quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Vinicius Torres Freire - O que quer o Bolsonaro argentino

Folha de S. Paulo

Principais porta-vozes de Javier Milei, líder nas pesquisas, tentam normalizar programa

Javier Milei venceu as eleições primárias da Argentina, em 13 de agosto. Lidera as pesquisas de intenção de voto para o primeiro turno, em 22 de outubro. Venceria no segundo turno, dizem os números até agora.

Milei parece lunático, tanto quanto o programa de governo que apregoava até vencer as primárias. A economia argentina seria oficialmente dolarizada. O Banco Central seria fechado.

Haveria um "plano motosserra" de redução de tamanho do governo, começando com a sempre demagógica história de redução do número de ministérios. A Argentina sairia do Mercosul. Não entraria nos Brics.

Milei parecia um personagem de videogame ou um bonequinho de ação ("action figure") de uma revista em quadrinhos de institutos liberais e libertários, como esses do Brasil, mas perturbado e ainda mais caricato.

Desde fins de agosto e em especial em setembro, seus principais porta-vozes e assessores vêm dizendo que "não é bem assim". Mais do que isso, insinuam estar conversando com macristas (adeptos de Maurício Macri, presidente argentino de dezembro de 2015 a dezembro de 2019).

Nos últimos dias, Macri, teve de dizer que não tem dois candidatos —é da coalizão política de direita de Patricia Bullrich, que ora disputa o segundo lugar nas pesquisas com o peronista-kirchnerista e ministro da economia Sergio Massa).

A direita argentina se acerca de Milei. Macri, queridinho de liberais, quebrou o país de novo ao facilitar outro ciclo de endividamento externo rápido e colossal.

Considere-se o discurso de Diana Mondino, que talvez viesse a ser chanceler de um governo Milei. Mondino integra o conselho de várias empresas argentinas, é de família de banqueiros, professora de finanças em uma universidade privada e amiga ou conhecida do empresariado, que tem aplaudido a conversa "moderada", por assim dizer, da executiva-economista.

Não haveria dolarização de imediato, o que era óbvio, pois resultaria em colapso espetacular mesmo para os padrões argentinos. "A economia está se dolarizando sozinha" disse Mondino ao se referir à extensa fixação de preços e contratos na moeda americana. Se a economia da Argentina for mais produtiva, flexível e competitiva, nem talvez seria necessário dolarizar. Mas haveria um plebiscito sobre a dolarização (e outro sobre aborto). Note-se que Milei, eleito, não teria maioria no Congresso.

Darío Epstein, um assessor econômico de Milei, diz que não há como dolarizar se não há dólares. A equipe do "libertário" não sabe nem quando vai levantar os vários controles de capitais (entrada e saída de recursos, dólares, do país) ou unificar as tantas taxas de câmbio argentinas.

Seria preciso também arrumar as contas do Banco Central, dizem os assessores do Milei. O BC quase não tem reservas, até por ter muitos passivos. Se é preciso arrumar o BC, tão cedo, ao menos (rir, rir, rir), ele não seria extinto.

Não seria possível cortar o gasto público de modo relevante, de imediato, pois há muito gasto obrigatório, o grosso sendo do INSS argentino (bidu), diz esse pessoal de Milei. Mas prometem "déficit zero".

O caminho seria o corte de subsídios (a depender da conta, o equivalente a quase 18% do gasto) e contenção de aumento salarial (com a inflação argentina, o arrocho poderia ser rápido). Em tese, haveria revolta, pois muito dinheiro vai para tarifas de serviços públicos. Mas vá lá.

Mercosul? Precisa ser "reanimado" e "reforçado" por meio de novas negociações entre os quatro parceiros e de novos acordos com o mundo.

A direita argentina se mexe e se remexe. Em parte, como fez a brasileira, ao adotar Bolsonaro a partir de fins de 2017.

 

2 comentários:

EdsonLuiz disse...

■Uma dolarização definitiva da economia na Argentina, penso que só seria possível se a Argentina e os EEUU celebrassem uma união monetária e aduaneira e por um período não pequeno os EEUU subsidiassem a Argentina, até que houvesse uma aproximação das produtividades entre os dois mercados. Nada parece indicar essa disposição em um e no outro país.

■O que pode acontecer e que dá para ser assimilado a uma dolarização seria a relativa indexação informal da economia argentina pelo dólar se tornar oficial por certo tempo e, se isso conseguir trazer para o mercado os dólares que estiverem escondidos, possa ser que estes dólares venham a ser o dinheiro que a Argentina precisa e não conta hoje com grandes investidores internos ou externos que se disponham a financiá-la.

Se oficializarem este dolarização e isto der certo, a Argentina ganha uma chance que, para aproveitar, um governo do libertário Javier Milei teria que encontrar bons economistas especialistas da escola de economia neoclássica e, se conseguir por tempo suficiente se financiar com os bilhões de poupança em dólares guardados escondidos dentro de casa por milhões de argentinos, retomar alguma eficiência econômica que só ferramentas desta escola econômica consegue com eficácia.

Dando certo, a Argentina ganha um fôlego que terá que ser sustentado por muito corte de gastos feito com ótimos critérios para arbitrar perdas sem sacrificar muito mais os muito pobres e as empresas, portanto, a participação de profissionais de economia de outras escolas também serão importantes nessa solução da crise.

■O Capital mais importante para terem o apoio necessário para uma politica assim será a confiança da população e para essa confiança será fundamental a comunicação, sem populismo e sem demagogia.

■O povo argentino tem educação e cultura para entender a necessidade do endurecimento fiscal para ter uma chance ; mas eu não sei se o grau de passionalidade latina do argentino somada ao ideologismo naquela sociedade, ainda mais se o ideologismo for mais instigado via internet por vizinhos irresponsáveis, brasileiros, venezuelanos, bolivianos e outros, vai permitir um consenso e unidade que viabilize uma solução.

Mas, inicialmente e de forma provisória, penso que qualquer proposta de tentativa na Argentina tem que trabalhar com o dólar, com dolarização temporária ou alguma coisa assimilada a isso, que em termos de moeda é no que o argentino ainda acredita um pouco. E a Argentina terá que contar necessariamente com forte cooperação dos Estados Unidos.

■Como o governo brasileiro está fazendo questão de ofender as democracias e ser cúmplice de uma trama de China, Rússia, Irã, Coréia do Norte e coisas assim contra os Estados Unidos, a Argentina, se conseguir se segurar na economia e esboçar alguma reação, tem chance de passar a ser um dos endereços onde poderá ser aportado investimento das cadeias produtivas de eletrônicos, medicamentos, equipamentos de saúde, energia limpa e outros que terão que ser retirados da China.

■Mas tudo na Argentina em relação à economia, e também é assim cada vez mais no Brasil, é..."se"! Inclusive "se" der tempo para uma solução.

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é.