quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Zeina Latif - Aprender com a experiência dos outros

O Globo

Há muito a avançar na revisão de regras, mas com frequência dobramos apostas equivocadas, como na discussão para elevar o teto do MEI

Desde 2000, a renda per capita (corrigida pelo poder de compra, FMI) no Brasil cresceu em média 1,3% ao ano, ante 2,4% no Chile e 0,5% no México.

As diferenças não são explicadas pelo quadro macroeconômico. Afinal, esses países adotam regime de política econômica similar, com metas de inflação, câmbio flutuante e compromisso com a disciplina fiscal (mais frágil no Brasil).

A conclusão acima encontra respaldo na literatura econômica, que aponta como elemento chave para o crescimento sustentado dos países as regras do jogo que promovem ganhos de produtividade (do capital e do trabalho). Importantes exemplos são o investimento no capital humano, o direito de propriedade bem estabelecido, a segurança jurídica e a concorrência nos mercados.

Na educação, o México está melhor que o Brasil, enquanto o Chile é referência na região. Não por acaso a produtividade do trabalho (produto/hora trabalhada) no Brasil é 76% da mexicana e 60% da chilena (Conference Board, 2022). O problema é a estagnação observada no México desde 2000, enquanto o Brasil registrou elevação de 15% e o Chile, 38%.

Certamente outros fatores pesam no crescimento, sendo que as experiências de Chile e México trazem lições para o Brasil, do que fazer e do que não fazer.

Santiago Levy, no livro Under-Rewarded Efforts, investiga a frustração com o desempenho do México e aponta como fator principal as várias políticas públicas que, mesmo bem-intencionadas, causam má alocação de recursos na economia e baixa produtividade.

São regras trabalhistas, regulatórias, de tributação, de seguridade social e mesmo de proteção social, e que teriam piorado desde 1998. Isso em meio à insegurança jurídica que afasta investimentos.

São todas elas incentivos à informalidade. E uma vez informal, a empresa não tem estímulo para investir, inovar e crescer, pois isso significaria renunciar a proteções e pagar mais impostos. Empresas pouco produtivas sobrevivem e proliferam, e empresas eficientes crescem pouco.

Só aquelas muito grandes acabam sendo competitivas, o que produz maior concentração de mercado. Há ainda consequências perversas no mercado de trabalho, que deixa de atrair pessoas mais qualificadas.

O autor fala em “criação destrutiva”; um trocadilho para uma ideia oposta à “destruição criativa” de Schumpeter — quando novos empreendimentos inovadores substituem outros menos eficientes.

Enredo bem parecido se repete no Brasil.

No Chile, as escolhas foram outras. Várias reformas pró-mercado foram introduzidas desde a (terrível) ditadura de Pinochet. Sebastian Edwards, no livro The Chile Project, divide o período pós-1973 em 3 fases. Na primeira, até 1982, o principal foco dos técnicos (Chicago Boys) foi a tempestiva estabilização de preços, ocorrendo também desregulamentação massiva de mercados e privatizações. Em 1979, estendeu-se o modelo para serviços sociais, como saúde, educação e previdência.

Em 1984, depois de flertes do regime com o nacionalismo — uma marca do regime militar no Brasil —, uma segunda geração de Chicago Boys buscou aprofundar o modelo e atrair o investimento estrangeiro.

Com o retorno da democracia em 1990, o modelo não só foi mantido, como foi aprofundado pelos novos líderes, muitos deles perseguidos pelo regime militar, e com apoio de partidos de esquerda. Sucessivos governos expandiram programas sociais, e foi criado o sistema de empréstimos para educação universitária.

Nos últimos anos, ajustes nas políticas públicas foram negligenciados, o que foi combustível para revoltas em uma sociedade também mais exigente. Ainda assim, os indicadores sociais são muito melhores do que na América Latina.

O Brasil está mais para México do que para Chile, apesar da volta das reformas desde 2015, enquanto López Obrador produz retrocessos. Não se trata de repetir a experiência chilena, que possivelmente não seria viável, naquela rapidez, em um contexto democrático, mas sim de se mirar nos bons exemplos de políticas públicas.

Há muito a avançar na revisão de regras que geram má alocação de recursos. Porém, com frequência dobramos apostas equivocadas, como na discussão de elevar o teto do MEI, enquanto se deveria discutir a revisão desta política pública que beneficia pessoas em média mais ricas do que trabalhadores com carteira.

Precisamos acelerar o passo e tropeçar menos.

 

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