Lira radicaliza um conflito paralisante com
o Executivo
Valor Econômico
Lira cobiça ministérios e órgãos que têm
recursos abundantes à disposição
O Congresso ganhou poderes que nunca teve
desde a redemocratização depois que o presidente Jair Bolsonaro, com sua
ojeriza a partidos, entregou a coordenação política ao deputado Arthur Lira,
sagrado presidente da Câmara sob os auspícios do orçamento secreto. Lira quer
continuar a ter esse papel central nos destinos políticos do país no governo
Lula, sem contar com verbas que fogem ao escrutínio público. Essa é uma das
fontes imediatas da instabilidade do apoio parlamentar ao novo governo e das
desventuras de seus primeiros cinco meses de gestão. O político alagoano tenta
encurralar o Planalto e até interferir na escolha de ministros.
Até agora, o jogo esteve desequilibrado a favor de Lira. Assim como Lula parece alienado, correndo em busca de fama planetária, Lira acredita que fará o governo refém com os miasmas do Centrão. Na melhor das hipóteses, não conseguirá. Na pior, paralisará o governo e agravará a latente crise política.
Essa é a mais difícil disputa de poder
enfrentada por Lula em seus mandatos. O governo cometeu erros em série, contra
as expectativas, o que ampliou a sensação de poder do Legislativo. A entrega da
coordenação política a ex-governadores e membros experientes do PT não evitou a
desorientação e as contradições que serviram para empoderar os líderes do
Centrão.
Lula foi eleito para afastar Bolsonaro, e
ganhou a eleição impulsionado por uma coalizão entre partidos de esquerda e de
centro, que está se desfazendo depois de afastada a ameaça principal, em parte
por força do histórico exclusivismo petista. Lira, que comandou os partidos
fisiológicos, vencedores das eleições, conseguiu ampliar seu cacife graças à
barganha, aceita por Lula e o PT antes da posse, para aprovar a PEC de
Transição que dava recursos generosos para o início do governo. Foi um favor
que custou caro, com prazo definido.
O eixo do poder político mudou a favor do
Legislativo com as emendas impositivas e o expediente escandaloso do orçamento
secreto, que ainda sobrevive nas franjas do orçamento. Um de seus efeitos é que
a capacidade de arregimentação tradicional do Executivo, via entrega de cargos de
primeiro e segundo escalão e dotações orçamentárias, tornou-se insuficiente
para equilibrar o pêndulo entre poderes. Partidos fisiológicos são maioria no
parlamento e têm um comando político experiente e cioso de suas prerrogativas,
encarnado em Lira. O PT, por seu lado, conta com aliados de esquerda que detêm
130 votos entre 513 na Câmara - a relação no Senado é um pouco mais favorável
ao governismo.
Mas o tempo também é senhor da razão na
política. Lira tem mais um ano e meio no comando da Câmara, e Lula, mais que o
dobro disso no Executivo. O Planalto não só cativará os possíveis sucessores de
Lira, como já trouxe para seu lado os inimigos do político alagoano. Por mais
passadista que seja a agenda do governo, ela vai muito além, certa ou
erradamente, do que o horizonte estreito das forças do atraso representadas por
Lira, que no máximo vislumbram cargos, verbas e poder. Evitar o choque, reduzir
a influência de Lira e ampliar a base governista é uma missão difícil, para
qual a coordenação política do governo deixa a desejar.
Lira, porém, subestima o poder do
Executivo, ao alinhar ameaças, dia sim e outro também, e crer que o combustível
político do governo “está acabando”. Sua ambição de domínio passa da conta do
razoável, como mostram suas mais recentes investidas. Depois de ser
bem-sucedido em impedir que o novo governo sequer tenha a organização
administrativo-política que julga adequada - uma grande derrota provisória de
Lula - avança agora para determinar ao Executivo quais ministros são os mais apropriados.
Lira acredita que a Câmara está sub
representada no governo, como se fizesse parte da base aliada e como se o
Executivo devesse espelhar a configuração política do Legislativo. A mistura de
alhos e bugalhos não é gratuita e tem objetivo: colocar Republicanos, PP e até
mesmo o PL nos ministérios, uma receita de paralisia para os planos de Lula e
uma garantia de escândalos em série.
