quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Wilson Gomes* - Tensões na esquerda pós-Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Esquerdas estão colidindo, porque em casos assim seus interesses se chocam

Semana passada, Gregorio Duvivier resolveu ser porta-voz de um lobby encabeçado pelo movimento Mulheres Negras Decidem, que apresentou uma lista tríplice de juristas negras para a próxima vaga aberta no STF. A iniciativa proposta consistia em uma campanha para convidar Lula para um café com suas candidatas.

Duvivier é uma dessas figuras públicas progressistas que foram fundamentais contra o obscurantismo bolsonarista nos últimos anos e decisivas para a apertadíssima vitória de Lula em 2022. Imaginava ele, como eu, que tivesse crédito e legitimidade para defender um princípio e endossar nomes para uma função pública tão crucial. E, afinal, o que ele fez é nada fora do comum na política ou nos episódios de nomeações para o STF.

Mas foi um alvoroço no cercadinho petista, parecia que grave imoralidade havia sido cometida. Duvivier ouviu tantas e de todas as cores, foi insultado e acusado e, enfim, revogaram suas credenciais de progressista. Nada muito diferente, enfim, do que lhe fizeram passar bolsonaristas e conservadores, exceto pelo cancelamento.

O interessante do ataque, contudo, é o quanto ele é expressivo do universo da esquerda na era pós-Bolsonaro.

A esquerda, não é de hoje, está dividida, quebrada mesmo, entre a esquerda de luta de classes, com a sua eclesial "opção pelos pobres", e a esquerda da política identitária, com seu foco único nos "direitos identitários". As partes já estavam em tensão, mas agora estão colidindo, porque em casos como esses os seus interesses se chocam.

A coisa é mais séria do que se pensa, pois se reflete no casal presidencial. Lula vem da luta de classes, Janja visivelmente vem da política identitária. O Lulo-janjismo tenta se equilibrar como pode, mas há uma tensão evidente. A pauta identitária tem hoje entrada garantida na Presidência, mas será sempre filtrada pela pauta de classe e, sendo Lula quem é, por seu pragmatismo político. Que, diga-se de passagem, é essencial para que possa governar e, neste país em que pedidos de impeachment são uma arma engatilhada na gaveta do presidente da Câmara, para a sua sobrevivência. Isso não quer dizer que os lobbies identitários, como qualquer outro lobby, não tente dar um empurrãozinho na direção que lhe convém, ainda mais contando com a simpatia da ressignificada primeira dama.

A maior pedra no caminho do lobby de Duvivier, porém, talvez não seja o petismo que defende o candidato que for "comprometido com a luta do trabalhador", uma vez que por esse cálculo Zanin seria reprovado, mas a base de militantes e fãs de Lula que não tolera que o critiquem ou pressionem. Sobretudo se quem o faz é da esquerda e/ou progressista. Quem é Duvivier na fila do pão para se atrever a constranger Lula com uma lista tríplice para o STF? Esta semana dá-se o mesmo com Jean Wyllys: quem é ele na fila do beija-mão de Lula para ter a ousadia de insultar um dos seus ministros? Os pretensiosos serão carinhosamente apresentados ao chicote que a fanbase de Lula —que é igualzinha a qualquer outra fanbase desses tempos ferozes— costuma usar no lombo dos dissidentes, dos críticos, dos que tentam "emparedar" o presidente.

Além disso, no caso do STF, a perspectiva de Lula parece se condensar num critério: será alguém em que ele confia. A prisão e todo o lawfare a que foi submetido tornaram Lula compreensivelmente ressabiado. Entre escolher uma juíza para "representar" uma minoria e um juiz que seja uma rocha firme nos maremotos da volubilidade política, a escolha é óbvia.

Para completar o quadro, há que se considerar a desconfiança de quem se acha parte da esquerda raiz com que ele julga ser da esquerda-Leblon, essa do Gregorio, agora que a eleição passou. Eu disse Leblon, mas é um Leblon simbólico, pode ser qualquer outro lugar composto por pessoas brancas, cultas, ricas e progressistas criticando a sociedade dominada por pessoas brancas, cis, hétero e ricas. E que acha que no centro dos problemas nacionais estão as questões da "representação", do colonialismo e de algum "ismo estrutural".

Esse episódio do lobby pelo STF ilustra graficamente, em suma, a briga poliédrica que resume a esquerda que retorna ao poder: O forte lobby identitário da esquerda-Leblon confrontado pela crescente impaciência que suscita na esquerda de classes, de onde saem os lulocêntricos que puxam a faca para quem se atreve a pressionar o presidente. No meio disso, o próprio Lula, que tem uma agenda particular para indicações para os tribunais superiores, com prioridades acima dos interesses identitários ou classistas.

*Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

5 comentários:

Mais um amador disse...

Muito bom

EdsonLuiz disse...

LULA E LAWFARE

■Analisando as manobras de lado a lado dos processos de Lula e abstraindo das narrativas, o que se observa é que da parte do juiz primário da causa houve erro de rito processual, erro que deveria tempestivamente ser saneado para garantir o devido processo legal e, pelo julgamento das robustas provas, ter sido feita justiça à sociedade brasileira e não a proteção a quem roubou a sociedade.

▪Isso é tão cristalino que o réu Lula nunca questionou as provas, tendo questionado apenas os ritos e usado os erros meramente processuais para ficar impune.

E LAWFARE?

Lawfare no processo, se observar as manobras com honestidade, sem intenções viciadas e abstraindo das narrativas, quem praticou alguma coisa que possa ser assimilada a lawfare naqueles processos foram Lula e sua defesa.

Mas, assim como ocorre de o golpe ser gritar que é golpe, nestes casos de Lula lawfare é dizer que houve lawfare.

