Folha de S. Paulo
Estabilização vai causar mais dor social;
presidente não terá maioria parlamentar
Suponha-se que Javier Milei ganhe a
eleição. Sua coalizão, "La Libertad Avanza", tem 38 dos 257
deputados da Câmara. No segundo turno, Milei tem
o apoio do fracassado ex-presidente
Mauricio Macri e de Patricia
Bullrich, presidenciável derrotada, ambos da "Juntos por el
Cambio" (JxC), de centro-direita. Juntas, as coalizões teriam 131
deputados, maioria. Não vai acontecer.
A JxC talvez não dure até o ano que vem. Um dos partidos do grupo, a União Cívica Radical (UCR), rompeu com Macri, que chama de traidor e culpa pela derrota de Bullrich. A UCR tem 25 deputados —alguns talvez se juntem a Sergio Massa. O PRO de Macri tem 41, mas alguns não toleram Milei. Etc. O "Unión por la Patria" de Massa tem 108 deputados. Ninguém tem maioria.
Parte do PRO, de Macri, diz que tolera Milei
se o plano econômico for parecido com o de Bullrich, mais convencional. Mas,
enfim, Milei não renegou a dolarização, o fim do Banco Central e o plano de
choque. Economistas de institutos de pesquisa, de consultorias e de "o
mercado" dizem que não fazem ideia de como será tal plano, que não tem
apoio político, como se viu.
O dólar foi o
assunto central da eleição. Há agora minidesvalorizações do peso oficial, de 3%
ao mês. É ridículo, pois a inflação anda na casa de 8% e subindo. Isto é, o
peso oficial continua supervalorizado e se valorizando. O dinheiro não volta
para a Argentina a
essa taxa de câmbio.
O país não tem dólares para pagar as dívidas.
Não deve pagar. Deve haver outra "reestruturação" do papagaio com o
FMI. Falta dólar até para pagar importações como a de combustíveis.
A fim de dolarizar a economia, seriam
necessários uns US$ 36 bilhões. As reservas em "dólar" estão no
vermelho —o BC tem passivo de US$ 10 bilhões.
É possível dolarizar por menos de US$ 36
bilhões ou US$ 46 bilhões desde que se convertam dólares por pesos a uma taxa
altíssima, o que levaria a uma hiperinflação ainda mais rápida e, talvez, a uma
crise bancária.
Suponha-se que Milei não dolarize de cara.
Sendo adepto da dolarização, que confiança haveria no peso? Hum. Então,
continua o problema da desvalorização acentuada, hiperinflação à vista etc.
Sim, os preços se estabilizam depois de um
tempo de dolarização, como no Equador. É a paz dos cemitérios.
Para ficar de pé, um plano de estabilização,
de choque ou paulatino, exigiria grande corte de gasto público (e, pois, de
subsídios de serviços públicos), autonomia do BC, fim de controle de preços, de
câmbio e de capitais e de impostos sobre exportações.
Massa terá de fazer algo parecido, sem
dolarização e sem choque. Pode ser feito de modo paulatino, desde que alguém
acredite que será feito. Massa é o ministro da economia e presidente de fato
faz ano e meio. Que crédito tem?
Propõe um governo de "união
nacional", até por falta de alternativa. Sugeriu nomear um ministro da
Economia que não seja da sua coalizão e entregar metade da direção do BC à
oposição. Isso quer dizer que a âncora de seu plano econômico seria a entrega
do governo da economia a gente que não é da sua coalizão.
Acha que o maior problema é a falta de
dólares; que o restante da barafunda horrenda se resolve aos poucos; que o
dinheiro entrará com a volta das exportações agropecuárias (que foram à ruína
também por causa da seca) e das novas vendas de gás e petróleo de Vaca Muerta.
Não vai dar tempo.
O plano de estabilização de início dá em mais
inflação. Menos subsídios e preços maiores vão resultar em mais sofrimento
social.
Se o lunático Milei ganhar, o que os peronistas mais animados, La Cámpora e sindicatos, vão fazer? Se Massa ganhar, vai enrolar, seguindo no caminho da morte paulatina? Vai ceder o poder da economia?
Um comentário:
O pior venceu.
Postar um comentário