Lira cobiça ministérios e órgãos que têm
recursos abundantes à disposição, como o da Saúde - na aparência uma presa fácil
porque ocupada por uma especialista de prestígio, sem vinculação partidária,
como Nísia Trindade. No entanto, é mais fácil Lira paralisar a agenda do
governo do que ser bem sucedido nessa empreitada, embora as negociações em
curso indiquem que conseguirá colocar um pé na periferia do governo, ocupada
por ministros que são peso morto para as votações do Congresso.
Apesar da desvantagem, o governo teve dois projetos vitais encaminhados: o novo regime fiscal e a reforma tributária. Ao aceitar a PEC da Transição e aprovar a licença moderada para gastar, com o marco fiscal, Lira dá ao governo o que ele mais precisava. E, como não há político do Centrão sem pés de barro, a operação da Polícia Federal que averigua corrupção feita por aliados pode lhe devolver uma certa modéstia no proceder. Caso contrário, se tudo continuar como está, o governo viverá por um longo tempo em estado de sítio.
O Globo
Prioridades devem ser aprovação do marco
fiscal no Senado e aceleração da reforma tributária na Câmara
Em meio ao turbilhão político, não se pode
esquecer o essencial: a agenda econômica deve ser a prioridade do Congresso.
Cabe ao Senado aprovar com celeridade o novo arcabouço fiscal, tomando o
cuidado de não piorar a proposta já chancelada pelos deputados. O texto está
longe de ser perfeito, mas é melhor do que nada. A Câmara, por sua vez, precisa
imprimir agilidade à negociação da reforma tributária, sem desvirtuar a ideia
do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O relatório do grupo de trabalho
apresentado ontem desperta preocupação por já começar a incluir exceções e
manter privilégios tributários num regime cujo objetivo deveria ser a
simplicidade.
No Senado, Omar Aziz (PSD-AM), relator do marco fiscal, ainda não tem data para apresentar seu parecer na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Quanto mais tempo transcorrer, maiores as chances de as regras ficarem ainda mais débeis. Vários senadores já defendem excluir gastos da base de despesas sujeitas ao controle da regra. Os alvos são repasses feitos para educação, o governo do Distrito Federal e o piso salarial da enfermagem.
Mesmo sem nenhuma mudança no texto, já há
dúvidas mais que pertinentes sobre sua viabilidade para deter a escalada da
dívida pública. Se forem excluídas mais despesas do mecanismo de controle, o
arcabouço de nada valerá. Tentar melhorar a educação e a saúde com o aumento
irresponsável de gastos não passa de populismo barato, pois é insustentável ao
longo do tempo.
No debate sobre a reforma tributária na
Câmara também há discursos aparentemente bem-intencionados que tendem a ser
contraproducentes. Sob o argumento de que o sistema de impostos não pode tratar
quem é diferente de forma igual, deputados defendem todos os tipos de
interessados em alíquotas menores. Isenções ou taxas reduzidas costumam em
geral apenas criar distorções que deterioram as decisões de investimento ou
privilegiam os mais ricos. Não adianta fazer uma reforma tributária para
preservar os problemas que ela deveria resolver.
Nos países com os melhores sistemas
tributários, não há alíquotas diferenciadas por setor. É compreensível a
pressão de setores afetados pelo aumento de alíquotas, mas é preciso levar em
conta que cada exceção eleva a complexidade, o custo de conformidade e os
contenciosos jurídicos. Em geral discursos feitos em nome dos mais pobres ou do
meio ambiente encobrem interesses mais comezinhos.
Nenhum caso é tão eloquente quanto a Zona
Franca de Manaus. Depois de 56 anos de incentivos ininterruptos, segue
fracassando na meta de criar um polo de desenvolvimento sem precisar sugar R$
45,9 bilhões por ano em subsídios. As indústrias lá instaladas quase não
exportam, pagam salários baixos e, pior, não há evidência de que sejam a melhor
estratégia para garantir a preservação da floresta. Exemplos da mesma natureza
são abundantes na barafunda tributária brasileira. A manutenção de autoenganos
desse tipo é o principal erro que o Congresso deve evitar.
