quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Fernando Exman - Delação de Cid precisa ‘fulanizar’ ilegalidades

Valor Econômico

O que preocupa os correligionários de Bolsonaro é a apuração sobre a tentativa de violação do Estado Democrático de Direito

Conhecido pela discrição e capacidade de articulação, Marco Maciel tem sido lembrado em Brasília por aqueles que trabalham para dissipar a falta de confiança de integrantes do governo Lula em relação aos militares. Para essas fontes, suas palavras ganharam mais importância desde que surgiram as notícias de que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), fechou um acordo de delação premiada.

Ironias da política. Marco Maciel foi eleito pela primeira vez deputado estadual em Pernambuco pela Arena, partido de sustentação ao regime militar. Foi depois eleito diversas vezes deputado federal e comandou a Câmara dos Deputados.

Governou seu Estado natal e chegou ao Senado na década de 1980. Mas o ápice da sua carreira política teve início quando foi indicado pelo seu partido, o finado PFL, para substituir o senador alagoano Guilherme Palmeira como vice-presidente na chapa encabeçada por Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Vivia-se o longínquo ano de 1994. Porém, alguns problemas de transparência na gestão dos recursos públicos enfrentados naquela época permanecem até hoje: a pré-candidatura de Guilherme Palmeira havia sido inviabilizada em razão de denúncias de favorecimento de uma construtora por meio de emendas parlamentares ao Orçamento da União.

Feita a troca, durante a campanha presidencial a chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou explorar seu apoio à ditadura e vínculos históricos com a caserna. Justo ele que agora, décadas depois, é evocado por quem acompanha de perto as tensas relações entre o governo Lula e os militares.

Conta-se que o ex-presidente da República poderia ter duas abordagens ao se deparar com determinadas situações na política ou em entrevistas.

Quando queria que o interlocutor se afastasse dos fatos para julgá-los sem contaminar-se pelos personagens envolvidos, argumentava: “Não vamos fulanizar a questão”. E complementava o raciocínio, pedindo que se retirasse o nome específico do problema para que se pudesse concluir, então, se a solução defendida se aplicaria a todos os casos em geral, salvo aquela exceção.

A segunda abordagem, lembra-se na capital federal, era adotada quando algum fato político precisava ser encarnado por alguém para que se pudesse vislumbrar um desfecho. “Em política, como diz o Marco Maciel, tem momento que tem que fulanizar, [tem que dizer] quem é a pessoa que representa”, comentou em 2013 o próprio FHC, durante o lançamento de um livro de memórias no Rio de Janeiro, ao falar sobre os desafios do PSDB nas eleições do ano seguinte.

Desta última forma foi recebida, no governo, a notícia da delação de Mauro Cid. Para interlocutores do presidente Lula, ela pode apontar os nomes e sobrenomes de quem eventualmente se envolveu dentro das Forças Armadas nos atos golpistas gestados ao longo de 2022 e que culminaram na invasão das sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro.

E isso pode ser bom, também, para os próprios militares. O argumento dessas fontes é que o tenente-coronel Mauro Cid pode delimitar o problema e afastar as suspeitas que pairam sobre o Exército como instituição. Aí caberia à Força punir os culpados, para que se possa virar a página de vez.

Hoje, contudo, ainda há muitas incertezas sobre o conteúdo da delação.

No PL, a expectativa é que ela contenha detalhes sobre a venda no exterior de presentes dados ao Estado brasileiro. Um material capaz de ofuscar o brilho do capital político acumulado pelo ex-mandatário nos últimos anos.

Existe ainda o receio de que dados sobre pagamentos particulares feitos por Mauro Cid e sua equipe da ajudância de ordens da Presidência atinjam a imagem da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Ela é a aposta do partido para as próximas eleições, depois que Bolsonaro tornou-se inelegível.

No entanto, o que preocupa mesmo os correligionários do ex-presidente é a apuração sobre a tentativa de violação do Estado Democrático de Direito. Hoje, fala-se mais abertamente o que se passou nos bastidores da campanha bolsonarista à reeleição após a derrota de outubro.

Integrantes da ala política do governo anterior e dirigentes do PL não descartavam a possibilidade de Bolsonaro levar adiante a tentativa de um golpe. Eles alegam que não sabiam o que era articulado dentro do Palácio da Alvorada durante o período em que Bolsonaro permaneceu recluso. Além disso, dizem que tentaram convencê-lo a reconhecer explicitamente a derrota logo depois do pleito, mas não foram atendidos.

Esse capítulo da história ainda pode ser contado em detalhes. Um ajudante de ordens sabe de quase tudo o que acontece na vida de um presidente da República, seu entorno e grupo de aliados. Certamente tem muito material a apresentar à polícia, caso corresse o risco de ser condenado, por exemplo, a uma pena de 20 anos de prisão. Autoridades do governo esperam que sua delação “fulanize”.

Em relação ao seu próprio futuro, até mesmo entre seus colegas de farda não há mais dúvidas de que Mauro Cid extrapolou suas funções. Eles também querem entender os reais motivos que o levaram a fazê-lo, mas, por outro lado, ponderam que sua história não deveria macular para sempre uma função considerada tão nobre dentro das Forças Armadas. Lula, por exemplo, decidiu não ter um ajudante de ordens militar neste mandato. Fica a dúvida de como Marco Maciel “fulanizaria” essa questão.

 

Um comentário: