Valor Econômico
Guerra fiscal é um modelo que já dá mostras
de esgotamento há pelo menos 30 anos
Não será fácil acabar com a guerra fiscal.
No Senado, onde é apreciada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, da reforma
tributária, alguns Estados defendem sua continuidade. Outros até se conformam
com seu fim, mas pedem um pouco mais de tempo para fechar uns últimos contratos
com empresas antes que a porta se feche.
Chama-se de guerra fiscal a prática de reduzir impostos para atrair empresas. É algo que se praticou no Brasil nas últimas cinco décadas, particularmente em relação ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual, que a PEC 45 pretende modificar totalmente.
É um debate difícil. No fim das contas,
está sobre a mesa a mudança do modelo de desenvolvimento econômico do Brasil,
segundo resumiu o relator da proposta, senador Eduardo Braga (MDB-AM). A ideia
é que, após a reforma, o atrativo para empresas passe a ser um conjunto de
incentivos orçamentários e financeiros (governo colocando recursos para
estimular empresas ou setores), em vez dos atuais descontos nos impostos.
É disso que fala a PEC 45 quando estabelece
que a arrecadação dos tributos sobre o consumo será feita no Estado de destino
(onde o produto ou serviço é consumido), e não na origem (onde é fabricado).
Assim, a lógica de dar descontos para atrair empresas será menos vantajosa para
os Estados, pois a arrecadação não ficará lá. É uma mudança profunda, como atravessar
um portal para outro mundo.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, é o
mais vocal na reação contra essa mudança. Seu Estado ganhou montadoras e um
polo de indústria farmacêutica com base em incentivos tributários. Outras
unidades da Federação atraíram empresas da mesma forma.
É um mecanismo que fará falta, admitiu o
diretor institucional do Comitê de Secretários de Fazenda dos Estados e do
Distrito Federal (Comsefaz), André Horta. Há receio que, sem essa forma de
estímulo, as empresas passem a escolher locais onde há mais mercado consumidor.
Ou seja, pode ocorrer concentração de investimentos.
Os incentivos tributários da guerra fiscal
sempre tiveram sua constitucionalidade questionada. Em 2011, o Supremo Tribunal
Federal (STF) decidiu que, de fato, contrariavam a Carta. Para não provocar uma
hecatombe nas empresas que tomaram decisões de investimento com base na guerra
fiscal, foi aprovada em 2017 uma lei complementar, a 160, que convalida esses
benefícios até 2032.
A PEC 45 prevê a criação de um fundo de
convalidação de R$ 160 bilhões para bancar os incentivos tributários estaduais
para indústrias já instaladas, até que eles se encerrem.
Também por causa do fim da guerra fiscal,
haverá um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), de R$ 40 bilhões por ano,
que pode financiar a transição econômica dos Estados. Por exemplo, permitir
investimentos em infraestrutura que melhorem sua logística.
E, novidade: os recursos do FDR poderão
estimular empresas de serviços, informou o secretário extraordinário da Reforma
Tributária, Bernard Appy, na sessão temática do Senado que recebeu 19
governadores e vice-governadores no último dia 29.
Um pedido ouvido com frequência nas mais de
cinco horas daquela reunião foi a elevação do valor do FDR para R$ 75 bilhões.
Um tema “relevante”, segundo o relator Eduardo Braga. Aparentemente,
acrescentou, “o cobertor está curto”.
Para além dos recursos, existe uma
discussão sobre qual desenvolvimento regional buscar. Num momento em que a
agenda de sustentabilidade se coloca com força para o Brasil e aponta para
novas oportunidades para o Norte das florestas e o Nordeste das energias
renováveis, esse é um debate necessário.
O Comsefaz está incumbido de lançar luzes
sobre esse tema, informou Horta. É um trabalho em conjunto com o Ministério do
Desenvolvimento Regional.
Fora dos debates na reforma tributária,
outra demonstração de vigor na guerra fiscal poderá ser vista nos próximos
dias, na apreciação pelo Congresso Nacional da Medida Provisória (MP)
1.185/2023. Ela regulamenta uma questão já decidida pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ): a retirada do impacto de incentivos fiscais estaduais na base de
cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL).
É uma discussão que enfrentará dificuldades
no Congresso Nacional, avaliou o diretor-executivo da Instituição Fiscal
Independente (IFI), Marcus Pestana, que foi deputado federal pelo PSDB mineiro
por dois mandatos. O governo conta com essa MP para obter receitas de R$ 35,3
bilhões no ano que vem.
Bem ou mal, a guerra fiscal serviu para
desconcentrar a indústria nas últimas décadas. No entanto, é um modelo que já
dá mostras de esgotamento há pelo menos 30 anos. Como apontou Appy na reunião
com governadores, os Estados ricos também passaram a conceder incentivos tributários.
Assim, as unidades menos desenvolvidas da Federação perderam seu atrativo.
Restou uma disputa fratricida.
Parece claro que não é possível seguir com
o atual modelo. No entanto, não é visível o que o substituirá. Esse é um ponto
que merece mais atenção.
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