Apoio de Lula a Marina representa reação a
ataques à pauta ambiental
O Globo
Novo plano para Amazônia exigirá dela
talento político e capacidade de articulação — interna e externa
Numa demonstração de fortalecimento da
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva apresentou com ela a nova versão do Plano de Ação para Preservação e
Controle do Desmatamento na Amazônia Legal
(PPCDAm), instrumento que no passado reduziu de forma vertiginosa a destruição
na região. Na mesma solenidade, Lula vetou a Medida Provisória que reduzia os
controles contra a destruição da Mata Atlântica, onde restam apenas 24% da
floresta nativa.
As medidas e a forma com que foram
anunciadas serviram de resposta ao Congresso, onde a pauta ambiental enfrenta
dificuldades. Na reestruturação do governo aprovada na semana passada, a pasta
do Meio Ambiente foi esvaziada, com a transferência de atribuições a outros
ministérios. Mas isso não significa que o Executivo abrirá mão de sua agenda.
Os vetos aos “jabutis” incluídos na Câmara dos Deputados em medidas provisórias
para enfraquecer a Lei da Mata Atlântica — ainda sujeitos à apreciação dos
congressistas — e a apresentação da quinta versão do PPCDAm marcam o início da
reação. Ninguém espera que a retomada da Amazônia pelo Estado e o controle da
devastação noutros biomas ocorram sem choques políticos com os grupos que se
beneficiaram do descaso com a região no governo passado.
A nova versão do PPCDAm tem como meta o
desmatamento zero até 2030, compromisso assumido pelo Brasil em todos os foros
internacionais. Espera-se que repita o êxito do passado. De 2004 a 2014, o
desmatamento na Amazônia Legal caiu 80%, para 5.012 quilômetros quadrados. Lula
e Marina precisam lidar com a herança bolsonarista, que legou um crescimento da
devastação na faixa dos 70%. Até agora, com quase seis meses no poder, o novo
governo não conseguiu impedir que o desmatamento tenha continuado a bater recordes,
confirmados por levantamentos científicos recentes.
O PPCDAm, principal ferramenta de
monitoramento e planejamento para proteger a Amazônia, volta numa versão mais
ampla, com a definição de obrigações para além do Ministério do Meio Ambiente.
Também estarão envolvidos na preservação da região a Casa Civil, as pastas da
Agricultura, da Indústria, da Defesa, do Desenvolvimento Agrário e da Justiça e
Segurança Pública.
Caberá a Marina ter a capacidade política de articular a conciliação de todos esses interesses para conter a destruição do patrimônio ambiental. A Amazônia se firmou, aos olhos do planeta, como floresta símbolo. A credibilidade internacional do Brasil está atrelada à capacidade de preservá-la. Marina costuma reclamar de falta de recursos, mas terá de agradecer se o Congresso americano aprovar a doação feita pela Casa Branca de US$ 500 milhões ao Fundo Amazônia. Saber usar o apoio externo será um ingrediente estratégico para ela derrotar as resistências internas, sobretudo no Congresso, e levar adiante seu ambicioso programa ambiental com a urgência necessária.
Ambiente na balança
Folha de S. Paulo
Pacote antidesmate é bom, mas Congresso e
Planalto precisam desarmar conflitos
Enquanto em vários países a pauta ambiental
e climática é suprapartidária, no Brasil ela se vê capturada pela polarização.
O pacote anunciado pelo Planalto no Dia do Ambiente reequilibra as forças em
oposição e comporta sinais benfazejos de reconciliação.
O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) anunciou medidas para conter o desmatamento que
seu antecessor incentivou. Retoma-se a criação de unidades de conservação,
amplia-se a carteira do Fundo Amazônia e recompõem-se equipes de fiscalização
com a contratação de 1.600 analistas.
