 ponto percentual na alta de 1,9% do PIB total. Trata-se do melhor início de governo no passado recente, reforçando a fama de sortudo de Lula.

Enquanto isso, o PIB da indústria caiu 0,1% e dos serviços subiu apenas 0,6%, o que poderia ter sido pior, não fosse os ganhos indiretos vindos do agro.

O presidente não colherá todos os frutos políticos do bom momento da economia, pois as regiões mais dinâmicas, do agro, têm maior participação de eleitores fiéis a Bolsonaro.

Esse não é um quadro que vai se alterar facilmente, pois dependeria de políticas públicas mais acertadas. O gráfico a seguir mostra a dinâmica do PIB agro vis-à-vis o restante da economia.

O agro tem tido ganhos de produtividade muito acima dos demais setores (taxa média de 5,5% ao ano entre 1995-2022, ante 0,2% de serviços e -0,4% da indústria*), sendo a elevada exposição à concorrência internacional um incentivo à modernização e à inovação.

Isso em meio a um quadro de uso menos intensivo de mão de obra — a baixa qualidade do capital humano prejudica a produtividade da economia — e de menor impacto da cumulatividade e da complexidade tributária no setor. Cabe lembrar que o grande sucesso do agro dependerá cada vez mais do cuidado com o meio ambiente.

A diferença entre os setores produz desigualdades regionais. Nos últimos 20 anos, o Centro-Oeste cresceu 90% e o Nordeste, 54%. Já nos últimos dez anos, 21% e 6%, respectivamente. Nesse período marcado por duas recessões, as regiões agroexportadoras exibiram resiliência, sofrendo menos com as oscilações da demanda interna.

Nordeste e Centro-Oeste foram submetidos a políticas públicas bastante distintas. No Nordeste, foram feitos subsídios à manufatura, que remontam à criação da Sudene, apesar das limitações de capital humano, mercado consumidor e insumos. O Centro-Oeste, contando com as pesquisas da Embrapa para o cultivo de grãos, pôde desenvolver suas vantagens potenciais.

Estamos, porém, a repetir fórmulas do passado que fracassaram, com estímulos setoriais e regionais, enquanto deveríamos cuidar da educação e da produtividade.

Que possamos contar com a sorte.

(*) Observatório da Produtividade Regis Bonelli.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom o artigo.