O que houve foram erros de meros ritos processuais, todos erros saneáveis se a intenção fosse fazer justiça à sociedade e não a de aproveitar os erros para garantir impunidade a quem praticou a delinquência de corromper e ser corrompido.

Até quando vão se empenhar em confundir os fatos com narrativas, sendo esfas narrativas parte do lawfere, para deixar bem a imagem d3 alguém que fez o que fez Lula? E com este lawfere, feito exata e contraditoriamente por todos os que gritam e escrevem lawfere, o que fazem é aprofundar uma cultura de impunidade para os que são poderosos, valendo esta cultura sórdida para proteger gente como Lula, Sérgio Cabral, Flávio Bolsonaro, Emílio Odebrecht, Eduardo Cunha...

Que país é este?

Daniel disse...

Muito boa a coluna! Sobre o comentário acima:
Desde quando juiz PARCIAL é mero erro de rito processual? A IMPARCIALIDADE do juiz é um dos PRINCÍPIOS do Direito e da Justiça. SEM ESTE PRINCÍPIO, nada vale!

EdsonLuiz disse...

■Sim, os ritos de processo são uma blindagem na lei para que o Devido Processo Legal seja cumprido e um julgamento ocorra com a garantia de que a decisão fique acima de qualquer dúvida.

▪Mas deste :: "ocorra com garantia de que a decisão fique acima de qualquer dúvida" decorre que::
i) Se ocorrer dúvida, o processo tem que ser saneado dessa dúvida e o julgamento ser feito dentro do estrito processo legal, incluindo seus ritos. Mas a dúvida NÃO significa que o réu é inocente.
=》Quanto ao réu ser inocente ou culpado, quem diz isso são as provas, não os ritos.

■Para haver um inocentamento.
▪Um réu só é inocentado quando houver um julgamento das provas e este julgamento resultar em decisão da maioria por sua inocência.

Isto NÃO aconteceu nos casos em que Lula foi julgado pelas provas em 2ª e 3ª instâncias.

Quando julgado pelas provas em instâncias de confirmação ou anulação de penas, a 2ª e a 3ª, que são instâncias de julgamento em turmas colegiadas, Lula teve sua condenação CONFIRMADA e RECONFIRMADA pelos placares respectivos de 3X0 e 5X0.

■Houve UM caso de inocentamento de Lula dentre os oito processos principais contra ele, mas foi um caso em que o julgamento das provas ocorreu apenas na 1ª instãncia e Lula foi inocentado, neste caso, advinha por qual juiz?
=》Sérgio Moro!

▪Sim! No único caso, dentre os oito principais, em que quando julgado pelas provas Lula foi inocentado, o juiz que o inocentou foi o ex-juiz Sérgio Moro.
▪Dentre estes oito processos principais contra Lula, houve este em que Lula foi inocentado e houve também um em que o juiz não aceitou a denúncia e arquivou o processo por julgar que nele não havia provas suficientes contra Lula.

Novamente:: advinha quem foi o juiz que não reconheceu da denúncia contra Lula neste processo e mandou arquivar?
=》 Outra vez foi o ex-juiz Sérgio Moro!

■Portanto, temos que separar as coisas::
▪i) Lula, quando considerado o rito do processo, que é um dispositivo secundário que configura, digamos assim, uma obrigação acessória do processo e que quando descumprida se torna obrigação principal, em relação a estes ritos meramente processuais houve cometimento de erros pelo juiz natural da causa e, na nossa legislação generosa para delinquentes que tenham poder e dinheiro, o descumprimento destes simples ritos processuais são suficientes para anular o processo, tenha o réu assassinado uma criança, furtado uma mariola de um camelô ou se corrompido e roubado dinheiro público que poderia ter servido, por exemplo, para merenda escolar. E o descumprimento de meros ritos processuais anula as provas, mesmo se o réu for o corrupto Lula, o surrupiador de joias Bolsonaro, o autor de rachadinhas Flávio Bolsonaro ou o esquartejador e traficante internacional de drogas Fernandinho Beira-Mar, mesmo os ritos não tendo nada que ver com as provas mesmas, como não têm.

▪ii) Já quando julgado nas três instâncias que julgam provas, pelo julgamento destas provas arrecadadas e que estão no processo Lula foi condenado à unanimidade:: condenado pelo juiz primário, condrnado pelo TRF-4 por 3X0 e condenado pelo STJ por 5X0.

Edson Luiz Pianca
edsonmaverick@yahoo.com.br

EdsonLuiz disse...

TRISTE E POBRE BRASIL !

■Pena que um juiz que fez um trabalho tão importante de combate à corrupção, como fez o então juiz Sérgio Moro, condenando políticos, empreiteiros, empresas e doleiros poderosos, posteriormente este mesmo juiz largou a toga do judiciário e virou político ; e, por interesse eleitoral, o juiz que antes combateu corrupção foi se juntar, se relar, se ralar e beijar na boca do corrupto Jair Bolsonaro!

TRISTE BRASIL ::
▪Aqui, quem combate corrupção hoje pode virar cúmplice de corrupto amanhã, como é o caso de Sérgio Moro que foi se juntar a Jair Bolsonaro!

POBRE BRASIL ::
▪Aqui, cidadãos ativistas por causas sociais, identitárias e morais nobres e importantes podem alegremente aceitar dar proteção a politicos que não dão nenhuma importãncia para coerência com princípios e valores, como o grande número de bem intencionados jornalstas, sociólogos, etc que se prestam a dar proteção a Lula.

●O Brasil precisa ser transformado, mas só temos chance de mudar o Brasil se primeiro conseguirmos interromper esta lógica de vícios técnicos, políticos e morais. Mas além de não conseguirmos romper esta lógica nós ainda contribuímos para reproduzí-la.