A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente,
reativa e amplia o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia
que, em sua passagem anterior pela pasta (2003-2008), fez retroceder a
devastação na região em 83%.
Também entra na mira do monitoramento por
satélites a degradação florestal, para além do corte raso, pois retirada ilegal
de madeira, abertura de estradas clandestinas e invasão por gramíneas tornam o
bioma vulnerável. Trata-se do primeiro elo na cadeia de devastação, cujo
desmonte passa a envolver outros ministérios.
Espera-se, ainda, a revisão do programa
equivalente para o cerrado, mais debilitado que a Amazônia.
Ademais, o governo não encorpa só
providências de comando e controle —lança também planos de criar alternativas
de exploração e desenvolvimento sustentáveis, na chamada bioeconomia.
Por fim, Lula vetou artigos da medida
provisória que punham em risco a mata atlântica, o bioma mais devastado do
país. Não se descarta que a bancada ruralista logre derrubar os vetos, mas tal
cenário é tanto mais improvável quanto mais se desarmar a polarização
artificial entre preservação e desenvolvimento.
Com os anúncios de segunda-feira (05), Lula
fez mais que contrabalançar os golpes desferidos pelo Congresso ao esvaziar as
pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Compareceu a uma feira
agropecuária na Bahia, pediu conciliação e prometeu R$ 7,6 bilhões do BNDES
para o agronegócio.
É um bom aceno, embora seja preciso acertar
ponteiros dentro do próprio governo. O presidente pode ter dado mostra
inequívoca de apoio às matas e aos povos indígenas, mas na mesma data
anunciou plano de incentivos para a indústria automobilística —ou
seja, combustíveis fósseis— que contradiz políticas de enfrentamento das
mudanças climáticas.
Prevalece uma concepção de desenvolvimento
ainda calcada em ideias de meados do século 20. Falta um tanto para a liderança
do país assimilar o imperativo da transição energética que lhe acertaria a rota
para chegar a bom porto no 21.
Corrida embolada
Folha de S. Paulo
Ex-vice entra na corrida pela Casa Branca,
mas excesso de nomes favorece Trump
Uma novidade surgiu na campanha eleitoral
pela Casa Branca em 2024, ou quase isso: o ex-vice-presidente Mike
Pence formalizou a intenção de buscar a nomeação de seu Partido Republicano na
provável disputa contra o atual presidente, o democrata Joe Biden.
Pence serviu durante quatro anos (2017-21)
à sombra de Donald Trump, ícone do populismo de direita que vicejou no fim da
década passada. Suas credenciais conservadoras e evangélicas ajudaram a lustrar
a vitoriosa postulação do "outsider" republicano em 2016.
O grande momento de Pence veio no dia 6 de
janeiro de 2021, quando não compactuou com a intentona golpista estimulada por
Trump e seguiu os ritos de confirmação da vitória de Biden no Congresso, mesmo
com a turba que viria a invadir o templo da democracia americana já cercando o
lugar.
Não por acaso, ganhou a alcunha de
"vice traidor" dos trumpistas e teve seu enforcamento pedido pelos
vândalos. De lá para cá, rompido com Trump, foi ouvido nas apurações do
grotesco episódio.
Com cerca de um terço do eleitorado
republicano desejando um nome alternativo ao ex-presidente e a Ron DeSantis, o
governador da Flórida que figura em segundo lugar nas pesquisas para a
nomeação, Pence resolveu arriscar.
Para a maioria dos estrategistas políticos
americanos, contudo, ele apenas colabora com a divisão do campo não-trumpista
da disputa. Já há sete nomes colocados, e outros dois devem integrar o grupo.
O problema é que Trump sequestrou uma parte
importante de seu partido e do eleitorado dele. Atualmente, é
favorito para a nomeação, com 53,9% das intenções entre republicanos,
segundo agregadores de pesquisas —DeSantis tem 21,1%, e Pence, 5,4%, antes de
confirmar sua intenção.
Com isso, repete-se 2016, quando Trump
triunfou internamente sem nem de longe ser uma unanimidade, dado o excesso de
contendores no intrincado modelo de seleção do candidato a presidente americano,
que passa por um semestre de primárias com características próprias em diversos
estados.
Para Biden, talvez seja o ideal. Tal e qual Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Brasil, nos EUA a polarização favorece seus protagonistas. O presidente enfrenta questionamentos políticos e devido à idade, 82 anos numa eventual posse em 2025, mas por ora as outras duas postulações democratas são inócuas.
Um paliativo para a indústria
O Estado de S. Paulo
Apesar dos ajustes que sofreu nos últimos
dias, plano do carro popular continua distante de ser uma política capaz de
aliviar os problemas crônicos da indústria e promover o crescimento
O governo finalmente definiu os detalhes do
programa que pretendia incentivar as vendas do chamado carro popular. Entre as primeiras
notícias e o derradeiro anúncio da proposta, muita coisa mudou – não exatamente
para melhor, mas foi menos ruim do que se esperava. O mérito é do ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, que não conseguiu convencer o presidente Lula da
Silva a desistir da maluquice do plano, mas ao menos conteve o rombo potencial
nas contas públicas.
Em vez de limitar-se a veículos de passeio,
o governo incluiu caminhões e ônibus no escopo do programa. Embora não tenha
sido fixado um prazo para a duração do plano, estipulou-se um limite de R$ 1,5
bilhão para gastar com a medida. Esgotado o valor, em semanas ou meses, o
compromisso é que ele seja encerrado. A renúncia fiscal será coberta pela
reoneração do diesel, que será feita em duas etapas, a primeira em setembro e a
segunda em janeiro.
Os descontos, oferecidos aos clientes pelas
concessionárias, valerão para carros com valor de até R$ 120 mil, e serão
convertidos em créditos tributários para que as montadoras possam abater o
pagamento de outros impostos. Eles serão maiores para automóveis mais baratos e
menos poluentes; para veículos pesados, será preciso retirar de circulação
caminhões e ônibus com mais de 20 anos de uso.
Haddad, por óbvio, defendeu o programa, que
qualificou como enxuto, bem financiado e sustentável sob o ponto de vista
social e ambiental. Ao compensar a perda de arrecadação da medida, o ministro
reverteu a decisão que se tornou sua primeira derrota no cargo no início deste
ano. Ao final, não apenas conseguiu persuadir o presidente a voltar a tributar
o diesel, como o fez sem que a barulhenta bancada do PT na Câmara lhe fizesse
oposição.
É fato que o ministro fez o que pôde para
reduzir os danos da medida. Abandonar o plano seria a decisão correta, mas
politicamente difícil, uma vez que Lula incorreu em um erro primário para quem
está em seu terceiro mandato e alimentou expectativas sobre o lançamento antes
mesmo de sua definição. Os poucos consumidores dispostos a adquirir um carro
novo adiaram a compra, e as vendas das concessionárias despencaram à espera do
anúncio.
Mas ainda faltam detalhes sobre o que
norteou a elaboração de tal política pública, além do estímulo às vendas do
setor. Por mais que tenha um limite de gastos, o programa tem objetivos
desconhecidos e pouquíssimas contrapartidas, o que torna impossível avaliar
seus efetivos resultados. Nada indica que resultará em investimentos para a
produção de veículos menos poluentes ou que elevará a produtividade da
indústria e a competitividade dos produtos nacionais.
A despeito dos ajustes pelos quais passou
nos últimos dias, o plano continua muito distante de ser uma política capaz de
resolver os problemas crônicos da indústria e promover o crescimento econômico
do País. Todos os atores envolvidos sabem disso e, por isso mesmo, continuarão
a encenar os papéis que lhes cabem nesse teatro.
As montadoras, por exemplo, seguirão
importando veículos elétricos em vez de investir na modernização de suas
unidades para produzi-los no País. Já o governo continuará a aproveitar todas
as oportunidades que tiver para renovar a pressão sobre o Banco Central. Em
discurso ensaiado, Haddad e o vice-presidente Geraldo Alckmin disseram que o
programa será temporário, até que a taxa de juros comece a cair e o mercado de
crédito volte à normalidade – como se juros mais baixos fossem suficientes para
que veículos caríssimos se tornassem acessíveis à maioria dos brasileiros.
Eis mais um paliativo para reduzir a
lotação dos pátios das montadoras, adiar demissões e postergar o fechamento de
fábricas, e assim será até que o governo consiga aceitar a realidade. O setor
automotivo tem hoje um excesso de capacidade instalada no País, algo que o
mercado interno jamais será capaz de absorver em sua totalidade – e tudo isso é
fruto de medidas cheias de boas intenções, mas completamente equivocadas,
adotadas por administrações petistas nos últimos 20 anos.
O dia de Marina
O Estado de S. Paulo
Ministra comemora vitórias no dia mundial
dedicado à sustentabilidade, mas da conciliação entre desenvolvimento e
preservação ambiental depende o resto dos tempos
Após dez semanas sob forte tensão, quando
havia dúvida, inclusive, sobre sua permanência no governo, a ministra Marina
Silva fez do Dia do Meio Ambiente o seu dia de glória particular. Ao
apresentar, ao lado do presidente Lula da Silva, a nova versão do Plano de Ação
para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, que prevê o
embargo imediato de metade das áreas desmatadas em unidades de conservação
federais, o semblante leve e sorridente de Marina em nada lembrava a expressão
carrancuda com que enfrentou os impasses dos últimos dois meses e meio.
De fato, a ministra teve um dia exitoso. O
programa que pretende reverter o desmatamento ilegal, uma atualização da
proposta feita por ela mesma na primeira gestão petista, cria produtos como o
“Selo Amazônia” para certificar mercadorias produzidas de forma sustentável na
região. Como parte do pacote ambiental, Lula vetou os jabutis da Medida
Provisória do Programa de Regularização Ambiental, incluídos por parlamentares
para fragilizar o combate ao desmatamento.
Como cereja do bolo, justificando o largo
sorriso de Marina durante a cerimônia do Dia do Meio Ambiente, houve a total
desmobilização, desde a noite anterior, do aparato montado pela Petrobras na
Bacia da Foz do Amazonas para perfurar o primeiro poço em águas profundas da
região. A sonda de perfuração já iniciou a navegação rumo à Bacia de Campos,
onde deve chegar até o fim do mês. Não foi o único equipamento retirado do
local. Também helicópteros e barcos de apoio deixaram a bacia, na Margem
Equatorial.
Para Marina Silva, a desistência da
Petrobras, resultado do veto do Ibama à perfuração na região, representa uma
vitória pessoal. Pela ótica da empresa, trata-se de um atraso nos planos para
elevar significativamente a produção de petróleo do País, com a inserção da
nova fronteira exploratória que se estende em águas profundas das Regiões Norte
e Nordeste. Em seus planos, a Petrobras destinou à região metade dos US$ 6
bilhões em investimentos previstos para novas descobertas até 2027.
Marina já declarou que seu Armagedom é a
Amazônia, uma região descrita por ela como um “presente de Deus”. Disse isso no
auge da disputa com o Ministério de Minas e Energia, quando o Ibama indeferiu a
licença pleiteada pela Petrobras. Diante da repercussão negativa, atenuou um
pouco o discurso, e, numa entrevista ao jornal espanhol El País, declarou não
cogitar transformar a Região Amazônica em um “santuário inviolável”.
Na primeira vez em que se manifestou sobre
a pretensão da Petrobrás e sobre o veto do Ibama, Lula disse que considerava
“difícil ter problema em explorar petróleo a 500 quilômetros da Amazônia”. Ou
seja, o presidente sugeriu que Marina deve levar em conta a necessidade de
encontrar um ponto de equilíbrio que permita conciliar desenvolvimento
econômico e social com preservação ambiental. Até o momento, contudo, a
sensação é que o governo está perdido, incapaz de definir suas prioridades.
A Petrobras não abdicou de forma permanente
da exploração da Foz do Amazonas, mas desperdiçou alguns bilhões de reais e
força de trabalho com a preparação de um projeto que dificilmente vai acontecer
ainda neste ano e que enfrenta muita resistência em parte do governo, a
despeito de integrar um projeto viabilizado por uma licitação da gestão petista
de Dilma Rousseff, há dez anos.
A ministra Marina Silva defende que a
Petrobras deixe de ser uma empresa de petróleo para se transformar em empresa
de energia. Ao que se conhece, este é o projeto do atual presidente da
petroleira, o petista Jean Paul Prates. Não apenas pelo apelo ambiental que
passou a nortear os negócios pelo mundo, mas pelo imperativo econômico que essa
nova ordem representa.
Como outras empresas do setor, a Petrobras,
maior companhia brasileira, está em transição – uma mudança que levará anos,
talvez décadas. Não é com um estalar de dedos que o mundo fará sua correção de
rota, como sugere a claque da ministra. Para ter mais do que um dia por ano
para celebrar, Marina terá de buscar a conciliação de ideias ante o imperativo
de preservar o meio ambiente sem impedir o desenvolvimento.
Atividade policial não é show
O Estado de S. Paulo
PM de São Paulo presta um desserviço ao
banalizar a divulgação, no YouTube, de imagens gravadas por ‘bodycams’
A instalação de câmeras no fardamento da
Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), as chamadas bodycams,
revelou-se a mais bem-sucedida política pública na área de segurança adotada
pelo Palácio dos Bandeirantes em muitos anos. Exatamente pelo sucesso
inquestionável da medida, corolário da seriedade com que foi planejada e
implementada, a PMESP não deveria banalizar a divulgação de imagens capturadas
durante ocorrências policiais, como se fossem um espetáculo, no canal oficial
da corporação no YouTube, conhecido como PMTV. É um desserviço que presta aos
paulistas.
A atividade policial é um serviço público
essencial que nem remotamente, por óbvio, se presta a entreter a parcela da
população ávida por esse tipo de conteúdo, como se operações de policiamento
ostensivo fossem um filme de ação quase em tempo real. O quadro é ainda mais
degradante quando se nota que os próprios policiais, tais como atores que
colocam seus corpos e vozes a serviço de uma história, fazem piadas sobre as
ocorrências, caçoam de indivíduos suspeitos e dão azo a uma concepção bastante
distorcida do que vêm a ser intervenções policiais num Estado Democrático de
Direito.
Ao fim e ao cabo, a divulgação dessas
imagens sob a lógica “mocinho x bandido” – imagens que, vale lembrar, deveriam
ser tratadas apenas como prova em inquéritos policiais, processos
administrativos e ações penais – contribui para o estímulo a uma cultura de
violência policial no combate ao crime, como se os fins justificassem os meios,
que é diametralmente oposta aos nobres propósitos que inspiraram a adoção das
bodycams há três anos.
A PMESP se defende dizendo querer apenas
“mostrar a realidade” – o que é uma falácia, haja vista que as imagens não são
transmitidas em tempo real, passando, portanto, por edição – e “estimular o
alistamento” de jovens. Na realidade, está cometendo uma série de ilegalidades
com a divulgação dessas imagens.
Deveria ser ocioso lembrar, mas é dever
legal da autoridade policial respeitar a integridade física, moral e psíquica
de indivíduos suspeitos. Mesmo o criminoso mais hediondo não deixa de ser um
sujeito de direitos em qualquer país do mundo que não queira ser visto pela
comunidade das nações civilizadas como um antro onde impera a barbárie.
Como alerta a pesquisadora Jéssica da Mata,
advogada e mestre em direito pela Universidade de São Paulo (USP), as bodycams
não podem ser usadas como peças de marketing institucional da PMESP. “A
importância das câmeras é indiscutível, mas seria muito importante entender a regulamentação
da custódia e do uso dessas imagens”, disse a pesquisadora ao Estadão.
O governador Tarcísio de Freitas; o secretário estadual da Segurança Pública, Guilherme Derrite; e o comandante-geral da PMESP, coronel Cássio Araújo de Freitas, precisam urgentemente rever as regras de acesso às imagens das bodycams, sob risco de desfigurar uma política pública de sucesso e afastar os policiais do bom caminho do combate à criminalidade dentro dos mais estritos limites legais.
É preciso acelerar a indústria brasileira
Correio Braziliense
A indústria pleiteava um programa com
duração de um ano, mas, diante das restrições orçamentárias e como é baseado em
incentivo fiscal, ficou limitado a quatro meses
Ao anunciar o novo programa do carro
popular com ampliação do escopo para incluir ônibus e caminhões, o governo dá
um passo para atender à indústria automotiva, que opera com ociosidade e
necessita de estímulos para aquecer o mercado consumidor. Com o crédito escasso
e caro, a opção é oferecer descontos que variam de R$ 2 mil a R$ 8 mil para
veículos leves, dependendo da faixa de preço e do grau de emissão de gases do
efeito estufa. A solução é pontual. A indústria pleiteava um programa com
duração de um ano, mas, diante das restrições orçamentárias e como é baseado em
incentivo fiscal, ficou limitado a quatro meses. Ainda assim, a indústria, que
imediatamente incorporou o bônus e reduziu os preços, estima que a medida seja
suficiente para elevar a comercialização de carros entre 100 mil e 110 mil
unidades este ano.
Mais do que isso, ao incluir também ônibus
e caminhões no programa, o governo atendeu a um pedido do setor automotivo e
incorporou a renovação da frota de veículos de carga e de transporte coletivo
com mais de 20 anos de circulação, ou seja, fabricados até 2003. Nesse caso,
além de reativar um setor que sente mais o efeito dos juros altos e está
desaquecido, o governo atende a uma demanda antiga das montadoras: um programa
com incentivos para renovação da frota circulante no país. Não há estimativas
exatas, mas considerando o valor dos incentivos do governo e um preço médio
estimado para os veículos mais antigos, a perspectiva é de que 10 mil unidades
sejam substituídas por caminhões e ônibus mais modernos e menos poluentes.
O incentivo é bem-vindo no momento em que a
manutenção das taxas de juros em patamar elevado por mais tempo reduz a
atividade econômica nos setores mais dependentes do crédito, que, além de caro,
ficou restrito após a crise da Americanas. Mas é preciso mais. O Brasil carece
de uma política industrial consistente e que norteie os investimentos
prioritários no momento de transição do modelo atual de produção para um padrão
de baixo carbono e de maior eficiência energética.
Historicamente o Brasil conduz sua política
industrial com base na substituição das importações, adotada principalmente
após o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas esse processo se esgotou a partir da
formação de grandes conglomerados abastecidos por cadeias globais de
suprimentos. É nesse contexto que o Brasil precisa ter políticas claras de
estímulo à reindustrialização numa dinâmica que vá além da pura e simples
substituição de itens importados, o que nos deixa sempre em atraso em relação a
outros países industrializados.
Depois de fechar fábricas e desinvestir na
indústria de fertilizantes, o Brasil se viu, com a guerra entre Rússia e
Ucrânia, sob risco de ficar sem insumos agrícolas, e foi criado o Plano
Nacional de Fertilizantes, que está parado. É apenas um exemplo. Se o país não
tivesse fechado fábricas e desativado projetos de insumos agrícolas, o Brasil
poderia ser, com a guerra, potencial fornecedor global desses itens.
A carência de uma política industrial e
consistente fica evidente ao se observar a participação da indústria de
transformação na geração de riqueza no Brasil, que caiu de uma fatia de 34% na
década de 1980 para um patamar pouco acima de 10% agora. Nos últimos anos,
vimos fechamento de fábricas de aparelhos eletrônicos à de automóveis, sem
contar as pequenas e médias indústrias que fecham na esteira do encerramento
das atividades de grandes grupos. A indústria de transformação, que tem os
melhores empregos e paga os melhores salários, precisa ser estimulada de forma
consistente e estratégica, para que se possa dar continuidade à expansão
econômica sem a necessidade de se recorrer sempre a medidas pontuais. O
estabelecimento de uma política industrial é uma exigência para que o país
volte a crescer economicamente de forma sustentável.
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